Situação do clima : MONOCULTURA DE CAJÚ PROVOCA DANOS INESTIMÁVEIS NA RESERVA FLORESTAL

A monocultura de cajú pulverizou todo o sistema de conservação florestal existente na Guiné-Bissau, com a invasão das florestas pelas populações, por  alegadamente terem sido propriedades ancestrais de familiares , uma  atitude que tem sido motivo de conflitos comunitários.

Essa realidade também tem motivado a introdução de um novo modelo de produção e de novo produto em todo o país, o que vem danos inestimáveis na reserva florestal.

“Famílias violam perímetros agrícolas alheios e a disputa sobre a posse de campos aráveis entre comunidades rurais continua a criar uma escalada de tensões e de conflitos”, relata um ativista comunitário.

Para os ativistas sociais, a fragilidade do sistema judiciário guineense não tem ajudado, de certa forma, na resolução de conflitos sobre a posse de terras agrícolas.

“Nos tribunais existem montes de processos relacionados com conflitos sociais e comunitários, mas que continuam engavetados” indicou o presidente da Associação dos Descendentes e Amigos da Comunidade de Arame, Alberto Nango, para de seguida sublinhar que estruturas governamentais locais revelam fraquezas derivadas de certa cumplicidade em negócios ilícitos de terras, “isto tem instigado muitos conflitos nas nossas zonas rurais”, lamentou à reportagem do Jornal O Democrata.

A perda acentuada de terras associada à irregularidade das chuvas, afeta também a segurança alimentar das famílias nas comunidades de Djobel, Elia, Arame, Bulol, Essor e Elalab. A fome é um outro fator que continua a animar conflitos nessas bandas da secção de Suzana.

ESPECIALISTAS AFIRMAM QUE SETENTA POR CENTO DA POPULAÇÃO GUINEENSE VIVE NAS ZONAS RURAIS

A Guiné-Bissau é um país com aproximadamente 2 milhões de habitantes e mais de metade, cerca de 70%, vive nas áreas rurais.

Situada na Costa Ocidental de África, limitada a norte pela República do Senegal, a leste e sul pela República da Guiné-Conacri e a Oeste pelo Oceano Atlântico, a Guiné-Bissau tem uma superfície de 36. 125 Km², dos quais 27. 700 Km² constituem a superfície emersa. Cerca de 4.000 km² são inundados sazonal ou  permanentemente pelas águas das chuvas ou dos rios que cortam a terra da Guiné.

A Guiné-Bissau é formada por uma parte continental e outra insular que abrange o arquipélago dos Bijagós, constituído por 88 ilhas, ilhéus e ilhotas, situadas ao largo da costa atlântica norte. 

Com a grande disponibilidade de águas superficiais, a topografia favorece a existência de duas zonas de alta potencialidade agrícola, as regiões influenciadas pelas marés e as faixas circundantes às grandes bacias dos Rios Geba e Corubal.

Conta com cerca de 26% do território, consideradas áreas protegidas, 8 parques naturais, 3 áreas marinhas, entre corredores ecológicos de fauna e 4 sítios classificados de importância internacional (convenção de Ramsar).

IBAP REVELA DEVASTAÇÃO DE MAIS DE 15 HECTARES DE FLORESTA NO PARQUE DE CUFADA

O Instituto da Biodiversidade e das Áreas Protegidas (IBAP), criado pelo governo em 2005, é uma instituição especializada na temática de conservação e gestão da biodiversidade.

Ao contrário de muitos países, na Guiné-Bissau a gestão das áreas protegidas tem sido participativa, com habitantes locais desempenhando um papel importante no processo de conservação.

Dados estatísticos indicam que, atualmente, o grande desafio consiste na manutenção do nível de conservação que o país conseguiu alcançar com engajamento cívico e ações comunitárias desenvolvidas por vários atores individuais, ONG´s (Organizações Não Governamentais) e estruturas concernentes do governo.

A notável vulnerabilidade das comunidades rurais, que para sua sobrevivência dependem totalmente dos recursos da biodiversidade, fez com que, há alguns anos, se tenha começado a registar perdas drásticas da biodiversidade. Um fator climático, mas associado às pressões antrópicas, à desmatação descontrolada das florestas comunitárias em detrimento de práticas da agricultura itinerante e à introdução da monocultura de cajú.

