Opinião: LIMITAR A DEMOCRACIA PARA PROTEGER A DEMOCRACIA!

O continente africano tem sido ensombrado nos últimos anos com sobressaltos e tumultos, que sempre saldam em perdas de vidas humanas, agressões físicas e danos colossais às propriedades públicas e privadas, ameaças à paz e estabilidade política dos Estados, com efeito travão claro no processo de evolução dos Estados a todos os níveis.

Tudo por causa de pretensões ou tentativas de renovação de mandatos para lá do limite constitucionalmente autorizado. No Burquina Faso, foi porque se quis ultrapassar o limite constitucional de dois mandatos consecutivos; No Senegal (e agora no Burundi), foi porque a divergência se situava a volta do ano do início da contagem: se a partir da entrada em vigor da disposição limitadora ou se a partir do mandato anterior imediato à limitação de mandatos.

Com efeito, a ideia da limitação sugere que o prolongamento de mandatos para lá de um certo número de anos prejudica a qualidade da democracia. Essa discussão conduz à questão de saber se a duração do mandato é um direito subjetivo ou objetivo. Ou seja, pode um mandato de 7 anos, já iniciado, ser encurtado, por via de um referendo, para 5 anos? Se sim, é porque estamos perante um direito objetivo, insusceptível de apropriação individual; se não, é porque estamos perante um direito subjetivo, individualmente apropriável pelo titular do mandato e, por conseguinte, protegido pelo princípio da preservação de direitos adquiridos pela lei nova.

Até aqui, a jurisprudência dos tribunais constitucionais africanos tem adoptado o princípio da subjectividade do mandato e, por conseguinte, a não retroatividade da lei de limitação de mandatos. Ou seja, a contagem de mandatos começa para o futuro, sem ter em consideração mandatos já feitos. Foi isso que vincou no Senegal com a aceitação da candidatura do Wade e agora no Burundi com a candidatura de Pierre Kurundziza.

Entretanto, o prolongamento de mandatos continua a ser contestado pela oposição, com o apoio claro da comunidade internacional. Ou seja, mesmo quando o povo genuinamente quer a continuidade de um líder, um referendo imediato para permitir a sua candidatura é liminarmente afastado e condenado. Quando muito, pode admitir-se que o líder que pretende mudar a constituição para admitir mais mandatos, não seja candidato nas eleições imediatas.

Significa isso que a questão é vista mais na perspectiva filosófica da existência de regras materiais de protecção intrínsecas à democracia, nos termos das quais os mandatos democráticos teriam um limite considerado razoável e benéfico. Dois anos, em regra. E tratar-se-ia de um limite abstrato, que não decorre da vontade das pessoas, ou pelo menos deixa de decorrer dela depois de fixado constitucionalmente.

 

Essa forma abstrata de limitação de mandatos já legitimou expedientes de troca de papéis na Rússia, em que o Presidente Putin, por limite de mandatos (2000 a 2008), passa a Primeiro-ministro (2008 a 2012) e regressa à Presidência nas eleições de 2012, certamente para renovar mais um mandato – o segundo do segundo turno de mandatos – nas eleições de 2016.

O mais curioso é que esse problema só se coloca em países que têm a limitação de mandatos. Por exemplo, a frança só teve a limitação de mandatos a partir de 2008. Para os que não a têm, as contestações internas são residuais, e nem a comunidade internacional se embravece contra candidaturas eternas. Funciona uma espécie de “proibição de retrocesso”. Limitou, já não pode regredir, sob pena de turbulência interna e sanções internacionais!

Como sempre, a União Africana aderiu à moda, como havia feito em relação ao Tribunal Penal Internacional, que agora contesta ferozmente. E levou a questão tão séria ao ponto de aprovar uma Convenção que limita mandatos e sanciona com inelegibilidade nas eleições imediatas aqueles que apoiarem os líderes que tentarem mudanças constitucionais para contornar a limitação. Trata-se da Carta Africana sobre a Democracia, as Eleições e a Governança, adoptada na VIIIª Conferência dos Chefes de Estado e de Governo, que teve lugar em Adis Abeba, a 30 de Janeiro de 2007.

Com efeito, o Burquina Faso, em aplicação da referida Convenção da União Africana, arrisca-se a eleger um poder fraco e pouco representativo da sociedade burquinabê, porque a lei eleitoral modificada afasta candidatos de peso do partido de Blaise, por terem apoiado a mudança da constituição para permitir a candidatura de Blaise a um terceiro mandato.

Ora, se, conceptualmente, a limitação de mandatos é benéfica para a democracia, ela não deve ser feita de forma abstrata, deslocada da realidade sempre dinâmica de cada país e do contexto político e social em que a democracia evolui. É preciso domesticar e concretizar o dogma de limitação de mandatos.

