A substituição do Presidente da República, doravante designado PR, pelo Presidente da Assembleia Nacional Popular (ANP) a título temporário ou definitiva, é um problema de importância constitucional em abstrato, mas na prática politico-guineense, tem acontecido na vigência da Constituição em vigor.
A substituição interina tem que ver com a situação em que o PR por motivos de doença temporária não lhe é possível exercer as suas funções, mantendo no cargo, embora sem exercício efetivo das funções[1].
A substituição definitiva acontece na situação de vagatura (morte, renúncia impossibilidade permanente) em que o cargo do PR fica privado do seu titular.
O nosso interesse para este tema tem que vem com os eventos que se seguem.
A 11 de maio de 1999, deu-se termo a guerra civil de 7 de junho de 1998, onde PR João Bernardo Vieira, de PAIGC, foi obrigado a abandonar o país, três dias depois, isto é, a 14 de maio de 1999, Malam Bacai Sanhá, então presidente da ANP, um dos dirigentes do PAIGC, assumiu interinamente a chefia do Estado guineense até dia 17 de fevereiro de 2000, ou seja, exerceu as funções do PR por período de nove (9) meses, contra o previsto no n.º 3 do art.º 71.º da CRGB[2].
Após o golpe de Estado “renúncia” que depós PR Kumba Yalá, do PRS, diferentemente do que aconteceu depois da guerra suprarreferida, o então Presidente da ANP, Jorge Malú, do PRS não foi permitido assumir chefia do Estado, assim foi instituído o Conselho Nacional de Transição que consentiu nomear Henrique Pereira Rosa, PR de Transição, uma figura proveniente da Igreja Católica.
Em cumprimento de, entre outros, desiderato do Conselho Nacional de Transição, o Presidente da República de Transição, através do Decreto Presidencial n.º 57/2003, de 16 de dezembro, marcou a data das eleições legislativas para 28 de março de 2004.
Só mais tarde que, através de Decreto Presidencial n.º 3/2005, de 20 de março[3] no seu artigo único marcou as eleições presidenciais para dia 19 junho de 2005.
Numa óbvia inobservância do estatuído no n.º 3 do art.º 71.º da CRGB que determina período máximo de 60 dias para interinato, Henrique Pereira Rosa, desempenhou função de chefe de Estado dois (2) anos e um mês.
Após o golpe de estado de 2 de Marco de 2009, que culminou com assassinato do PR João Bernardo Vieira, Raimundo Pereira, do PAIGC, então presidente da ANP assumiu interinamente a chefia do Estado.
Este marcou a primeira volta das eleições presidenciais antecipadas para 28 de junho de 2009, ato subsequente, marcou a segunda volta da eleições para 26 de julho de 2009, em que Malam Bacai Sanhá, do PAICG, saiu vencedor.
Malam Bacai Sanhá tomou posse no cargo de PR dia 8 de setembro de 2009, no Estádio 24 de setembro, em Bissau, cessando assim funções de PR ao Raimundo Pereira, do PAIGC, que exerceu o cargo seis (6) meses, como é óbvio, a margem do disposto no n.º 3 do 71 da CRG (prazo de 60 dias).
Com a morte do Presidente da República Malam Bacai Sanhá, Raimundo Pereira, assumiu, pela segunda vez, enquanto presidente do Parlamento, o cargo de chefe de Estado interino, no dia 9 de janeiro, função que exerceu até golpe de estado de 12 de abril de 2012, exercendo funções por três (3) anos e três (3) meses, um lapso temporal muito distante dos 60 dias permitido pela Constituição.
Após o golpe de estado em questão, foi nomeado como Presidente da República de transição, Manuel Serifo Nhamadjo, do PAIGC, então Presidente da ANP em substituição do Raimundo Pereira, através do acordo dos partidos políticos signatários do Pacto de Transição Política, função que exerceu até a tomada de posse do PR José Mário Vaz, em junho de 2014, isto é, cerca de dois anos, sem observância do prazo máximo de 60 dias previsto no n.º do art.º 71.º da CRGB.