Foi então que se estrearam ciclos incessantes de conflitos intercomunitários e familiares sobre a posse de terras produtivas num país que, segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), é um dos maiores consumidores do arroz na Costa Ocidental da África.

Com a escassez de campos para cultivo desse cereal devido à “subida exponencial” do nível do mar que inunda grandes áreas de produção, no caso as bolanhas (várzeas), começaram a surgir denúncias recorrentes a dar conta de incursões contra as áreas protegidas.

O Diretor-geral do Instituto da Biodiversidade e das Áreas Protegidas, Justino Biai, revelou recentemente que foram devastadas mais de 15 hectares de florestas no interior do Parque Nacional da Lagoa de Cufada, na província Sul do país. Classificou este tipo de comportamento como “perigoso”, pois põe em causa a sustentabilidade de toda a biodiversidade.

O agro-economista alerta sobre a consequência da introdução da monocultura de cajú que ultimamente está a ser verificada quase em todas as regiões, por causa da degradação e empobrecimento de terras agrícolas nas zonas costeiras.

EXPLORAÇÃO DE MADEIRAS E A CAÇA COMERCIAL SÃO FONTE DE CONFLITOS ENTRE HABITANTES E GUARDAS DO PARQUE

As práticas de exploração de madeiras, a caça comercial, as queimadas no interior das áreas protegidas têm sido objeto de conflitos entre os habitantes rurais e os guardas do parque.

Qualificada por um grupo de peritos como o país de sedimentação recente, a Guiné-Bissau foi considerada também pela Climate Change and Environmental Risk Atlas, como um dos países mais vulneráveis aos efeitos das alterações climáticas no mundo todo. De facto, nos últimos anos, os impactos negativos das alterações climáticas são aparentes e experimentadas nas comunidades rurais.

A subida do nível do mar que se tem registado no litoral Norte do país tornou-se mais uma agravante e é complicado o desafio diário pela subsistência humana. A situação tem provocado também o êxodo rural que não pára de crescer.

Num vídeo-documentário realizado pela DIVERGENTE, em 2019, o Zé, um morador indígena vítima dos impactos climáticos, relatou a forma como um homem travou uma luta contra um fenómeno que ocorreu nas embocaduras da margem Norte do Rio Cacheu (https://divergente.pt/o-ze-quer-saber-porque/).

Um estudo realizado sobre o país alerta que se se considerar a situação geográfica do país: costeiro e de sedimentação recente, a Guiné-Bissau dificilmente conseguirá salvar-se de situações de elevação do nível do mar. A sua vulnerabilidade deve chamar atenção às políticas públicas na perspectiva de poder dar resposta a curto prazo, mas também a longo prazo, fazendo face a este fenómeno natural. Pois, o aquecimento global está a causar o aumento do nível do mar de “forma espantosa” nas áreas costeiras da vila de Varela e na faixa litoral de Djobel, Bulol, Elalab e Essor (Norte).

Este avanço rápido das águas do mar acelera a erosão costeira na Secção de Suzana e o mesmo fenómeno é constatado em algumas ilhas do arquipélago dos Bijagós (Sul).

Para enfrentar esta e outras situações relacionadas, o antigo Coordenador Nacional da Rede das Escolas de Verificação Ambiental, Issa Indjai, apela à mobilização de esforços, envolvendo estruturas concernentes (Ministérios da Administração Territorial e do Ambiente e Biodiversidade), para dar uma resposta ajustada e consistente e assim mitigar os efeitos do fenómeno climático nas regiões agrícolas afetadas.

“EVENTOS CLIMÁTICOS AMEAÇAM A SOBREVIVÊNCIA DA POPULAÇÃO RURAL E O SEU HABITAT” – ISSA INDJAI

O antigo Coordenador Nacional da Rede das Escolas de Verificação Ambiental alertou, neste particular, que os eventos climáticos ameaçam não só a sobrevivência das populações rurais, como também o seu próprio habitat e a economia nacional.

“Os eventos climáticos ameaçam não só a sobrevivência das populações rurais, mas também o seu habitat, a biodiversidade e a própria economia nacional”, escreve o ativista ambiental.

