Opinião: CRIAÇÃO DE PARTIDO DE “JOVENS” – APOIO A INICIATIVA, MAS  DISCORDO COM O SLOGAN

Assistimos nos últimos dias a criação de um novo partido político, tido como partido dos jovens. Quero aqui afirmar meu apoio a esta iniciativa, sou da opinião que é preciso uma nova forma de fazer política partidária no nosso país, que infelizmente, esta política partidária, depois da sua abertura nos anos 90, antes de consolidar-se tem sido banalizado nos últimos tempos por critério de voto étnico e religioso, a corrida desenfreada para o poder com intuito de enriquecer, com o novo fenómeno de “cobamalcracia” nas redes sociais, com a divisão do povo guineense e com a falta de debate de ideias. E com a criação deste novo partido, olhando pelos “jovens” que o constituem, creio que trarão novos elementos positivos na forma de fazer política na Guiné-Bissau. Têm o meu voto de “benefício de dúvida” e espero que tragam ao público debates de ideias e não de pessoas e que façam a política para o país, como têm dito.

Porém, discordo com o slogan que o partido tem usado, por motivos que a seguir irei expor.

O partido tem usado o slogan/estratégia que os jovens constituem mais de 60% do povo guineense e por esta razão, agora é a vez de jovens serem dados a oportunidade e eles (jovens) se elegerem nas próximas eleições. Como disse, discordo em parte com esta narrativa. Digo em parte, porque subscrevo a ideia que os jovens são capazes e podem assumir muitas responsabilidades que muitas vezes são negados pelos “cotas” com fundamento que são novos e inexperientes, também apoio a opinião que defendem que os jovens não são os mais corruptos e que têm qualidades boas, contrariamente a ideia que muitos querem fazer passar que os jovens são piores e mais corruptos que a velha geração, embora temos que reconhecer que muitos jovens hoje em dia deixam muito a desejar, mas acho que é um problema da nossa sociedade em geral e não apenas dos jovens, aliás, tudo de mau que os jovens têm hoje aprenderam com os “garandes”.

A minha discordância cinge nos seguintes pontos:

1.      OS JOVENS CONSTITUEM MAIS DE 60% DO POVO GUINEENSE

Essa percentagem não é realista! Primeiro, é preciso definir o que é ou quem é jovem e para isso, pelos diversos critérios que são usados, na minha opinião, o critério mais objetivo e mais comum é o da idade. Embora não temos uma lei nacional que defina quem é jovem e qual é a idade considerado para a faixa etária jovem, mas temos instrumentos ou organizações internacionais que a Guiné-Bissau está vinculado e que obviamente aplicam a nós, destaco dois. A ONU define a idade da juventude compreendida entre 15 a 24 anos e a Carta Africana da Juventude considera a idade da juventude de 15 a 35 anos. Faremos como a idade de referência para essa nossa abordagem está da perspetiva africana. Ora pegando nesta idade de 15 a 35 anos, não me parece que esta faixa etária constitui mais 60% do povo guineense e nem que quer está perto desta percentagem. É bom ter em conta que quando se diz que a juventude guineense constitui mais de 60%, fala-se da juventude num sentido lato, isto é, inclui desde as crianças de nascença até as pessoas de 35 anos de idade, o correto e o termo normalmente utilizado é: mais de 60% do povo guineense tem menos de 36 anos de idade, o que mostra que a Guiné-Bissau tem um povo jovem. E é esta a razão da minha discordância com o slogan supracitado. E mais, acho que slogan peca e não é favorável para os fins eleitorais, porque a lei eleitoral guineense reduz ainda mais esta idade da juventude africana, porque a população eleitoral compreende a partir dos 18 anos de idade, que faz coincidir com a idade da maioridade considerado na lei civil. Olhando por esses dados, devemos tomar como a população eleitoral jovem a que compreende de 18 a 35 anos de idade, e não me parece que esta população eleitoral jovem seja maioritária em relação a população eleitoral da idade de 36 anos para acima, e claro, nem sequer podemos imaginar que aquela faixa etária constitui 60%. E creio, embora sem dados estatísticos, “memu manera ku nota muri sedu”, que a população eleitoral de 36 anos para cima constitui a maioria em relação a população eleitoral jovem de 18 a 35 anos. Com isso, e com essa estratégia de “lado lado”, de “anos jovens ku tem embias, no dibidi vota nano kumpanheres jovens”, acho que não será uma vantagem para o partido, porque se os “cotas” decidirem votar também apenas nos seus companheiros “cotas”, nós jovens vamos perder;