E tendo em vista a questão de momento em relação a eventual ou suposta substituição do PR pelo Presidente da ANP vimos em breve traço, para um posterior desenvolvimento do tema, enfatizar o que infra se lê.
A substituição interina do PR é uma “situação excecional” enquanto uma situação de curta duração, diferente dos sistemas em que existe uma substituição permanente, ou seja, em que existe “Vice-Presidente” que de certa forma poderá exercer a função do Presidente a título definitivo no caso de vagatura, na CRP, tal como na de Guiné-Bissau, o presidente interino é visto como um “recurso”, até à reassunção do cargo pelo titular ou à eleição do novo titular[4].
O mandato presidencial pode mediante a verificação de determinadas circunstâncias pode-se deparar com a vagatura, na Constituição portuguesa são as seguintes situações determinantes da vagatura: morte, incapacidade ou impossibilidade física permanente, [cfr. 1.ª parte da al. a), do n.º 3 do art.º 223.º da CRP], renúncia (art.º 131.ºCRP) perda de mandato por ausência ilícita para estrangeiro (cfr. n.º do art.º 129.º da CRP) instituto jurídico que a Constituição guineense não previu ou destituição por crime de responsabilidade (cfr. n.º 3 do art.º 130.º da CRP)[5].
Também pode ser estendida esta situação quando haja de se evitar simultaneidade de eleição presidencial e das eleições parlamentares (cfr. n.ºs 2 e 3 do art.º 125.º da CRP). É o caso previsto constitucionalmente de prolongamento de mandato, em quaisquer outras situações – morte ou incapacidade de qualquer candidato com consequente reabertura do processo eleitoral, morte, incapacidade ou recusa de tomada de posse do Presidente eleito ou anulação de eleições – se abre a vagatura do cargo e a chamada do Presidente da Assembleia da República à interinidade (cfr. art.º 132.º da CRP)[6].
No intuito salvaguardar a manutenção do exercício das competências do PR, embora com exceções e as restrições do art.º 139.º CRP, a Constituição portuguesa organiza uma forma de suplência ou de substituição, quando operada uma das seguintes circunstâncias[7]:
- Impedimento temporário, provocado por doença ou acidente ou, em conformidade com a interpretação do n.º 2 do art.º 130.º, por acusação de crime de responsabilidade;
- Vagatura do cargo do Presidente – a) morte, b) incapacidade ou impossibilidade física permanente, permanente, c) renúncia, d) perda de mandato por ausência ilícita para estrangeiro e e) destituição por crime de responsabilidade.
Quando se trata do impedimento temporário por doença ou acidente, este deve ser verificado pelo Tribunal Constitucional nos termos previsto na 2.ª parte do al. a) do n.º 2 do art.º 223.º da CRP, a requerimento do próprio Presidente ou do Procurador-Geral da República.
O Tribunal Constitucional em plenário ordena as diligências probatórias que entender necessárias, com designação de peritos, ouvindo sempre que possível, o PR; e decide no prazo de cinco dias a contar da apresentação do requerimento (art.º 89.º n.ºs 1, 2, e 3, e 88.º n.º 2).
A extrema delicadeza da situação – sabido como a experiência de alguns países tem sido de, a pretexto ou sob capa do impedimento do Presidente, se fazer golpe de Estado ou usurpação de funções – justifica todo o cuidado procedimental (e a possível interferência do PGR, e não do Presidente da AR).
A verificação de impedimento por acusação de crime de responsabilidade é igualmente da competência do Tribunal Constitucional.
O PR não deixa de ser Presidente, assim como o Presidente da Assembleia, embora suspenso o seu mandato de deputado, não deixa de ser deputado. Nestes termos, subsistem num e noutro os inerentes direitos e regalias (cfr. n.ºs 3 e 4 do art.º 132.º da CRP)
Na Guiné-Bissau há deficet procedimental com relação a substituição do PR pelo Presidente da ANP, diferentemente de Portugal em que é exaustivamente regulado, pelo que, em nossa opinião urge o legislador cuidar de procedimentos para substituição do PR pelo Presidente da ANP.