O conflito sobre a posse de “bolanhas” (áreas de cultivo de arroz) generalizou-se em todas as comunidades rurais da Guiné-Bissau, embora o país disponha do instrumento legal para gestão de território. A lei da terra, formalizada desde 2019, determina que o Estado é o único detentor das terras, mas nas últimas décadas, a posse de terra e de bolanhas tem sido o principal motivo de conflitos entre produtores e, às vezes, entre estes e pastores que, devido à ameaça da seca, sobretudo no leste da Guiné-Bissau, grande quantidade de gado é deslocado à procura de pastagens no norte do país.

“Há cerca de 20 anos não havia problemas relacionados com a posse de terra. Naquela era, os habitantes comunitários cediam amigavelmente os espaços (terra) para cultivo de arroz ou para fins de construção de moradias ou quintas. Mas hoje em dia, a realidade é bem diferente por razões relacionadas com a carência de terras agrícolas e tal situação é originada, em parte, pelas alterações climáticas”, sublinhou.

CACHEU ENFRENTA ONDA DE CONFLITOS ABERTOS NOS CORREDORES DE SUZANA

Na região de Cacheu, concretamente nas comunidades de Djobel, Elia, Arame, Kassu, Bunhac e Culadje, tem-se registado e continua a registar-se conflitos abertos, entre comunidades vizinhas que chegam mesmo a provocar perdas de vidas humanas.

São comunidades de povos que vivem tradicionalmente da rizicultura (cultura de arroz), mas particularmente do arroz das bolanhas de água doce. O povo baiote ou felupe possui uma técnica tradicional de construção de diques de cintura, fora isso, é um povo com conhecimento muito profundo de auto-regulação de águas das bolanhas.

Trata-se de uma técnica herdada dos seus ancestrais, que lhes permite praticar a rizicultura no intermédio de tarrafes (mangrove).

Nos últimos anos, com a subida do nível do mar, as bolanhas onde produziam arroz em grande quantidade ficaram inundadas, tornando impossível a produção do cereal nas áreas ( terras) baixas.

Segundo as pesquisas, o povo felupe, antigamente não consumia o arroz de loja ou importado, porque tinha produção própria, que servia para consumo local. Com o fenómeno climático, as áreas produtivas reduziram significativamente e, paralelamente, a prática de rizicultura ficou afetada. 

Os felupes são conservadores, um povo muito ligado à natureza e que valoriza e preserva a floresta, pois a floresta representa um simbolismo importante no seu seio. Todas as suas cerimónias e rituais estão diretamente ligadas às matas sagradas. Por exemplo, nas comunidades rurais da região de Cacheu onde os habitantes são maioritariamente da etnia felupe, a planta de palmeira tem um valor económico e social muito importante. O povo felupe aproveita todas as suas componentes: vinho para as cerimónias tradicionais e religiosas, materiais de construção de casas, óleo alimentar, portanto “é uma planta valorizada e conservada”, notou.

Hoje, nos tempos que correm, os impactos climáticos vão alterando tudo na vida do povo dessa região rural, provocando uma fuga para as áreas florestais. As florestas anteriormente protegidas estão a ser desbravadas agora para campos de cultivo, já que as “bolanhas” não são úteis para cultivar arroz.

POPULAÇÃO DE DJOBEL ABRIGA-SE EM PALHOTAS DE ARQUITETURA  FELUPE

A perda acentuada de terras associada à irregularidade das chuvas, afeta também a Segurança Alimentar das famílias nas comunidades de Djobel, Elia, Arame, Bulol, Essor e Elalab. A fome é outro fator adicional que continua a animar os conflitos nessas bandas da secção de Suzana.

Djobel é uma pequena localidade habitada por cerca de 700 pessoas cuja maioria é mulheres e crianças, devido ao êxodo rural. A população abriga-se em palhotas de arquitetura típica tradicional da etnia felupe.

Nos últimos 10 anos, os habitantes dessa pequena aldeia têm enfrentado a subida do nível do mar que tem provocado inundações e os populares são obrigados a abandonar as suas habitações.

Foram várias as iniciativas de conversação lideradas pelos representantes das comunidades vizinhas, envolvendo organizações da Sociedade Civil que trabalham no domínio da resolução de conflitos e autoridades do Estado, visando negociar para convencer os ocupantes tradicionais a cederem um novo espaço para acolhimento e reassentamento dos habitantes da comunidade de Djobel vítimas das inundações.

