Opinião: DOIS ANOS DE UMARO SISSOCO EMBALÓ E O FALHANÇO NA OPOSIÃO AO ABSOLUTISMO

Quando Umaro Sissoco Embaló assumia o poder há dois anos, só os seus aliados e aqueles que de tudo fizeram para a sua eleição poderiam ter dúvida de que estávamos no início de um regime autoritário em que as maiores vítimas seriam as liberdades democráticas consagradas na Constituição da República e todos os direitos de livre expressão e de opinião. Mesmo os que se esquivaram na capa de neutralidade tinham consciência do perigo que seria ter um indivíduo que, enquanto Primeiro-ministro em 2017, disse à imprensa ter mandado vir de Israel toneladas de gás lacrimogênio contra cidadãos no livre exercício dos seus direitos de manifestação e de reunião e que nunca admitiria, se um dia fosse Presidente da República, que houvesse uma manifestação em sua contestação, e citamos: “porque todas as manifestações que possam haver devem ser contra o governo e não PR”, dando largas ao seu modo atrapalhado de ver as coisas.

Já há dois anos que se autoproclamou Presidente da República, desrespeitando o poder judicial constitucionalmente independente na configuração de separação de poderes do nosso modelo democrático, porque na altura o Supremo Tribunal de Justiça se emaranhou na resolução de um contencioso eleitoral que acabaria por declará-lo vencedor das eleições presidenciais de 2020. Dessa posse no Hotel Azalai – que o próprio Umaro Sissoco Embaló apelidou de “simbólica” – para cá, a Guiné-Bissau vive um autêntico absolutismo de quem não teve dificuldades de se autointitular de “Único Chefe” e na prática realizar o significado desse título: preside mais Conselhos de Ministros do que o próprio suposto Primeiro-ministro, Nuno Nabiam; muda a orgânica e faz remodelações do governo como e quando quiser – aliás, avisou aos partidos que suportam o seu governo na ANP de que só fazem parte de um governo porque ele assim o quer, dado que não tinham sido, nenhum deles, vencedores das últimas eleições legislativas de 2019; agride a imprensa e jornalistas de forma gratuita (para ele toda a imprensa que não lhe obedeça de joelhos é feita de “bocas de aluguer”); e faz declarações normalizadoras de raptos, espancamentos e prisões arbitrárias que ocorreram ao longo do tempo em que esteve na testa do regime no poder.

Umaro Sissoco Embaló é o verdadeiro dono e senhor da Guiné-Bissau hoje em dia. Mas é bom reconhecermos que só o é porque há uma sociedade civil com organizações perdidas com os seus propósitos, para não ir além (desde organizações juvenis, movimentos cívicos, até o chamado Movimento Nacional da Sociedade Civil), uma classe jornalística representada por um sindicato que até aqui se limita ao apelo ao bom senso de quem o aterroriza, quando sabe que este ataca os seus associados de forma premeditada, e uma oposição política dividida e liderada por PAIGC, o principal alvo político a destruir pelo regime.

Como contrariar este quadro de “mando, ordeno e não me importo que concordem porque a minha vontade se realiza na mesma”? Muitas respostas podem ser dadas a esta única pergunta. Eu tento aqui a minha: as organizações da sociedade civil, entidades juvenis incluídas; sociedade em geral e partidos políticos que não fazem parte do regime devem compreender que são cúmplices todos aqueles que não assumem oposição a este estado de totalitarismo e instalação de terror contra quem não se conforma com o regime e cúmplices de todo um conjunto de ataques à democracia, ao presente e futuro de um país com administração pública bloqueada e sector social (sobretudo educação e saúde) há dois anos paralisada. É um dever de quem acredita na democracia defendê-la de intenções absolutistas de quem quer que seja, ou a indiferença se torna cumplicidade com tentativas de eliminação das liberdades democráticas.

No entanto, se olharmos para o discurso do interior do PAIGC, principal alvo político do regime, como dissemos acima, pode parecer-nos o coitadinho que é só vítima da situação em que vivemos. Mas não! É uma questão que podemos aprofundar noutra oportunidade. Para já, o PAIGC deve lembrar que chegamos a este ponto de barbaridade porque as suas estruturas, há tantos anos viciadas, reproduzem um PR como JOMAV, que só ele sabe onde e como foi buscar um guineense chamado de Umaro Sissoco Embaló para ser PM e ter caminho aberto para hoje ser PR. Lembrar que, se hoje não consegue combater o regime a partir da ANP, é porque os mesmos vícios enfermes nas suas estruturas reproduziram cinco deputados eleitos pelo povo nas suas listas, mas hoje são os mesmos que garantem a maioria parlamentar ao governo em exercício. O PAIGC deve abandonar o crónico desejo de impor o paigcismo aos seus aliados para causas que deviam ser superiores às bolhas partidárias e de culto de personalidade que têm caracterizado a sua actuação no espaço político. Se não mudar a sua abordagem sobre o próprio conceito da democracia e sua aplicação nos seus discursos e párticas políticas; se continuar a pensar que tem um lugar cativo na mente do povo (o que a nossa curta história de eleições o desmentiu em pelo menos duas ocasiões); e se continuar a dar-se de vítima-coitadinho-inocente a ser guerreado por todos, sem olhar para dentro das suas estruturas de forma crítica e realista, o PAIGC não só dificulta uma oposição concertada ao regime totalitário de que, repito – não é inocente da sua origem – bem como estará a agravar a sua situação de um partido cada vez mais distante de ser solução ao estado de coma em que o país se encontra, resultado de uma longa de história de desgovernação em que sempre de que o PAIGC nunca foi uma simples vítima, mas um dos principais responsáveis.

Por: Sumaila Jaló, professor e ativista        

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