Crônica: O CALABOUÇO DA LIBERDADE

A liberdade é como um sonho amarelo. Tem humor sarcástico, porque provoca em nós dores gástricos. É como se ela – a liberdade, a senhora Liberdade – tivesse comido farelo. Farelo amarelo, farelo vermelho, farelo violeta que não seja violenta como esta história insana que nos querem condenar a viver eternamente ao longo de décadas de intrigas e futricas.

Dói demais sentir-se preso à História mentirosa, assassina; uma história menina, porém desvirtuante, porque desvirtuada.

Quando criança inculcaram-me saberes sem sabores de uma pátria fratrida.

O que vi, no entanto, quando cresci foram os afazeres a cumprir para um punhado insignificante de gente, de modo a que fiquem cada vez mais ricos, na reprodução ingénua, ignorante de princípios separatistas, etnia A, etnia B, a melhor, a pior, os restos dos burmejus, os retornados das ilhas cativas, os assimilados serviçais. E os lumpen proletariat?

E os aborígenes?

Trata-se de gente incrustrada na administração pública, e gente infiltrada na administração privada, protegidos por este sistema dúbio para o qual trabalhavam. Gente mofina que este sistema reles protegia, enchendo-lhes a pança. Um sistema cheio de falsários. Ingente de mercenários, cuja palavra de ordem era (e ainda o parece ser): matar. E depois inventar as razões e as motivações. Contanto que seja algo que justifique, a gosto do sistema, e a contragosto, do cidadão comum, e, por extensão, ao povo.

Coitado deste povo. Crê no incrível, porque está dopado do ópio do ódio urdido no famigerado Festival da Liberdade. Proclamado com circunstâncias e pompas por este mundo fora. 

Eram, afinal, gente que tinha combatido o sistema colonial tido, por eles, como violento. O que se viu com o passar dos anos foi que, na verdade, queriam era substituir os colonialistas brancos por colonialistas negros.

Estava assim dada a largada para o inferno. E, dele, para o abismo da desilusão.

A Senhora Liberdade perdeu-se nos escombros da corrupção. E assim vamos tecendo nossas vidas de sobressaltos, epidemias, exposição de ignorâncias, exibidas (e encorajadas) como se fossem valores republicanos mais sacros. 

Os colonialistas negros mais hostis que os colonialistas brancos. Menos preparados, altamente malvados.

Ei-los a perambularem pelas ruas da cidade exibindo carros de luxo, e a levar vida de lordes. Lordes citadinos. Grão finos mofinos.

Na sua confraria quanto mais ignorante você for mais você avança.  

  1. Sonho de criança

Criança, ainda, fingia acreditar de que, como nos diziam, com o hastear matinal da bandeira e a sua consequente descida no vespertino – como me diziam os mais velhos, os mais experimentados nessas andanças pelo país e pelo mundo de que:

Teus sonhos

Teus sonos

Sem eira

Com beira

São-me caros

Embora inseguro

Te asseguro – diziam os mais velhos

Que sem poeira

Terás uma linda noite

Te juro com juros do coração

Garantiram-me a mim e aos demais meninos da minha idade. Afinal, estavam me preparando para este descalabro colossal em que transformou o país.

Ninguém é alguém, e vice e versa. Só não desconfiam que estão andando num terreno movediço.

Ei porque os de sempre em aliança maquiavélica com os da lábia assassina hipotecaram o destino desta nação.

2. O sono dos políticos

Acordam de manhã, em como se estivessem numa praia qualquer do interior do país, e, sorrateiramente, lançam-se ao mar. Nesse mar que está cheio de peixes de promessas vãs.

Parece-me, contudo, que combinam entre si o que farão à noite nos caminhos da fanfarronice desta nossa Cidade de Bissau, desvirtuando as meninas incautas com avultadas somas em dinheiro que subtraem do erário público.

E nas festas da comparsaria nacional a combinação nefasta, fastidiosa, parece ser uma combinação vinda da noite anterior de farras e agarras suculentas. Sente-se o cheiro a ralo do sexo fortuitamente provado no calor do lençol dos apart-hotéis da Cidade.

Parecem eles combinar, assim e assoalho, de irem à Praia da Misericórdia palaciana, receber presentes dos modelos de última gama de V8 e Land Cruiser Prado. Ofertas do novo inquilino da residência mais cobiçada do país.

O inquilino buisnesse O lobista egoístas da guineidade (ou se preferirem guinendadi). 

Mas, o que eles não sabem – e nem tão pouco o saberão por falta de preparo, seja ele intelectual, seja ele moral – é que para se ser um bom homem – no sentido da humanidade – é preciso escrever, cada um, a seu bom modo, o nosso nome na História nacional e História universal.

3. A falta de ousadia

Viver é ousar. Ousar é construir. Construir difere de destruir. Destruir arruína o corpo de uma nação em construção – como a nossa – e a alma de um povo – como o nosso.

Construir é elevar-se espiritualmente à transcendência. Para isso precisamos de ser ousados, não apenas na criação de riquezas subtraídas de vida duvidosa; mas àquelas de trabalho competente.

Gente! O medo escraviza.

Por isso, ousar é libertar-se; e é libertando-se que agente (se) constrói e constrói obras maravilhosas para deixar como legado à geração vindoura.

É libertando-nos do medo que nós nos projetamos em direção ao Reino da Felicidade.

Afinal, para exprimir-me num bom kriol, diria apenas o seguinte:

NA TEMPU DI SURBATI DIMORASIA

KURUPSON KU TA SEDU PRATU DI SIA.

Pois: DUS  +  DUS = MUNTRUS.

Caro leitor de O DEMOCRATA vá em frente; senão, de repente, desisto-me desta merda toda. E tola!

Por: Jorge Otinta, poeta ensaísta e crítico literário guineense

Bissau, 12 de abril de 2019.

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