BOLAMA – CIDADE ‘FANTASMA’ LEVA DOZE ANOS SEM ENERGIA ELÉTRICA PÚBLICA   

[REPORTAGEM] Os citadinos da cidade de Bolama levam já doze (12) anos sem energia elétrica pública. De momento contam apenas, durante o período da noite, com a iluminação solar dos postes colocados nas ruas daquela cidade. Bolama, antiga capital da Guiné, vive como cidade ‘fantasma’ a semelhança de várias outras do país, onde os edifícios da administração colonial estão todos em estado avançado da degradação, a maioria parte em ruínas.

A região de Bolama/Bijagós encontra-se situada no sul do país, a 22 milhas da capital Bissau. A falta de corrente eléctrica é um dos assuntos que preocupa muito os seus habitantes, sobretudo os pescadores artesanais e as mulheres vendedoras de peixe que várias vezes pediram ajuda às autoridades nacionais e sem no entanto, verem resolvidos as suas preocupações.

O sector não dispõe de uma câmara frigórica privada nem de uma unidade de produção de gelo para que se possa conservar o pescado. Facto que leva os pescadores muitas vezes a deslocarem-se até ao capital para comprar o gelo, antes de irem pescar.

CENTRAL ELÉTRICA DE BOLAMA TRANSFORMADA EM RESIDÊNCIA DE MORCEGOS E CABRAS

Uma repórter do semanário O Democrata esteve recentemente naquela cidade histórica do sul do país e visitou as instalações da antiga central eléctrica, tendo constatado a situação lastimável em que se encontram os dois únicos funcionários que prestavam serviço na central.

O responsável da central depara-se com uma série de problemas de saúde. De acordo com informações recolhidas pela nossa repórter, ele teria caído de um poste de corrente elétrica, quando estava a efetuar reparações.

A central elétrica está numa situação de abandono total e vê-se o telhado partido. As máquinas (central) parecem-se com ‘ferro velho’, o que indica que já não funcionam há muitos anos. Na verdade, deixaram de funcionar desde 2005.

As instalações transformaram-se em residência especial para morcegos. As portas e janelas do edifício estão danificadas.  Vê-se a imundice por todo o lado. A capacidade da central era de 220 kwz, o que dava para todo o setor. A central funcionava apenas num único período, isto é, das 19 às 00 horas.

A população pagava a energia elétrica no valor mensal de três (3000) mil francos CFA nos anos noventa. A partir de 2000 registou-se um aumento exorbitante do preço, que passou dos três mil francos CFA mensais para 15000 (quinze mil) francos CFA [cerca de 23 euros], o que suscitou reclamações da parte da população.

RESPONSÁVEL DA CENTRAL ELÉTRICA: “SENTIMO-NOS ABANDONADOS E ESQUECIDOS COMO A NOSSA CIDADE”

O chefe da central elétrica de Bolama, Diolindo Benício da Silva, contou-nos que pararam de fornecer a eletricidade desde 2005 devido a falta de combustível.

Explicou ainda que começou os servicos na central em 1985 como ajudante do responsável, quando se ocupava da reparação dos cabos.

“Na altura éramos oito, mas por falta de salário nos últimos tempos, a maioria dos colegas desistiu e agora somos apenas duas pessoas. Concertávamos os postes, fazíamos instalações nas casas e nas ruas. Quando havia qualquer avaria técnica éramos nós que faziamos o concerto. Também ocupávamos da manutenção dos geradores”, contou emocionadamente.

Avançou que a central fornecia corrente elétrica à toda a cidade de Bolama, com exceção das tabancas mais afastadas. Recordou que tinha também a sua disposição uma viatura de trabalho ‘Land Rover’ e combustível para a viatura e o gerador, fornecidos pelo governo local. Acrescentando que era o governo local que controlava as receitas.

“Em dezembro de 2016, a central voltou a trabalhar por uma semana apenas, graças ao apoio da Organização Não Governamental – Assistência Médica Internacional (AMI)”, lembrou com uma voz trémula. Contudo, disse não recordar do valor em dinheiro disponibilizado por aquela organização internacional.

Acrescentou neste particular que recebeu da parte da ONG AMI, através do Comité de Estado, alguns materiais que permitiram a reparação do gerador, nomeadamente: 400 litros de gasóleo, 200 litros de óleo, duas batarias para o gerador, uma placa de corrente, filtro de gasóleo e 200 metros de cabos torçados.

