ECONOMISTA CARLOS LOPES ADVERTE QUE A GUINÉ-BISSAU PRECISA DE UMA DISCIPLINA ORÇAMENTAL SEM CONCESSÕES

O economista guineense e professor universitário, Carlos Lopes, advertiu que a Guiné Bissau precisa de introduzir uma disciplina orçamental sem concessões e estabelecer critérios de um período de reconstrução das funções básicas do aparelho administrativo.

“A dívida da Guiné-Bissau não corresponde aos critérios de convergência sub-regional e que não é o único critério não respeitado. Quase nenhum é respeitado. Para corrigir, é preciso ir além de um saneamento das finanças públicas. Essa é uma etapa necessária, mas não suficiente. A Guiné Bissau precisa de introduzir uma disciplina orçamental sem concessões e estabelecer critérios de um período de reconstrução das funções básicas do aparelho administrativo”, alertou o especialista, solicitado a pronunciar-se sobre a dívida pública do país que atualmente ultrapassa o critério da UEMOA sobre o PIB e que medidas devem ser adotadas para corrigir a situação.

Carlos Lopes, que também foi o antigo secretário executivo da Comissão Económica das Nações Unidas para a África, fez estas advertências na entrevista ao jornal O Democrata, para falar do percurso económico do país ao longo de 50 anos, bem como das prioridades a curto, médio e longo prazo, no âmbito de uma série de entrevistas que O Democrata está a  fazer com diferentes personalidades, combatentes da liberdade da pátria, professores universitários, economistas e vendedeiras de diferentes mercados da capital Bissau, no âmbito da comemoração do 50º aniversário da independência da Guiné-Bissau, proclamada unilateralmente a 23 de setembro de 1973.  

“GUINÉ-BISSAU É UM DOS PAÍSES COM PIORES INDICADORES SÓCIO-ECONÓMICOS”

O economista afirmou na entrevista que a Guiné-Bissau é um dos países com os piores indicadores socioeconómicos das últimas décadas, tendo acrescentado que a Guiné viu ao longo destas décadas países muito menores em tamanho e população a ultrapassarem-na em termos económicos.

“A nossa infraestrutura económica está praticamente ao mesmo nível dos últimos 30 anos. O acesso à energia é um dos mais parcos do continente. Podemos acrescentar muitos mais indicadores que demonstram a amplitude do problema. Mas a verdade é que não tivemos aquilo que os economistas chamam de transformação estrutural – transição de uma economia de baixa produtividade, sobretudo baseada na agricultura de subsistência, para uma atividade económica baseada na industrialização”, disse o economista.

Lopes assegurou que ao observar o fenómeno demográfico e urbano que marca o país, torna-se evidente de que não será possível criar empregos e absorver a juventude da população, se não passar pela etapa da industrialização.

Recordou que o modelo do antigo Presidente da República, Luís Cabral, de criar unidades industriais foi uma tentativa que ia na boa direção, mas depois interrompida com o regresso à economia rentista e a dependência de exportações que dependem pura e simplesmente da coleta, como a castanha de cajú, sem valor acrescentado.

“O nosso principal produto de exportação vai até à Índia ou Vietnam para ser descascado e empacotado. Isso diz tudo…” salientou.

Questionado sobre o que esteve na origem da pouca duração do período de industrialização (fábricas) na era do Presidente Luís Cabral, nos primeiros anos pós-independência, apesar da crítica da insegurança alimentar que se registou na altura, respondeu que o país teve um problema “de disfunção governativa” e “subsequente perda de quadros de valor que estavam ligados ao processo de transformação económica”.

“Podemos explicar o que aconteceu em 1980 politicamente e até entender as razões subjacentes ao golpe de Estado. Mas também temos de admitir que se instalou depois uma certa confusão de prioridades e uma inércia que criou as condições para uma sobreposição de poderes militares sobre a atividade governativa”, referiu.

Lembrou, neste particular, que o PAIGC viveu um período de dissensões internas que depois viriam a servir de germe para a criação de vários partidos, acrescentando que essas tensões não ajudaram a consolidação do aparelho de Estado e que a economia passou a ser mais dependente dos programas de ajustamento estrutural do que da elaboração de prioridades internas.

“Fez-se uma vaga de privatizações e alienação do património do Estado, inclusive imobiliário e fundiário, que lançou as bases de uma corrupção primária, difícil de combater porque serve de base para a distribuição de benesses para retorno de apoio político”, criticou.

“EM VEZ DE DEMOCRATIZAR A ÁFRICA, PRECISA-SE AFRICANIZAR A DEMOCRACIA”

Sobre a iniciativa da CEDEAO de adotar uma moeda comum, o “ECO”, e o seu impacto a nível da sub-região, disse que já teve a oportunidade de dizer que a iniciativa da criação da moeda comum e com as características presentes nos planos da CEDEAO não vai funcionar nos próximos tempos.

“O anúncio feito em Abidjan pelos Presidentes Ouattara e Macron foi prematuro, inadequado e feito para acalmar as reclamações de uma parte da opinião pública” lembrou, enfatizando que a convergência macroeconómica que permitirá ter essa moeda é apenas respeitada pelo Togo.

Explicou que a Nigéria sozinha tem cerca de 70 porcento da economia da sub-região, “o que está a decidir, faça chuva ou faça sol, estamos longe de chegar a um momento decisório baseado em premissas técnicas”.

Instado a falar sobre o futuro económico da África, num contexto de transformação política, a “febre” de golpes de Estado e social (redes sociais), assegurou que nos seus livros explicou em detalhes como interpretar o contexto político que explica “a rejeição da democracia do espetáculo”. 

“A democracia que serve para cumprir aparências sem profundidade. De forma provocatória, gosto de dizer que em vez de democratizar a África, precisamos africanizar a democracia. É uma maneira de dizer que temos de desenvolver o sistema na base do contexto, com profundidade e baseado nas verdadeiras aspirações das pessoas simples. São estes os ensinamentos de Amílcar Cabral”, defendeu Lopes, que também é sociólogo.

Por: Assana Sambú

Setembro de 2023

1 thought on “ECONOMISTA CARLOS LOPES ADVERTE QUE A GUINÉ-BISSAU PRECISA DE UMA DISCIPLINA ORÇAMENTAL SEM CONCESSÕES

  1. O Dr. Carlos Lopes é uma pessoa honesta e nas suas entrevistas, é sempre imparcial e de integridade moral e isso é muito importante no âmbito profissional.

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