Crónica do Centenário: LIBERDADE E DIGNIDADE 

A essência da luta pela independência dos povos da Guiné e Cabo Verde estava assente em duas palavras: liberdade e dignidade. Expulsar o invasor, para além de ser uma urgência na altura, constituía um desiderato indispensável para o regresso à história dos povos africanos. 

A campanha de ocupação europeia em África seguida da escravatura foi o maior crime da história da humanidade. Agrediu e estancou a evolução cultural, económica e tecnológica do continente negro. Na Guiné, a presença colonial era sinônima de obscurantismo e retrocesso da população. A relação dos ocupantes com os donos da terra era uma relação de dominação e exploração.

As chicoteadas, o imposto de palhota,  o muro de separação entre os poucos homens brancos ocupantes e nativos do território era um autêntico apartheid. A relação de produção(as forças produtivas e os meios de produção) era assegurada pelos nativos com uso sistemático da violência assente na ideologia e na superioridade raciais. 

O nativo não tinha a liberdade de iniciativa e de ação dentro da sua própria terra. Foram 500 anos de “lebsimenti” e di chicote. A luta pela independência protagonizada por Cabral era um meio para quebrar radicalmente essa relação de servidão e exploração a favor dos Portugueses. E para isso, era indispensável eleger o acesso à educação como instrumento de promoção e efetivação da consciência revolucionaria e da dignidade do Homem africano.

Só a partir desse momento se poderia criar condições para o exercício da liberdade plena do povo africano da Guiné e Cabo Verde. A consciência revolucionária deveria se consolidar mediante um processo que Cabral apelidou de re-africanização dos espíritos, ou seja a recuperação da autodeterminação.

O educador de renome mundial Paulo Freire, numa apresentação em 1985 sobre as suas experiências na libertação da Guiné-Bissau  conclui que Cabral, juntamente com Che Guevara, representam “duas das maiores expressões do século XX”. Freire descreve Cabral como “um marxista muito bom, que fez uma leitura africana de Marx”. 

Cabral alertava sobre os comportamentos oportunistas motivados pelos interesses pessoais de gente que se sentiria vestida de poder de assumir os privilégios dos antigos colonialistas. Para Cabral, esse grupo devia ser combatido sem tréguas por constituir uma ameaça aos ideais da luta do povo.

“Opor-se entre os jovens, principalmente os maiores de 20 anos, a mania de deixar o país para estudar em outro lugar, a ambição cega de se formar, o complexo de inferioridade e a ideia equivocada que leva a crer que quem estuda ou faz os cursos se tornarão, assim, privilegiados em nosso país amanhã.”, avisava.

Bissau, 5 de setembro de 2024

Por: Armando Lona

Author: O DEMOCRATA

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