Crônica: O GRANDE ASSALTO

… Era uma vez… era uma vez…

Não conseguiu conter as lágrimas por aquela multidão de gente que jazia ali, secos, inertes, abraçados à última réstia de esperança que ainda os motivava nesta luta inglória na sede-matriz da democracia; outrora casa dos homens de negócios – lá nos idos tempos da colonização.

Estavam ali, resolutos, desse o que desse, viesse o que viesse, estavam decididos para a luta, movidos a uma combustão férrea de resistir até a última gota de água; quiçá, a última gota de sangue.

E, assim, para toda a eternidade, eles choraram, como nunca o fizeram, mesmo nos tempos mais ásperos da história nacional, choraram de arrependimento, como nunca o fizeram antes, por tanto sangue de inocentes derramados neste solo pátrio; que, a esta parte da história, o grupo de delinquentes e seus acólitos de ontem se juntaram ao mais ingrato dos cidadãos que alguma vez se viu nascer nesta terra. Logo neste chão de Joku Té e de NToman Ka.

Os ntinianos pensaram que talvez tenha sido a última praga a ser paga por tanto sangue de inocentes derramados neste sagrado solo pátrio. Imaginaram qual a cerimónia que deveria ser feita para aplacar a ira dos defuntos de chão de Joku, NToman e Munkaw.

Mas a resposta e a (mal)dita ou (bem)dita cerimónia não estavam ao alcance da nossa inteligência nacional, ainda que estúpida.

Os donos do podre poder armaram-se até os dentes com a sua horda para o grande assalto. Dia e hora marcados; enquanto que no cume da montanha haviam alpinistas que aguardavam para dar o início à grande reunião do grupo.

Coisas de ver, e de acreditar para quem quiser.

Foi então que falou um dos comandantes da Operação Nariz de Palhaço,     do Comissariado Central da Gangue Organizada, conhecida em Praça Pública por GangOrg):

– Estamos aqui, caros soldados, para cumprir a grande missa nunca dantes realizada por nós, e nem por nenhuma Força de Segurança do planeta Terra, mantendo a ordem; e cumprindo com os ditames da Lei da nova República. Nada mais do que isso.

Ajeitando a gravata, prosseguiu:

– Apenas cumprir com a ordem do grande Comandante sem tropa, porque nunca o fora; mas a Lei o diz que ele o é, ou pelo menos: Em Chefe. Estamos na Sede, aos pés deste maldito Templo. O que veem ali na vossa frente conduz diretamente ao Bureau Central. Ao instalarmos aqui conseguiremos impedir que se realize o magno evento da discórdia nacional. Por isso, precisam, meus caros soldados, controlar a aldeia vizinha, onde têm vossos familiares que, apesar da nossa presença, vocês os abastecerão. Para dizer-vos ainda que enviei todos os meus homens para escalar as laterais do edifício, só não estou seguro que lograremos atingir os objetivos a que esta missão nos propõe.

Responde-lhe um outro comandante da Guarda Nativa (GNativa):

– Não estou disposto a passar o resto da minha vida perante este despautério de Chefia alucinante. Ainda por cima obedecer às ordens de um analfabeto. Esta casa está protegida por uma guarnição de soldados que, armados ideológica e voluntariamente, são capazes de tudo. Conto com uma legião de soldados, mas nem por isso consigo controlar esta gente. Não pudemos submetê-los pela fome nem pela sede; tamanha é a força da vontade.

Os soldados olharem atónitos para o Comandante; entreolharam-se, e de olhares cruzados, deram-se de ombros. Pois se até o Chefe não concordava, em tese, com a missão, eles que tinham que ver com esta operação palhaça? Porém mantiveram-se no local para eventuais (des)ordens.

O dia corria, o sol fustigava a boina dos soldados. Entretanto, na Praça dos Heróis Nacionais que, ao que tudo indica, estão a ser objetos de sacrilégios por parte dos seus companheiros de fardas.

Todavia, entre as flores e plantas do Jardim da Praça, entre os postes das luzes vindos do Reino dos Marrocos, num contrato soturno do presidente sisudo e avarento, um homem vestido a farrapos dormia, esgotado, e a seu lado, a legião de boa vontade passava-lhe os restos dos alimentos.

E a cena se repetia dia após dia.

  1. E eis que entra em cena um novo ator

Tendo assumido o compromisso com Deus e com o diabo, só porque há anos sonhava em sentar-se no trono, porém de um modo especial ter em sua posse as chaves do Cofre de Estado, discursou para os incrédulos ouvirem:

Confesso-vos, minhas senhoras, e meus senhores, que os meus melhores homens e as minhas melhores mulheres dedicaram todo o seu esforço e empenho para esta empreitada na sede enganadora da liberdade nacional. Não tenham grandes ilusões, e nem se deixem arrastar pelas desilusões, pois quero dar a minha contribuição para a ordem e o progresso nacionais, uma vez que há décadas que se repetia o mesmo tipo de refrão desta sonâmbula música desafinada. Não precisamos enfrentar desfiladeiros, que venham a terminar em ravinas, não. Entretanto, dada a intensidade desta disputa fratricida precisamos pensar antes de agirmos a ponto de desperdiçarmos as nossas balas, pelo menos as poucas que ainda nos restam. É preciso agir com cautela. E das máximas.