2.      A INCOERÊNCIA E A PROBABILIDADE DE SEREM “PEGO” COM O SLOGAN

Acho que de certa forma, os líderes do partido jovem estão a ser um pouco incoerente, pois muitos deles já têm a idade que ultrapassa 35 anos e como apelar dar a oportunidade aos jovens, o que significa, nesta perspetiva, dar a oportunidade a eles, mas no entanto já não são jovens? Acho que soa um pouco mal. Mas ainda que admitamos que todos lá têm essa idade de menos de 35 anos ou igual, correrão o risco de serem pegos num futuro próximo, porque a política exige tempo e paciência, e creio que estarão na política por longo tempo e devem estar preparados para aguardar a oportunidade de governar no tempo adequado, o que pode não ser agora (óbvio que não estou a descartar a probabilidade de o partido ser eleito num curto tempo, tudo é possível). Mas também devem estar preparados para longo prazo, se assim o povo decidir. Sendo que a idade não pára no tempo, daqui alguns anos esses jovens ou esses líderes estarão em 40, 50 ou até 60 anos de idade e que quererão continuar na política e os mais novos, seja dentro do partido ou fora, podem usar o mesmo argumento que agora estão a usar para “correr com eles”. Por isso, é importante, na minha opinião, ser o mais prudente possível em usar essa propaganda eleitoral, para não exagerar, sob pena de mesmo ser usado contra eles no futuro ou eles vierem a mudar do discurso no momento que terão a idade avançada. Talvez usar o termo “nova geração” possa equilibrar e evitar a inconveniência futura que aqui referi. Embora o termo “nova geração” possa trazer o outro problema de determinar quem podemos considerar de nova geração e aí se colocará a questão de determinar as gerações que já passaram ou que temos na Guiné-Bissau, por exemplo, depois da independência, podemos considerar que temos duas ou três gerações de políticos? Mas este debate fica para outro momento;

3.      A TENDÊNCIA DE O SLOGAN SER TIDO COMO DISCRIMINATÓRIO

Sei que o partido recém-criado não nega militantes ou eleitores que não são jovens, mas quando usa o argumento “somos mais que 60%” como uma estratégia primária, inclusive nos dísticos e panfletos, pode, de um lado, fazer entender para muitos que o partido inclui apenas jovens, quando na verdade não, e doutro lado, pode criar de uma certa forma a falta de simpatia dos não jovens. Quando é assim, pode levar o afastamento dos mais velhos, tanto na militância, como nos atos eleitorais, “cotas na bim fala es mininus mostra e mas sibi, no kana vota nelis”, agora como diz o ditado guineense “garandes i messinhu na moransa”;

