Crônica: A CHUVA DE JUNHO

Na madrugada de hoje, em Bissau, não sei se por coincidência ou não do destino, caiu a chuva junina. Para ser mais claro, e talvez mais preciso, e mais do que isso, por questões de ironia do destino, o tempo choveu sereno e sem grandes desassossegos.

Devo confessar que me senti aliviado do stress que tem vindo a assolar a minha singela alma. Stress de salário de merda que me pagam como funcionário público. Além do mais, ter que aguentar a conviver num ambiente laboral com pessoas de exímia incompetência. Aliás, exibem-na de tal forma que acreditam que elas é que estão do lado da Ciência; afinal, elas é que são as pessoas conhecedoras da administração pública.

Pois então que pena! Um grupo de mafiosos, reles incompetentes a usufruir de altos salários sem nível académico que justifique tal privilégio que este Estado quase falhado, outorga prémios ao promover a mediocridade.

Volto à chuva. Em tempos li uma história em que vários animais discutiam – e talvez debatiam – sobre a causa da chuva.

Conta-se que num desses lugares perdidos do mundo, os animais debruçaram-se o que é que origina a chuva. Assim para a galinha, chove só quando a água cai do teto do seu galinheiro.

Mas, o sapo, por sua vez, lançou, de dentro da lagoa, o seu prognóstico, afirmando que chove quando a água da lagoa começa a borbulhar as suas límpidas gotinhas.

Nisso, interveio a lebre com a sua sapiência filosofal de sempre dizendo que chove quando as folhas das árvores deixam cair as gotas d’água que estão no interior delas.

E como choveu ontem, parece-me a mim, para lavar a sujidade que os nossos homens gananciosos, apoiados por cidadãos e cidadãos incautos deste país, provocam danos ao erário público, às nossas vidas, ao nosso futuro e ao futuro da nação guineense, e consequentemente, à nossa economia.

Ora, em tempos de náuseas, a respiração torna-se ofegante. Por isso não quero externar a minha modesta opinião sobre esta desordem nacional a que parece que estamos todos condenados a suportar, ainda que involuntariamente, o cheiro nauseabundo que estamos a sentir.

  1. O horror do 7

Há 20 anos atrás estava em São Paulo, Brasil, a estudos na Faculdade de Comunicação e Filosofia (ComFil) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Era aluno de Letras.

Um dia destes, estava na sala de aula, e a minha Professora de Linguística, olhou para mim com ternura, e sorrindo para mim, disse:

– Estás a sentir bem, Jorge?

– Sim!, respondi lacónico.

– Sim? Mas, tu não sabes que há guerra no teu país? Estão se matando; há já muitos mortos. Parece que um grupo tentou assaltar o poder, e na sequência disso, deflagrou-se a guerra civil – afirmou com segurança.

– No meu país, não – respondi com a obstinada crença de que diferentemente doutros países de África, a Guiné-Bissau estava imune da guerra.

– Jorge, é no teu país. Vá à Internet; lá vais ver imagens e notícias sobre o conflito no teu país – concluiu.

Os colegas de turma e de curso olharam-me com pena; mas neste sentimento apercebi-me também do espírito de solidariedade que brotava dos seus olhares, através de gestos, e palavras de conforto.

Não podia acreditar que tínhamos chegado a este ponto. A àquele ponto, pois o país caminhava, e sentíamos no ar, nos trilhos do desenvolvimento.

Havia um clima bonito, os investimentos estrangeiros começavam a chegar ao país, e a sociedade estava animadíssima. E, de repente, os delinquentes de plantão explodiram as esperanças de um povo, outrora, orgulhoso de sua história. Implodiram a fé que este mesmo povo tinha na sua capacidade de resiliência.

Violência frátria na pátria dos heróis da Independência nacional. Ou será que também eles não tiveram os dedos nisto tudo?

A ganância, as intrigas e as futricas, vilipendiaram a nossa mátria nação. Que, de história menina, transformou-se na mais difícil madrasta nossa. E, assim, vamos levando a vida na soturnidade da complacência de deixar os marginais conduzirem o destino do país.

  1. O 7 que gostaria de ter

Hoje, passados 20 anos, debruço-me sobre o meu computador para escrever este texto.

E, assim, no meu modus essendi de escritor, no meu modus faciendi de Ensaísta e, finalmente, no meu modus operandi de docente e pesquisador, deixo os seguintes versos:

 

AS TESTAS E AS LETRAS

Bom dia se fosse ontem

Porém se não o fosse, que seja para o bem.

Caso contrário, perderei as estribeiras e ficarei sonolento.

À guisa da conclusão, é preciso que evitemos começar a partir da

Estaca

Taca

Zero

O

Ou

Paradigma

Sem

Com

Sintagma

Do

Silêncio

E

Talvez

Da

Ausência.

Caro leitor d’O Democrata, até a próxima, que o cronista precisa dormir para tentar esquecer o desassossego pátrio.

 

 

Por: Jorge Otinta, poeta, ensaísta e crítico literário guineense

Bissau – NTIN -, escrito no sétimo dia do mês de junho do ano de dois mil e dezoito.

 

 

1 thought on “Crônica: A CHUVA DE JUNHO

  1. Para todos os efeitos, o autor esta de parabens por este bonito elemento de meditacao o qual, desde ja solicito sua permissao, dedico a todos que ainda estao a tempo de parar com a malefica obra em que se encontram empenhados, ou seja, corroer e sugar este pais ate ao tutano.

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