Colocamos a questão de saber em que circunstâncias pode ou deve ser substituído o PR pelo Presidente da ANP no ordenamento jurídico guineense?
Ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 71.º da CRGB, se se o PR ausentar para estrangeiro será substituído interinamente pelo Presidente da ANP; no caso de impedimento temporário do PR, este será substituído interinamente pelo Presidente da ANP. Ou seja, nestes termos quando preencher um destes requisitos o PR será substituído pelo Presidente da ANP.
A luz do previsto no n.º 2, do art.º 71 da CRGB, em caso da morte ou impedimento definitivo do PR, é o Presidente da ANP quem assumirá as funções do PR, por um período máximo de 60 dias (cfr. n.º 3 do art.º 71 da CRGB) é nisso que consiste a substituição definitiva, integram ainda a esta substituição a destituição do PR por crimes cometidos no exercício de funções (cfr. n.º 3 do art.º 72.º da CRGB) e a renúncia nos termos do n.º 3 do art.º 66 da CRGB. É mediante a verificação de um destes quatro requisitos que podemos falar na substituição do PR pelo Presidente da ANP.
Conclusão
Deste breve estudo constamos que tem sido substituído sistematicamente o PR pelo Presidente da ANP, fora do quadro constitucional com inobservância total do prazo limite permitido para exercício da função em causa que é de período de 60 dias conforme o estatuído no n.º 3 do art.º 71 da CRGB.
No ordenamento jurídico guineense a substituição do PR pelo Presidente da ANP é observada quando preenchido um dos seguintes requisitos:
- ausência para estrangeiro do PR;
- impedimento temporário (doença que temporariamente impeça o exercício de funções);
- morte;
- impedimento definitivo, i. e. impossibilidade física permanente;
- destituição através de um processo-crime;
- renúncia feita publicamente pelo PR.
Em Portugal estes requisitos são acrescidos da perda de mandato ausência ilícita para estrangeiro (cfr. n.º do art.º 129.º da CRP).
Do que vem ser dito e em respeito ao princípio da constitucionalidade previsto no art.º 8.º, nos dita que as orientações políticas devem fazer-se nos limites imposto pela Constituição, ou seja, é a Constituição a base (limite ou fundamento) de atuação dos órgãos de Estado, não podemos falar em substituição do PR pelo presidente da ANP por razões que não têm base constitucional, ou seja, sem a verificação dos pressupostos para substituição do PR não podemos falar da mesma.
O exposto implica que cada princípio ou regra constitucional constituem um requisito de validade cuja preterição determina invalidade do ato em sentido técnico-jurídico.
Pelo exposto, de momento não estão preenchendo nenhum dos requisitos acima referidos, portanto temos reservas em admitir que estamos em condição de falar na substituição do PR pelo Presidente da ANP no ordenamento jurídico guineense.
Nossa opinião!
Bissau, 02 de setembro de 2025.
Por: Isnaba dos Santos
[1] José Joaquim Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, 2ª edição revista, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, p. 176.
[2] O prazo máximo para exercício do cargo do PR interino é de 60 dias.
[3] Cfr. Boletim Oficial n.º 12, de 22 de março de 2005.
[4] José Joaquim Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II…, cit., pp. 175-176.
[5] Neste sentido cfr. Paulo Otero, O poder de substituição em Direito Administrativo – enquadramento dogmático-constitucional, Vol. II, Lisboa, 1995, p. 470 e ss; Jorge Miranda, “ESTATUTO E ELEIÇÃO” in Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2006, pp. 360; José Joaquim Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II…, cit., pp. 175-176 e Marcelo Rebelo de Sousa e José de Melo Alexandrino, Constituição da República portuguesa Comentada, Lex, Lisboa, 2000, p. 248.
[6][6] Cfr. Jorge Miranda, “ESTATUTO E ELEIÇÃO” in Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição…, cit., p. 360.
[7] Idem, pp. 374-375.



