4.      A PARCIALIDADE DOS POSICIONAMENTOS POLÍTICOS. 

Temos lamentado ao longo dos anos a crise de liderança dos valores e é importante que qualquer político, sobretudo “jovem” que queira surgir como alternativa, que use a coerência e a objetividade como as suas características, e essas duas características que destaco aqui devem ser mantidas por todo o tempo. Infelizmente já vimos na nossa praça pública muitos políticos que iniciaram bem e começaram a ganhar a credibilidade e de um momento a outro desviaram dos princípios que outrora defenderam. Nos últimos tempos, temos assistido alguns jovens do recém-criado partido a criticarem algumas ações de um partido político, eu particularmente, subscrevi alguns desses posicionamentos ou algumas partes dos conteúdos desses posicionamentos. Mas fico com a sensação que essas críticas foram feitas porque essas pessoas são oriundas deste partido ou compartilhavam algum tempo a mesma ideologia e que mais tarde divergiram e por pretenderem seguir um outro destino fizerem deste partido ou líderes deste partido os seus diretos e principais “rivais” políticos. É de certa forma compreensível esse sentimento, porque o divórcio com aquele partido não foi amigável e quando é assim, as mágoas ficam e como homens temos a tendência de tentar atingir quem nós entendemos que nos feriu. Mas entendo que este caminho não é a melhor opção, era possível sair de forma silenciosa ou com pouco barulho e seguir a nova trajetória e isso tem mais ganhos políticos e perante a sociedade, muitas das vezes as pessoas não nos darão a razão porque falamos mais, mas sim, as nossas atitudes falam mais altas. As constantes críticas a esse partido acabaram por transformar numa oposição, quando no contrário, a oposição deve ser exercida contra quem governa e é nisto que podemos ver a parcialidade de posicionamentos e das críticas. Temos um Governo que parece não ter de “facto” o Primeiro-Ministro, temos um Presidente da República que transformou de “facto” o nosso sistema de governo semipresidencialismo em presidencialismo, temos assistido espancamento dos cidadãos por todo o lado, temos milhares de técnicos de saúde expulsos no sistema sem qualquer fundamentação legal, há obras de construção de alguns pedaços de estradas sem qualquer concurso público e muitos outros atos de desgovernação total, mas não me parece que haja posicionamento firme sobre essas situações. Com isso, não quero dizer que as ações dos partidos políticos que não estão no poder não podem ser criticadas, mas por uma questão de imparcialidade e de coerência, da mesma forma que criticamos estes, devemos fazer o mesmo com quem está a governar, sobretudo, este último, pois assim rege os princípios democráticos, fazer oposição aos governantes.

Ganhar mais eleitorados ou militantes dependerá do saber agir. Na minha opinião, este partido jovem terá a mesma base eleitoral com o partido que têm feito oposição, não só por serem oriundos de lá, mas também, porque este último, sendo “padiduris di partidus”, todos vão buscar eleitorados ali e é aquele que tem os militantes mais diversificados e mais instáveis, outros dos ditos “grandes” partidos, infelizmente, têm militantes e simpatizantes, na sua maioria, que militaram ou que simpatizaram mais por critério étnico e religioso (a militância por esses critérios incentivados por próprios líderes dos partidos), e esses militantes são mais estáveis nesses partidos, porque o critério de aderência é mais subjetivo e mais “fundamentalista”, e quando é assim, esses militantes não desligam desses partidos facilmente, porque se trata de convicções subjetivas que as pessoas não largam facilmente e acrescido ainda com baixo nível da escolaridade generalizada no país. Ora, a melhor forma de ganhar eleitorados é o uso de coerência nos discursos/posicionamentos, isto leva não só a tirar os militantes instáveis nos partidos políticos, como também pode levar a ter mais votos nas eleições do nosso grupo, “os sem partidos”, que avaliam no momento da eleição o partido com o qual mais identifica e essa identidade toma em conta o critério da coerência e de objetividade dos partidos políticos.

