Opinião: NEM SEMPRE AS DECISÕES REPUBLICANAS SÃO AS MAIS RACIONAIS NA CONCEPÇÃO DO ESTADISTA

Há mais de dois anos já dizia publicamente e aos amigos mais próximos que a crise política na Guiné-Bissau estava a caminhar-se para um estágio do qual uma solução moderada para a mesma se pulverizava em uma velocidade impressionante. A nomeação de Sissoco à chefia do governo, um outsider da estrutura burocrática superior do PAIGC, foi o ponto determinante para o agravamento do imbróglio e o descenso ladeira a baixo da situação política e institucional do país. A sua escolha pelo JOMAV era uma manifestação política concreta de retirada do poder ao partido que venceu as últimas parlamentares guineenses.

Levado a esse anômalo ato pelo círculo político composto por “deputados rebeldes” dos libertadores ou pelo impulso político próprio, à medida que eram crescentes as contestações àquele decreto, o qual o chefe de Estado não conseguia razoavelmente justificar à luz das letras do chamado acordo de Conacri, o Presidente JOMAV adentrava-se progressivamente em um beco cuja saída era difícil de se enxergar. Vaz se transvestia de satã para o PAIGC e de semideus para o tripé PRS, os 15 e o próprio palácio, e a conjuntura lhe tolhia de ser, mesmo que quisesse, um republicano Presidente de fato.

Os comícios extra-eleitorais vistos nos últimos dias e a anunciada marcha com vistas à praça dos heróis nacionais que deve ocorrer nos dias 16 e 17 do corrente mês, de acordo com os 18 partidos contrários ao status quo, refletem a total ciência desses atores partidários de que se tudo for mantido até as eleições de 2018, as chances de se reproduzir o status quo serão grandes. Para o PAIGC e os seus aliados da circunstância, ir às urnas em uma eleição organizada por um Executivo considerado inimigo declarado é pagar para ver uma provável derrota – com poucas exceções, na África sempre quem organiza as eleições e delas participa as ganha.

Para o efeito, o coletivo dos partidos que diz reivindicar por uma retomada democrática na Guiné-Bissau recorre, primeiro, a todas as formas de acusação e criminalização de JOMAV e Sissoco, em uma tentativa de desgastá-los ainda mais e forjar a deposição deste governo. A ameaça de denúncia desse regime atual junto do Tribunal Penal Internacional me parece mais uma tática de pressão e “chantagem” política, que dará em nada; até porque o TPI atende a denúncias de crimes e violências contra direitos humanos praticados por governantes, e não é versado em questões de “golpes ou subversões político-parlamentares”. Se não funcionar esta estratégia, pelo histórico do país, teoricamente não funcionará, não se descarta a possibilidade do recurso à tática de ocupar e sitiar os espaços públicos, inclusive o palácio. Nesse tipo de tática, geralmente o eco de eventual uso de violência policial e de todas as estruturas de defesa do Estado é considerado ganho dos manifestantes, já que pode levar a uma intervenção externa ou aumentar o caos interno que pode colocar em risco as estruturas do governo e sua continuidade.

A oposição ao regime jomavista rega a esperança, através de seus atos e protestos, de provocar decisões nas burocracias do país que levem à formação de um novo governo, antes do pleito eleitoral. A tendência é que as forças de oposição venham a tentar boicotar as próximas eleições se até a sua realização não for destituído o atual governo. Na configuração atual do poder, o PRS é o único partido forte que aceitaria ir às eleições sem pestanejar, porque hoje ele é o governo. Aliás, o líder de APU-PDGB já manifestou que não seriam credíveis eleições organizadas pelo pelouro de Sissoco e, portanto, não as legitimariam, e o PAIGC reproduz o mesmo discurso.

Há pelo menos dois anos que este conflito transformou-se em uma bola da neve nas mãos de JOMAV, que se vê completamente tomado por interesses totalmente conflitantes. Nesse momento, qualquer posicionamento cirúrgico do primeiro magistrado da nação atenderia aos interesses de um lado e não do outro. Devolução do poder ao PAIGC cessaria os movimentos dos 18 partidos contra a sua figura, entretanto seria considerada uma traição pelos 15 e talvez pelo próprio PRS, que sustenta o governo por ele patrocinado. Me parece que o JOMAV prefere deixar passar o tempo até as eleições e delas tentar renovar sua imagem política, no entanto a oposição não quer novas eleições sem a formação de um novo governo a ser liderado pelo PAIGC. O Presidente da República e os seus apoiadores do PAIGC, mas principalmente o próprio JOMAV, teriam medo de sofrer retaliações caso resolvessem optar por retornar o poder à atual direção do PAIGC.

Penso que a devolução do poder aos independentistas resolveria a crise e cessaria ondas de hostilidades contra o JOMAV, entretanto poderia ser um passo à decadência política ou ao suicídio político do primeiro magistrado da nação – apenas uma possibilidade e não certeza. Será que o Presidente Vaz e os suspensos do PAIGC – caso reintegrados – não sofreriam represálias e será que o seu futuro político no partido não estaria em risco, caso o Presidente chamar o PAIGC à responsabilidade de chefiar o governo e completar a legislatura até o próximo ano?

Em política, nem sempre as decisões republicanas são as mais racionais na concepção do estadista. E me parece que nesse momento o JOMAV vive justamente este dilema.

 

 

Por: Timóteo Saba M’bunde, Mestre em Ciência Política.

 

 

 

 

 

 

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