As relações de cooperação entre a República da Guiné-Bissau e a sua congênere, a República de Cabo-Verde, remontam à independência das duas nações, conquistada em (1973 e 1975) respectivamente. Aliás, as duas nações, de acordo com relatos e registros históricos (que não irei esmiuçar aqui por não ser o objeto de análise do presente artigo) conduziram conjuntamente a luta de libertação que culminou com as suas independências nos anos acima referidos, mas que por alguns motivos (desentendimentos), dois anos mais tarde, após a proclamação unilateral da independência pela Guiné-Bissau (1973) a República caboverdiana decide separar-se e auto-proclamar-se como nação independente e soberana. E assim seguir seu caminho e suas metas.
A referida luta teve como principal articulador e ou idealizador o conclamado líder e considerado “pai” da independência das duas nações, o engenheiro agrônomo Amílcar Lopes Cabral, filho de pais caboverdianos nascido no leste da Guiné-Bissau, mais concretamente na cidade de Bafatá. A figura de Cabral foi e ainda é muito crucial no estreitamente dos laços de irmandade entre os dois povos. Esse fato, dita de outra maneira, é responsável pelo sentimento de irmandade e de ligação direta entre os dois povos. É uma longa história e que já mereceu abordagens e destaques em muitos trabalhos acadêmicos e não só, razão pela qual vamos optar por não entrar em muito mais detalhes.
Ora, visto isso, vale assegurar que os dois países são reconhecidamente países do sul-global, países em desenvolvimento ou em vias de desenvolvimento; os quais zelam pela solidariedade, amizade entre povos, não indiferença, troca de boas práticas, direitos humanos entre outros valores. Esses valores foram fortemente pregados nos inícios dos anos 1950 com o advento da conferência de Bandung na Indonésia, a qual cimentou e sacramentou a luta desses países contra o sistema imperial ocidental, entre os quais se destacam a luta pela valorização da pessoa humana e pelo bem-estar.
O que tem acontecido em Cabo-Verde com os cidadãos provenientes da Guiné-Bissau, sobretudo, vai na contramão desses pressupostos e desses valores. As práticas que eram rechaçados e (ainda são na teoria), continuam vivas, sendo reproduzidas por homens pretos, africanos. É muito preocupante! Vários cidadãos guineenses que realizam suas viagens passando por esse país irmão já passaram por constrangimentos típicos de intolerância e xenofobia. Eu mesmo passei, no ano passado, a quando da minha ida ao país, por motivos de pesquisa.
Não se tem feito nada a nível diplomático, que se traduza em feitos concretos, para resolver tal situação. Não sei por quais motivos, mas não tem faltado denúncias. Nossa diplomacia é “fraca”, isso é inegável, mas também tem a ver com a postura das autoridades políticas da Guiné-Bissau. Por exemplo, o país não possui nenhum tipo de aeronave própria em pleno século XXI, o que é demasiado vexatório e lamentável. Mas isso não é problema dos caboverdianos, é problema nosso e que deve ser resolvido por nós e o mais breve possível.
A República de Cabo-Verde, na verdade, pelo que tem demostrado até aqui, tem voltado com mais afinco e prioridade as suas relações de cooperação com os países ocidentais e desenvolvido, o que faz com que, algumas pessoas, não todas, claro, tratem com desdém os demais cidadãos, sobretudo aqueles provenientes do próprio continente no qual se localiza geograficamente. Algo que como africano me preocupa. Mas também é compreensível pela conjuntura atual e pelo redesenho do sistema internacional perante o nível da globalização que o mundo alcançou com o advento dos avanços tecnológicos e cibernéticos. O que, claro, não dá a nenhum caboverdiano (seja cidadão comum ou autoridade), vale salientar, o direito de maltratar ninguém e ainda mais um cidadão legal e com tudo dentro da lei e da legislação do país e de tratados internacionais que regem o direito internacional.
O que aconteceu com o nosso amigo Jorge Fernandes e com muitos outros compatriotas e eu me incluo é, para mim, e acredito que para muitos, uma flagrante violação dos direitos humanos e de livre circulação de pessoas e bens cristalizados nos tratados da CEDEAO, organização da qual fazemos partes. Como povos africanos, partes do sul-geopolítico, na minha opinião, devemos preservar alguns valores que motivaram a nossa luta contra o sistema e contra o sistema e contra o imperialismo burguês ocidental. Contra massacre e extermínio dos quais fomos alvos ao longo de 500 anos de dominação e de injúria. Reproduzir a intolerância e o ódio não nos leva a lugar nenhumagora e só tem um sentido, e dos piores: nos dividir e nos trazer cultura de ódio e de descriminação. Nada mais. Guiné-Bissau e Cabo-Verde… ainda podemos ter uma relação melhor. Podemos e devemos trabalhar para isso. É urgente e necessário para o bem de todos nós!
Por: Deuinalom Fernando Cambanco
Mestre em Relações Internacionais
Salvador, Bahia, Brasil. 04/10/2019