Porque não admitir que um referendo livre, justo e transparente pode justificar uma opção legítima e democrática de permitir a candidatura a um terceiro mandato? Repara-se que estamos a falar apenas de uma candidatura e não da prorrogação do mandato para mais anos.

Claro que existe o risco de plesbicitar um presidente em funções nesses referendos, o que pode ditar uma vitória a partida nas eleições imediatas. Mas temos que acreditar na capacidade do eleitorado para fazer opções certas e responsáveis, e não colocá-lo sob tutela permanente. Lembro-me que no caso do Senegal, fantasmas foram agitados aquando das eleições que tiveram lugar na sequência do pronunciamento do Tribunal Constitucional a favor da candidatura do Wade a um terceiro mandato. Entretanto, foi possível ver que o povo não queria esse terceiro mandato. Tivesse sido necessário referendar a alteração da constituição para permitir a candidatura de Wade, o povo teria votado contra e o Wade não teria podido candidatar-se a um terceiro mandato.

Inclino-me a pensar que nos países onde costuma haver tanta resistência ao pronunciamento popular sobre um terceiro mandato, a oposição interna e externa não costuma estar segura da sua vitória contra o dirigente em funções, que dificilmente podem vencer se fosse candidato, ainda que em eleições livres, justas e transparentes.

Está na altura de o continente africano revisitar um pouco a sua história recente na abordagem que faz de certos assuntos e repensar um certo voluntarismo e abstração nas decisões que toma. Quando foi do caso do Tribunal Penal Internacional, os países africanos que logo se tornaram parte foram aplaudidos porque progressistas. Hoje, os retrógrados de ontem são aplaudidos por não fazerem parte de um tribunal considerado de tendenciais coloniais.

No caso que nos ocupa nestas linhas, talvez devamos limitar in concreto os mandatos e não in abstrato; não cozer fatos que não cabem em todos e admitir que a democracia é autossuficiente, e tem capacidade para afastar uma ameaça. O povo senegalês considerou que o terceiro mandato era uma ameaça para a qualidade da sua democracia, por isso não reelegeu o Wade para o terceiro mandato. O mesmo poderia acontecer no caso do Burundi, se for essa a vontade do povo. A democracia veio para ficar. Nada de agitar fantasmas!

 

Por: Pedro Rosa Có

 

1 thought on “Opinião: LIMITAR A DEMOCRACIA PARA PROTEGER A DEMOCRACIA!

  1. Os Problemas de Legitimidade do Poder

    Um poder que se adquire por meio de eleições será um poder legitimo, gozará de legitimidade de titulo, e consequentemente de exercício.
    E um poder que se adquire por golpe de estado será um poder ilegítimo, porque se adquiriu de forma ilegal.
    Mas um poder que se conquista de forma legitima, poder-se-á tornar legitimo quando adquire concesso. Portanto, como afirma o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, Um poder é legítimo quando é consensual.

    O atual estado em que se encontra a Guiné-Bissau foi exatamente o previsto e segundo algumas figuras destacadas do país como em caso de Helder Vaz, Nuno Nabiam, Koumba Yala e mais, o atual presidente da república apesar de aparentar ser uma pessoa com postura de um líder sendo ele determinado desde na fase de caça a votos, que estaria bastante empenhado em busca de soluções viáveis que por sua vez seriam capazes de dar ao país, luzes de avanço. Mas é com certeza pessoa mal preparada para assumir a posição em que está devido a sua insuficiência em relacionamento com pessoas de alta personalidade, pessoas que nas suas mentes, a determinação em retribuir ao país de uma guinendade outrora pensada pelo Amílcar Cabral.
    Não de pensar que sabemos criticar esquecendo-se dos esforços na mudança da situação em que até antes do súbdito “crise política baseada na fatal necessidade de derrubar o governo”, estávamos vivendo.
    Reafirmo dedicando essa mensagem a quem de responsabilidade que, se graças a Deus ele está hoje ali é a confiança dos que votaram em PAIGC, pelo Domingos Simões Pereira devendo a generosidade, curriculum, visão política e noção de responsabilidade assumido com o povo e pela brilhante concepção do projeto politico político por ele apresentado. Ninguém realmente que acompanhou detalhadamente sua carreira política (PR), colorado de indícios, esquemas de transferências ilegais e burocráticas, teria votado no senhor só pela sua bonita cara.
    Portanto, que fique bem claro que nós não somos bonecos e, talvez o senhor pudesse colocar nessa posição por estar constantemente vendo televisor só para atenuar a cor, por ser facilmente manipulado, chato, enganado, otário, atrasado, inválido, asnático, inábil e conformado, velando na jornada cheia de gentes angustiadas e traumatizadas.

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