Crônica: O prumo e O rumo

Por: Jorge Otinta

Principio este texto através do seguinte verso dum Hai-Kai meu (composição poética chinesa) recentemente concebido nestas minhas andanças por ruas e ruelas da Cidade de Bissau. Ei-los para a degustação do leitor d’O Democrata:

O rumor do rumo

No remorso rumoroso, clamoroso do vulgo, airoso, e ansioso

Provocou, assim na pátria, mátria e frátria, tão sarcasticamente, o tumor do prumo.

Conheci em tempos dois amigos. Eles discutiam sobre os mais diversos assuntos. Mas, por incrível que pareça, nenhum deles tinha razão. Pois cada um, à sua maneira, achava-se ser o dono da verdade. Um terceiro que, como de praxe, era chamado diversas vezes a serenar os ânimos também acabou por se contagiar por estas discussões intermináveis em que todos ganhavam, e ninguém perdia.

Trago esta breve história, no sentido de ilustrar os procedimentos incautos entre os homens que ocupam os órgãos de soberania. Para isso, tomo por exemplo um aparelho muito usado no ramo da construção civil: o tripé.

Tripé que é, na verdade, um aparelho de três pés ou escoras, utilizado para servir de apoio a diferentes tipos de objetos na área de engenharia civil. Com ele farei a analogia entre os três poderes da República.

A palavra (tripé), afinal, como muitas outras em nossa “língua portuguesa, inculta e bela, a última flor do lácio”, segundo o poeta brasileiro, Olavo Bilac, homónimo do meu filho Olavo Luan, vem do grego tripous, que significa “três pés”.

Ora, se a ANP faz leis e as fiscaliza, através dos atos administrativos do Governo. E este, por sua vez, executa os programas propostos pelo partido vencedor de eleições, deve entretanto, com este mesmo programa aprovado no Parlamento, proporcionar progressos em todos os setores de atividade económica do nosso país. Aliás, como em qualquer outro país do mundo.

Todavia, a não exequibilidade de uma ou outra lei, de um ou outro ato administrativo, acarreta a responsabilização jurídica na instituição que violou a lei. Aí é que entram os tribunais para exigir o cumprimento das normas estabelecidas tanto pelos entes públicos, quanto pelas instituições públicas e privadas. E não apenas dirimir conflitos entre cidadãos.

Para dizer apenas que não havendo “entendimento” entre os órgãos da soberania é porque os seus ocupantes não estão a cumprir com aquilo que está estabelecido na Lei Fundamental. Se desconhecem a lei, é porque estão no lugar errado, desmerecendo o cargo que ocupam.

Qualquer cidadão que se preze a este nome deve ter conhecimento mínimo das leis de sua República. Se não as conhece não deve pleitear a cargos que, a priori, devem ser ocupadas por pessoas com conhecimento de facto e de jure das leis de seu país.

Assim, o posicionamento dos três pés, isto é, dos três órgãos, em dissintonia com o centro vertical do poder – a Presidência da República -, leva-nos a um destino sem rumo. Assim sendo, a amizade entre o rumo e o prumo, só faz sentido se o elemento garante da Lei Fundamental – o vértice do poder exercer sua função arbitral, como reza a Liturgia do cardo –, por forma a permitir a que este alavanque melhor o tripé, reforçando a sua capacidade de resistência a forças laterais. E por que não colaterais?

  1. A nossa história menina

“Sol suor verde e o mar” rezam os versos cândidos do nosso hino nacional. Trata-se de uma elegia à terra e à mulher, ao sol e ao homem, ao mar e à natureza.

Trata-se, ainda, de história de amor patriótico que nos uniu a esta terra, onde se travou um das mais sangrentas batalhas do século XX para nos dar a dignidade e cidadania.

É, sobretudo, um hino à saudade dos que tombaram pelo caminho, um ato de louvor ao heroísmo dos que, em momentos difíceis, levanta(ra)m-se para dar rumos decisivos ao país e à nação.

De frisar, outrossim, que devemos preservar os feitos de memória feito sangue. Este país, como o sabemos, nasceu sob o signo do fogo do napalm. E é bom que as guerras fratricidas não nos impeçam de conjugar o futuro com o passado, construídas na engenharia do presente. Por isso, não deve, em hipótese nenhuma, continuar sob fogo cruzado de interesses mesquinhos.