Dito isto, calou-se. Aliás, remeteu-se a um silêncio sepulcral. E não para sempre. No entanto, os soldados e seus subalternos ainda por constituir, foram ouvindo o ecoar das palavras do novo Chefe do Tesouro nacional nos seus ouvidos. Uns descreditaram nele, outros mantinham uma dúbia certeza na sua ambiguidade de mando. Mas, ele não se deu por vencido, e continuou:

– Bem, tomei uma decisão que espero que seja a mais certa de todas as que já tomei em toda a minha vida. Assim, sem rodeios, retirem-se o mais rápido possível; antes que…

Pois então o caráter de indisciplinado veio à tona. Começaram os murmúrios na Cidade de Bissau. Outros previram que terá dificuldades em constituir sua equipa de trabalho. Os saltimbancos, vulgos purku rabata sabon, acrescido neste coro maléfico, pelos 10+5+1 delinquentes, saltaram do barco; pois será difícil ditarem as regras do jogo ao novo comparsa.

  1. Os delinquentes

Na nossa terra, os delinquentes são os que, a todo o custo, querem ascender ao poder. Para isso, usam dos variados tipos de argumentos que vão desde a religião à etnia, da sabedoria da terra aos negócios dos mais escusos possíveis, do direito exclusivo da pertença a um clã político à antiguidade e historicidades inerentes a esse mesmo clã.

Dizem as más línguas que o partidão está cheio de clãs, por isso, eles os doutos não se reveem nele. Outros ainda dizem que a famigerada ordem que se está a implantar permitirá extirpar uma vez por todas as raízes do mal em seu seio.

A ver vamos. E a sentir pensamos. E a pensar acreditamos.

Assim, constituem esta categoria social – os delinquentes – sui generis, as seguintes classificações ou nomenclaturas, conforme o gosto do freguês:

  1. São delinquentes os que teimam e insistem nos mesmos erros e na mesmíssima prática política nociva à nossa sociedade;
  2. São seus seguidores os que acreditam na sua delinquência vil e os seguem;
  3. Os supostos seguidores seus são aqueles que estão presentes nas suas estratégias maléficas e tomam parte das mesmas, ainda que finjam não o serem, e nem tomarem parte das mesmas;
  4. Os que simplesmente beijam suas mãos constituem um grupo à parte que, sem se descuidarem, tiram o máximo proveito de suas ações;
  5. Os aliados perigosos estão muitas vezes com eles, colhendo os louros dessa aliança e/ou pacto no erário público, enfraquecendo a nossa economia, empobrecendo o Tesouro nacional, ao mesmo tempo que nos votam ao desespero da condição de sermos a nação mais pedinte da humanidade;
  6. Os muito perigosos são com frequência seus sequazes e conselheiros;
  7. Os encobridores são os que conhecem esses delinquentes, porém não os denunciam;
  8.  Os protetores, estes sim, são os mais terríveis, conhecem-nos, por isso, impedem que se os descubram;
  9. Os apoiantes são àquelas pessoas que os alimentam, financiam e garantem o êxito de seus planos maquiavélicos e satânicos, uns vivem conosco, outros vêm de fora, lá doutros quadrantes do mundo;
  10. Os seus advogados são os que defendem a sua causa, pois a anarquia deve reinar-se para que a confusão seja instaurada, e a contradição implementada, de modo a que fiquemos reféns deles;
  11. Os delinquentes reincidentes são todos os que choram de arrependimento só para que lhes seja indultada a penas para, depois, e muito depois, perturbarem os nossos espíritos, adiando os nossos sonhos, comprometendo o nosso futuro com suas astúcias e indecências de caráter.

Pensando cá com os meus botões, devo, na pele de Cronista, dizer que… às vezes… às vezes, é difícil saber se os nossos delinquentes pátrios, ou mátrios, e quem sabe, frátrios, mentem ou se são inocentes. Mas, posso garantir com conhecimento de causa que semearam a semente do ódio no país… mas talvez sejam inocentes ou finjam o ser… apenas não o sabem demonstrar…

Talvez sejam uns falsários.

E para piorar ensinaram-nos a Liturgia do Ódio. Esse livro ninguém o quer ler; parece, contudo, que nos vimos obrigados a o ler.

Caro leitor d’O Democrata, até a próxima, que o cronista precisa dormir para tentar esquecer o desassossego pátrio.

 

 

 

Por: Jorge Otinta, poeta e crítico literário guineense

Bissau – NTIN/N’HALA (MÍSSIRA) – 09 e 10 de março de 2018.

 

1 thought on “Crônica: O GRANDE ASSALTO

  1. É um olhar de quem sabe é compreende o sentido do devir, na verdade é preciso estudar a realidade política do martirizado país chamado Guiné Bissau,entende-la e explica-la para melhor compreendemo-la. Fazer política neste país, ou seja, a sociedade política guineense está muito suja de maneira que disfarçada ou indisfarcadamente não se consegue discernir a sua pureza. É preciso que nós os entendidos comecemos a nós enveredar nesse caminho de uma vez por todas e de forma persistente conquistar os destinos de governação deste país e salvar os melhores filhos desta terra desta forma honraremos a memória daqueles que desde os primórdios tombaram por causa deste martirizado chão, como disse um filósofo quem deve governar o povo é um “filósofo-rei”…6-6

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