Diolindo Benício da Silva afiançou ainda que os materiais oferecidos pela ONG AMI permitiram o funcionamento de central e a iluminação da ilha por apenas uma semana. Frisou que alguns gatunos cortaram os cabos das ruas, por isso não conseguiram fazer chegar a energia eléctrica para alguns postes pública.

Relativamente ao roubo dos cabos, informou que recebeu informações de que a polícia conseguira deter alguns dos gatunos, mas não teve nenhuma outra informação em relação aos materiais recuperados.

Revelou ainda que já leva cinco anos sem receber os salários e que ninguém fala do assunto. Adiantou que a administração local nem sequer lhes contacta para abordar a questão da recuperação de central.

“Sentimo-nos abandonados e esquecidos como a nossa cidade. Apenas recebemos visitas de pessoas individuais, de organizações internacionais, mas dos que têm a obrigação de nos apoiar só nas campanhas eleitorais”, lamenta.

ROUBO DE PAINÉS DIFICULTA PRODUÇÃO DE CORRENTE ELÉTRICA QUE PERMITE FORNECIMENTO ADEQUADO DE ÁGUA POTÁVEL  

A falta de corrente elétrica regista-se em todos os serviços da ilha. A cidade de Bolama sofre da falta de água potável há muitos anos. Porém, graças ao apoio recebido do ministério das pescas através do projeto espanhol de Cooperação Internacional (AECID) conseguiu-se água potável por meio de um sistema de energia solar instalado na cidade.

O projeto foi executado em 2007 pela Associação Ajuda Intercâmbio e Desenvolvimento (AIDA) num valor estimado em mais de cinco milhões de francos CFA [mais de 7,6 mil euros]. A execução do projeto durou dois anos.

Para o abastecimento de água potável ao interior dos bairros foram feitos dois fontenários, um no bairro de N’Tatcha, outro nas instalações do serviço da meteorologia, com a capacidade de produzir 15000 (quinze mil) litros diários.

Informações recolhidas no terreno indicam que no dia 04 de abril de 2016 registou-se um roubo de seis painéis solares do fontinário de N’Tatcha. Haviam oito painéis, mas agora só estão apenas dois que são insuficientes para o fornecimento normal de energia.

No entanto, o responsável do projeto “Pescarte” do ministério das Pescas fez uma nota informativa sobre o ocorrido ao Comissariado regional da Polícia de Ordem Pública (POP).

De acordo com os habitantes ouvidos pela repórter, a polícia notificou os guardas para uma audiência, mas até ao momento da reportagem a polícia não apresentou as conclusões.

O responsável do serviço de fornecimento da água, Duarte Cá, disse que o roubo aconteceu em abril de 2016, quando o guarda contratado tinha viajado. Este teria deixado um substituto de 28 anos de idade, mas que não passou a noite no local do serviço. Disse ainda que o substituto, alegou que tinha dito ao guarda titular que tinha medo de dormir sozinho naquele local.

“Foi assim que roubaram os painéis, o que dificulta o funcionamento das máquinas por falta de energia em quantidade suficiente. Infelizmente até agora não foram encontrados nem os painéis nem os autores do roubo. Houve muitas acusações, mas que não correspondem a verdade, porque as pessoas limitam-se apenas a dizer que foi o fulano, mas ninguém mostrou provas!” Disse.

Explicou ainda que antes do roubo dos painéis, forneciam água três ou duas vezes por dia. Mas que atualmente conseguem fornecer água apenas uma vez por dia devido a fraca corrente.

Entretanto, O Democrata tentou contactar os agentes da POP para saber do referido processo de roubo dos painéis, que agora leva os habitantes locais a acusar a polícia de cumplicidade, de não fazer o seu trabalho. Acusam-na também pela situação do processo da criança que se suicidou e de outros crimes que ocorreram naquela ilha.

O comandante da polícia recusou prestar quaisquer declarações alegando que para isso precisaria de uma autorização prévia dos seus superiores do ministério do Interior.

O Democrata soube, no entanto, que a polícia conseguiu fazer o trabalho e deteve os suspeitos do roubo. Após concluir o processo decidiu encaminhar o mesmo para o ministério público.

A polícia defende que se os responsáveis da justiça deixarem os suspeitos livres sem terem sido julgados, a responsabilidade não é da polícia. Ainda de acordo com as informações recolhidas, a esquadra da POP não tem um carro disponível para os trabalhos. Sempre que necessário, ela aluga motorizadas para qualquer atividade. Segundo uma fonte, a esquadra não dispõe de uma cela em condições para a detenção de criminosos.

 

 

Por: Epifânea Mendonça

Foto: EM

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