ÉBOLA & RENASCIMENTO AFRICANO

Foi preciso aparecer a pandemia do Ébola, em três países do oeste de África, para a própria Natureza provar que os problemas da África não são iguais aos da Europa e nem aos da América do Norte. Por isso, as soluções sócio-económicas que elaboramos aqui não podem ser as mesmas da chamada Democracia Ocidental. Esta conclusão remete para o conceito de renascimento africano, cada vez mais em desuso.

Segundo os relatos da imprensa, “a epidemia do Ébola já fez cerca de 2.000 mortos, desde o início do ano, na Guiné-Conacri – onde começou o surto – na Libéria, na Serra Leoa e na Nigéria”, e agora revela que há corpos não contabilizados deitados nos rios, e enterrados no mato, o que dá a entender que as vítimas são mais numerosas.

West Point, o bairro que a presidente Ellen Johnson Sirleaf colocou em estado de quarentena, tem mais de 70 mil moradores e conta com apenas quatro latrinas públicas. Quinhentas pessoas por dia usam as latrinas comunitárias e há dejectos acondiciona- dos em sacos plásticos por aqueles que preferem não usar os banheiros públicos, numa zona onde chove a cântaros.

Para o escritor liberiano e pesquisador da Universidade de Londres, Robtel Neajai Pailey, a situação em West Point não é simplesmente causada pelo Ébola, mas sim uma demonstração do que chama de crise de cidadania num país que não atende às necessidades dos mais pobres.

A primeira grande lição do Ébola é que, em África, os problemas que parecem pequenos aos olhos dos dirigentes, os chamados problemas invisíveis das periferias urbanas e rurais são os que devem ser atacados prioritariamente. Um deles é o saneamento básico. Tem de se criar a cultura do saneamento, injectar-lhe fundos e educar, a todos os níveis (escola, igrejas, repartições públicas, mercados), para esse fim. A segunda grande lição é a de que nós, africanos, temos de refrear o culto dos mortos. Pois cada óbito africano, com os seus rituais desde lavar o morto até beijá-lo e reunirmo-nos na vigília, redunda na multiplicação de doenças como o Ébola e o Marburgo (como devemos estar bem lembrados).
Quanto à boa imagem dos governos africanos, expressa através de indicadores macroeconómicos, como o PIB, a paridade do dólar norte-americano, a inflação, etc, ela também não é realista. Por isso, assistimos agora na TV imagens de expatriados sob a capa das ONGs a financiarem a construção de latrinas na Libéria. Que vergonha para os africanos!

Sam Mwale, perito em assuntos políticos, afirmou que “as filosofias económicas e políticas que (nos) servem de base são pensadas e financiadas pelo Ocidente, mas inacessíveis ou irrelevantes para a África autêntica (…) e torna-se deveras difícil neste contexto justificar o emprego da palavra renascimento.” E, diríamos nós, a África autêntica chegou a um ponto crítico em que tem, também, de repensar aspectos da sua herança cultural que não mais se coadunam com a explosão demográfica das grande cidades que temos hoje. Uma delas é o culto dos mortos.

Trata-se de uma mudança de paradigma sócio-cultural – ancorada em dois pólos: o desenvolvimento endocêntrico e a fratura da tradição extemporânea – que pode conduzir ao verdadeiro renascimento.

Por: José Luís Mendonça
in Cultura – Jornal Angolano de Artes e Letras. Nº 64 / Ano III / 1 a 14 de Setembro de 2014

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