  1. O clima de crise

Os portugueses desde que cá chegaram nunca tiveram sossego. O reino de NTin nunca os deixou sossegados.

Pode-se, com isso, deduzir que nós temos a nossa capacidade secular para vencer lutas. Foram tantas lutas travadas que os anais da História, através de uma frase lapidar do Marquês de Lavradio que afirmou: “se as pedras da fortaleza de Bissau pudessem falar relatar-nos-iam as lutas, os assaltos que tiveram de sofrer ‘os portugueses’”.

Se assim é – que somos um povo valente – porque não aproveitarmos esta capacidade de guerreiros aguerridos para, através de sinergia de ações minorar o sofrimento de nossos conterrâneos?

De dizer, portanto, que esta crise inventada, por que inexistente; apenas neurose de política em que o adversário é o inimigo a abater – o que só gera descrédito para a nossa jovem democracia. As crises? Se existem, que as transportemos para o comboio do passado.

  1. Novas mensurações

Analisando tudo ao nosso redor – e se possível a sangue frio -, pode-se deduzir a inércia besta com que se tem conduzido nossas vidas para a situação de paupérrima lástima. E, assim, assistimos atónitos e incrédulos, o esvair da nossa utopia sem que para isso possamos esboçar qualquer reação por mínima que fosse.

É o tal provérbio: “tartaruga misti badja ma rabada ka ten”. Ficamos assim “no misti badja” ou devemos arranjar um novo modus operandi que nos permita ter um novo modus essendi para que, efetivamente, possamos “ter a bendita rabada” para dançarmos ngumbé de alto e bom som? Parece-me que é isto que nos permitirá ter bom tom.

Ora bem, se não somos capazes de dar nosso contributo sério para o desenvolvimento sustentável e durável do país, é porque alguma coisa falhou na nossa formação académica. Duvido que um grande aluno seja um medíocre quadro na administração pública, só sendo ele/a um/a medíocre aluno.

Não posso de igual modo descurar do fato de que além de uma sólida formação académica que deve ter um homem público, é preciso (e isto é extremamente relevante) um boa educação moral. É esta que norteia todas as ações que ele/a empreenderá no futuro em qualquer instituição em que esteja a exercer a sua atividade laboral.

Política sem ética é responsabilidade sem escrúpulos.

Antes de ir para a parte final deste “escrito maldito” gostaria de relembrar ao meu caro leitor o trabalho a que se deu nossos ouvidos a escutar interpretações desavindas da Constituição da República como se estivéssemos numa claque de futebol.

  1. À guisa da conclusão

Dizem que (aliás, testado cientificamente no seu conceito) o prumo é um instrumento para detectar ou conferir a vertical do lugar e elevar o ponto.

Se assim é, concluímos então que, político que não tem prumo, ou seja norte, perde o rumo. Ou seja, não chegará a lugar nenhum.

Prumo com rumo se rima para que o prisma o desenvolvimento se afine. Quando não… ruma-se para o abismo.

E esta politiquice nacional está uma esquisitice mental.

Diz-se, por outro lado, que o prumo pode ser adaptado a um prisma ortogonal ou um tripé. Daí que sua utilização é obrigatória na construção civil. Metaforizando: havendo prumo a engenharia política consegue combinar esforços no sentido de proporcionar que as partes envolvidas em imbróglios – por sinal injustificáveis -, possam em traços e compassos de engenharia política passe por ângulos retos do diálogo transcendental.

A transcendência de que falo não está muito distante do conceito filosófico do termo, mas tão humanamente próximo a ele que transborda no conceito de Excelência.

Hoje em dia, as decisões políticas estão se tornando cada vez mais comuns a todas as cidadães e a todos os cidadãos, pelo que o pensamento bem organizado de um líder deve pautar pela precisão e rapidez de modo que novos rumos projetem linhas verticais e horizontais na política nacional, mudando de paradigma do pensar e do fazer as coisas.

Fecho o texto, fazendo minhas as palavras de Fernando Pessoa/Vicente Guedes: “Criemos a força calma. Temo-nos mostrado capazes de a ter em muita coisa. Mostremos que a sabemos ter em todas as coisas”.

 

 

Por: Jorge Otinta, ensaísta, escritor e crítico literário guineense.

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