O processo não tem sido fácil. Volvidos mais de seis anos, até agora a situação prevalece sem solução. Cresce o nível de desconfiança entre as comunidades que formam alianças em disputas sobre   posse de terra, transformada agora num verdadeiro conflito.

Dados recolhidos no terreno indicam que, na sequência dos conflitos recorrentes sobre posse de terras, desde 2015, cinco (5) pessoas já foram mortas em confrontos violentos entre as comunidades de Arame e Elia e este último, por sinal, estabeleceu aliança com a comunidade de Djobel, enquanto Arame conta com o apoio da comunidade de Kassu, como seu aliado.

Os confrontos violentos emergiram quando os habitantes da comunidade de Djobel se juntaram aos seus aliados de Elia para a realização de limpeza conjunta no espaço delimitado pelas autoridades que serviria de nova aldeia para moradores de Djobel. Esta atividade acabou em ataques, porque as comunidades não se entenderam sobre o limite territorial estabelecido pelas autoridades.

A 05 de maio de 2020, Janpier Manga, de 47 anos, membro da comunidade de Elia, foi ferido com dois tiros de arma automática (AK 47) e por sorte escapou da morte. Após recuperar dos ferimentos no hospital setorial de São Domingos, a vítima acusou diretamente, na emissora local, Rádio Comunitária Kasumai, o chefe da comunidade de Bussali (aldeia vizinha aliada de Arame) de cumplicidade e autor dos dois disparos contra a sua integridade física.

Situações como esta são mais frequentes em épocas de cultivo e de colheitas. Por exemplo, em dezembro de 2020, em Nhoma, localidade situada a cerca de 25 quilómetros da capital Bissau, quatro (4) pessoas foram mortas na sequência de confrontos pela posse de “bolanhas” (várzeas). Os camponeses das comunidades vizinhas de Sumo e Yugum envolveram-se em confrontos violentos, motivando a intervenção policial e posterior detenção de muitos camponeses pelas forças de segurança.

Quintino, irmão mais novo de uma das vítimas mortais, lamentou o facto de pessoas terem sido mortas em pancadaria sangrenta por causa de bolanhas ou campos agrícolas, porque “as povoações de Sumo e Yugum para além de serem aldeias vizinhas partilham laços sanguíneos”.

“São apenas notas relacionadas que não podem saltar à vista, contudo, em Djobel a situação é das piores que existe”, disse.

 “É triste abandonar os nossos costumes e rituais, mas na verdade a vida já é impossível aqui”, lamenta em tom apreensivo, uma anciã da comunidade inundada.

Nessa faixa litoral, a produção do arroz reduziu-se quase a zero por causa da insuficiência das chuvas, associada à perda de terras agrícolas, devido à subida do nível do mar que salinizou as bolanhas.

Mas, por incrível que possa parecer, no meio de tudo isto, na comunidade inundada (Djobel), poucos sabem explicar o fenómeno, porque os impactos das alterações climáticas estão relacionados ao mito.

Os anciões da comunidade afirmam que existe uma serpente grande no oceano que obriga a subida da água do mar, invadindo as margens e inundando as suas bolanhas. Para outros é castigo divino contra o povo Baiote ou Felupe.

São detalhes que provam que, apesar de serem vítimas dos impactos das alterações climáticas, a crença civilizacional ou o mito leva a que toda a comunidade tenha um entendimento paradoxal daquilo que é a realidade climática.

Da costa Norte, em Sucudjac à Cabo-Roxo (limite fronteiriço com Casamança), até ao litoral Sul no arquipélago dos Bijagós, a erosão costeira segue a um ritmo devastador causando a perda drástica de terras influenciando a Segurança Alimentar dos habitantes rurais que já se encontram em situações de extrema-pobreza.

A Guiné-Bissau assinou e ratificou os principais acordos no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (CQNUMC). Em 1995 ratificou a CQNUMC; em 2005 ratificou o Protocolo de Quioto em 2011 e, em 2016, assinou o Acordo de Paris.

Desde 2006, o país possui um Plano Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas (NAPA), a curto prazo, no qual elencou o setor da agricultura e gestão da água como setores prioritários para lutar contra as alterações do clima. Contudo, as cíclicas instabilidades políticas experimentadas no país não têm permitido a implementação efetiva das estratégias resilientes aos impatos das alterações climáticas na Guiné-Bissau.  

Por: Djibril Iero Mandjam

Fotos: D.M

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