5.      AS REDES SOCIAIS E PERFIS FALSOS. As novas tecnologias, apesar das suas vantagens e das suas importâncias no mundo de comunicação contemporânea, infelizmente muitos têm as usados de forma inadequada, sobretudo, as redes sociais, fazendo delas como meios de comunicação para atingir de forma ofensiva os outros e de divisão, lamentavelmente, é que temos assistido nos últimos tempos na política guineense. Tenho sido crítico aos líderes de alguns partidos ditos “grandes”, que na minha opinião não têm repudiado e distanciado de forma clara contra comportamentos de alguns dos seus ditos “ativistas” nas redes sociais que têm insultado tudo e todos que discordam com os líderes e ideologias desses partidos dos tais “ativistas”, até perseguem os seus companheiros militantes só por estes darem bem com as pessoas de outras formações políticas. Isto tem criado cada vez mais antipatia a esses partidos e têm perdidos militantes cada dia sem se perceberem e quando perdem um militante vão se desculpando que o tal nunca foi verdadeiro militante e que é traidor. Não nego que não haja traidores nos seios dos partidos e que alguns vão criando confusões e depois fugir para outros partidos por razões que lhes apetece, mas as situações não podem ser generalizadas e é importante saber tratar bem os militantes e fazer todos sentirem incluídos. É bom aprender com a parábola de Jesus de dono de 100 cordeiros, que perdeu um e deixou 99 e foi buscar aquele um perdido para juntar aos 100. Há certos partidos que entendem que têm muitos militantes e quando um vai não importam, porque acham que são muitos, mas na verdade quando um sai não sai sozinho, tem pessoas que influenciam e podem arrastar esse grupo. Se não usarem essa parábola vão acordar um dia e ver os seus partidos sem militantes.

É importante que estes novos partidos ou aqueles que pretendem exercer a política com seriedade se distanciem desses comportamentos. Já vi dois perfis falsos ou cujas identidades são duvidosas com a cara do líder do novo partido, os membros desse partido foram vítimas e críticos de outros perfis falsos, pelo que não devem permitir a existência de perfis da mesma natureza que identifiquem com eles. É verdade que não podemos controlar atitudes de todos os nossos apoiantes, mas quando sabemos que um determinado apoiante nosso está a ter um comportamento pouco digno em nome e no interesse do partido, devemos ter a coragem de chamar a pessoa atenção para não voltar a repetir, se continuar, devemos ter a ousadia de posicionar e mostrar que não alinhamos com tais atitudes, nos casos de perfis não identificados, devemos denunciar e mostrar que não temos nada a ver com tais perfis e não alinhamos com os conteúdos que eles produzem.

Para terminar, não estou contra a ideia de apelo para dar oportunidade aos jovens e a nova geração, estou apenas a chamar atenção que o slogan pode não ser feliz e benéfico para os próprios detentores do slogan, sobretudo quando é usado como a principal estratégia do partido, pode ter outros efeitos nefastos. Eu particularmente, acredito mais no slogan da competência e da organização do Estado, devemos dar a oportunidade a quem é competente, independentemente da idade ou do outro fator, acredito que boa organização do Estado guineense, das suas instituições públicas e cumprimento das leis fará que todos tenham a oportunidade e sendo que jovens (no sentido lado) são maioritários acabarão por ocupar a maior parte das instituições. Acredito mais num discurso inclusivo e de integração, pois todos dependemos um do outro!

Do resto, é seguir em frente, sucessos aos jovens e aos guineenses que não são meros expetadores, que levantam para fazer alguma coisa para o bem do país!

Por: Ericson Ocante Ié

Cidadão Guineense

Observação: Este artigo de opinião visa apenas e exclusivamente expor a visão do seu autor e aumentar um debate público de ideias em torno dos assuntos nele abordados. Não pretende, de forma alguma, atingir ou denegrir a imagem de alguma personalidade ou alguma organização, seja partidária ou não.

1 thought on “Opinião: CRIAÇÃO DE PARTIDO DE “JOVENS” – APOIO A INICIATIVA, MAS  DISCORDO COM O SLOGAN

  1. Elementos são discutíveis, isto é, baseando numa perspectiva intelecto que possuí exausta pesquisa com vista dar mais discussão de ideias que procura odjetivar senso da capacidade crítico para nova geração.
    Obrigado por elementos, e espero que outrem apresente sua versão.

Deixe um comentário para Ansumane Sambú Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *