Inspetor Geral da Educação do Senegal:  “MAIS DE QUARENTA MIL SENEGALESES ESTUDAM A LÍNGUA PORTUGUESA DEVIDO A INTERESSES GEOPOLÍTICOS” 

[ENTREVISTA_novembro de 2022] O Inspetor Geral da Educação e da Formação do ministério da Educação de Senegal, Paul N’Dour, disse ao O Democrata que atualmente, 48 mil alunos estão a estudar a língua portuguesa nos liceus, colégios e 1024 formam-se em portugês nas universidades públicas e privadas naquele país francófono, que partilha centenas de quilômetros de fronteira com a Guiné-Bissau, sobretudo na zona norte e leste.

“Temos atualmente 48 mil alunos a cursarem a língua portuguesa nos liceus, colégios e 1024 formam-se em português nas universidades no Senegal. Isso é motivo de satisfação e de orgulho para nós, mas também é o resultado do trabalho combinado dos corpos gerentes locais de portugueses ajudados por um Reitor português enviado por Portugal para ajudar na divulgação da língua no nosso país”, disse na entrevista ao jornal O Democrata, à margem do seminário sub-regional de jornalistas do espaço da CEDEAO, sobre o acordo da Zona de Livre Comércio Continental Africana (ZLECAf), para o qual foi contratado como tradutor.   

N’Dour, que também é docente na Faculdade de Ciências e Tecnologias e da Formação da Universidade Cheikh Anta Diop, Dakar no Senegal, e tradutor da língua portuguesa, fez estas afirmações em entrevista exclusiva ao nosso semanário, para falar da influência da língua portuguesa naquele país francófono em que é tido como uma das línguas opcionais nos liceus e na formação superior.

O português foi introduzido no sistema educativo senegalês em 1961 pela vontade política do falecido Presidente Leopold Sedar Senghor que, de acordo com os estudos, reivindicava “a sua gota de sangue portuguesa”. O ensino do português começou naquela altura em dois liceus (Van Vollenhoven e John Fitggerald Kennedy). 

A nível do ensino superior, segundo um estudo, foi em 1972 que a faculdade de Letras recebeu os primeiros estudantes na secção de português do departamento de Línguas e Civilizações Românicas.

No âmbito da cooperação entre os governos português e senegalês, abriu-se o Instituto Camões no Senegal e que conta com uma representação em Casamança, concretamente em Ziguinchor. A Universidade Cheikh Anta Diop do Senegal, para além de formar estudantes em licenciatura em língua portuguesa, ministra também o curso do Mestrado e Doutoramento em literatura português.

PROF. N’DOUR: “GEOPOLÍTICA NA REGIÃO LEVA INTERESSE DE SENEGALESES PELA LÍNGUA PORTUGUESA”

O Inspetor Geral da Educação e da Formação explicou que antigamente, havia apenas uma escola que lecionava a língua portuguesa, mas a situação evoluiu com base na geopolítica,  por causa da aproximação a países lusófonos. 

Sobre as oportunidades que os formandos nesta área têm, particularmente no concernente à inserção no mercado de trabalho, confessou que neste momento, a maior dificuldade que têm é a inserção dos formados na língua portuguesa no mercado do trabalho, acrescentando que a única oportunidade que os formados nesta área têm por enquanto é no ensino.

“Essa situação cria enormes dificuldades para os estudantes depois de concluírem a formação. Conseguimos assinar convênios e acordos com as autoridades portuguesas que nos ajudaram na formação e na criação da fileira do interpretação. Para além desta oportunidade, estamos também a pensar diversificar a oferta aos alunos e estudantes que cursam o português” assegurou, para de seguida, avançar que este é o maior constrangimento que enfrentam em termos de integração das pessoas com diplomas em língua portuguesa.  

Informou que, de acordo com os dados de último recenseamento levado a cabo pelo ministério da Educação, foram registados no total 424 professores de língua portuguesa que lecionam no liceu em todo o território nacional e nove professores universitários. 

“Faz-se o Mestrado há muito tempo na universidade pública, mas em relação ao doutoramento, tivemos que esperar um bom tempo para montarmos o doutoramento no Senegal. Esperamos até conseguir ter um professor titular doutorado a cerca de dez anos. Já com um professor doutor titular e com a ajuda de parceiros conseguimos abrir o curso do doutoramento”, contou.

Questionado sobre o interesse dos senegaleses na língua portuguesa, explicou que a primeira é a situação geopolítica do Senegal em relação à Guiné-Bissau e a Cabo Verde, bem como a própria influência da língua portuguesa a cada dia no mundo.

“É bom lembrar também que o Presidente Léopold Sédar Senghor contribuiu muito no estudo da língua portuguesa no Senegal, porque ele [Presidente Senghor] reivindicava que tem raízes portuguesas. Ele dizia que “Senghor” vem da palavra Senhor, mas também estava apaixonado pela cultura portuguesa. Foi a pessoa que influenciou o ensino do português no país”, recordou o docente, Paul N’Dour.

Relativamente aos obstáculos ao ensino da língua portuguesa no Senegal, Paul N’Dour disse que está mais relacionado com o nível cultural.

“Não quero criticar nenhum grupo etnico ou religioso, mas, muitas vezes, o português é associado ao crioulo cabo-verdiano e os cabo-verdianos são aqueles que comem carne de porco, por exemplo. Quando dava aulas no liceu notava-se que um número significativo de alunos preferia o árabe, porque ouvem dos seus pais que o árabe está mais próximo do islão”, narrou.

Indagado se o português deve ser ensinado como língua materna ou estrangeira no Senegal, assegurou que o português deve ser ensinado como língua estrangeira, porque a língua materna é dos nativos. Lembrou que o Senegal não é um país conquistado pelos portugueses, mas “o português veio em situação de diglossia, isto é, houve um choque entre culturas”.

“O senegalês terá mais propensão para cursar árabe, porque quando sai ouve e expressa árabe. Terá mais facilidade de cursar francês, inglês e espanhol por causa da realidade social. O português no Senegal agora é uma língua estrangeira – LV2”, quer dizer o inglês é obrigatório, mas o português, espanhol, italiano e russo são da livre escolha do aluno. Há a possibilidade de se escolher o português como “LV1″ desde o liceu, dependendo do interesse do aluno”, referiu.

Recordou que no ano passado, receberam candidaturas de dois mil estudantes que queriam formar-se como professores da língua portuguesa. Frisou que há um desequilíbrio entre os estudantes que saem com a licenciatura e os lugares de serviços que são propostos. 

O Inspetor Geral da Educação e da Formação do Ministério da Educação de Senegal informou que recebem apoios, em termos de materiais, didáticos por meio do Instituto de Camões de Portugal, que, segundo a sua explicação, acompanha as escolas e universidades a nível cultural e pedagógico. Sublinhou que a reitoria da língua portuguesa é dirigida por um português enviado no quadro da cooperação entre os dois países.

“A reitoria apoia na formação continua dos professores já em serviço, como também anima os acontecimentos culturais ou conferências com os escritores e peritos provenientes de Portugal” contou, lembrando que recebiam também bolsas de mestrado para Portugal, através do Instituto Camões.  

Questionado ainda se o governo senegalês consagra no seu orçamento geral de Estado um valor para o ensino da língua portuguesa, respondeu que não é exatamente um valor especificamente dedicado ao estudo da língua portuguesa, mas enfatizou que o valor disponibilizado pelo executivo insere-se no quadro do investimento geral na educação.

“O valor é utilizado para apoiar a educação. Mas neste processo há vertentes e há uma parte para espanhol e depende das disciplinas, cadeiras ou cursos. O português está integrado no componente da formação geral da educação profissional”, esclareceu.

Por: Assana Sambú

Foto: A.S 

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