O DEMOCRATA (D): Em relação à agricultura, muitas vozes consideram o ano em curso como o ano da seca. Pode explicar o impacto das suas consequências no sector agrícola nacional?
RUI NENÉ DJATA (RND): Quero informar que, ao nível da agricultura, é preciso gerir quatro parâmetros fundamentais, designadamente, o clima, temperatura, homem e o solo. Se houver pouca chuva para o nosso sitema de produção agícola que temos, sem termos a capacidade técnica e materiais de retenção da água da chuva é muito difícil prever qualquer coisa.
Temos três sistemas de produção de arroz, tais como o arroz de planalto, que se produz nas zonas altas do país. Que significa o planalto? Onde se cultiva o arroz de “Npam Pam”. Ali, cortam-se árvores que são queimadas para, depois, cultivar o arroz. As terras de planalto, que são consideradas de solos feraliticos, têm a capacidade de reter água, mesmo se está a chover e a água se derena rapidamente, ou seja, se derena superficialmente ou através de perculação.
Isso seca a terra, pelo que as plantas ou arrroz já não têm a capacidade de absolver a água que sobejar no solo para a sua alimentação. Se não houver água adequada ou se houver seca, então significa que se deve esperar um resultado agrícola muito baixo. Isso é que vai acontecer ao nível do solo de planalto e no solo do mangrove (arroz de tarrafe) que precisa de muita água.
Os que produzem no mangrove têm situação mais complicada, porque precisam de grande quantidade de água, não só para alimentar a planta do arroz, mas também para ajudar na dosagem do solo, que contém muito sal, e precisa de um pouco da água doce. Como se sabe, o solo com muito sal é difícil o arroz nascer ali, pelo que se precisa da água da chuva para a dosagem do referido solo.
Nos solos de mangrove, regista-se muita concentração de sais minerais e acidez, pelo que se precisa da grande quantidade de chuva para lavar os sais e o ácido, a fim de permitir que o arroz se desenvolva.
D: Essa situação regista-se na produção de mangrove. Em relação ao cultivo de arroz do baf-onds, não há grandes problemas?
RND: Quero informar que nem todos os baf-onds têm a potencialidade para a produção de arroz, porque existem baf-onds salinos e acídicos. Os ácidos encontrados nos baf-onds são considerados de tocáveis, porque precisam de pouca quantidade de água da chuva para lavar o ácido e sais, enquanto nas zonas de mangrove se precisa de mais água. Baf-onds são menos salinos, ou seja, nem todos os bafons são salinos, portanto de qualquer das formas se precisa de certa quantidade de água para combater a acidez e sanilidade.
D: Que tipo de produtos deve ser utilizado nesta situação de seca? Como especialista na matéria, aconselha às pessoas a utilizarem os sementes de ciclo curto?
RND: Sim, podem utilizar os sementes do ciclo curto, mas também isso tem os seus riscos por causa da falta de chuva. O que está acontecer nas tabancas, neste momento, é que a população tinha preparado o terreno e semeou os sementes, mas como não está a chover, já há uma semana, acabaram por ter problemas ou, simplesmente, os seus sementes estragaram. Mesmo se os sementes utilizados neste campo fossem do ciclo curto, não se vai conseguir nada, em termos de rendimento, porque, se os sementes não conseguiram obter humidade suficiente no solo, que os vai permitir absolver aquela humidade para poder germinar, é a situação perdida. Foi isso que aconteceu no vale de Geba com os camponeses que viram a chuva nos primeiros tempos e foram semear os sementes, portanto acabaram de perder os seus sementes.
Recomenda-se a utilização do semente de ciclo curto, nestas circunstâncias. Mas os sementes a serem usados devem ser aquele de 90 dias, mais ou menos. Assim, pode se conseguir alguma coisa. Para mim, a utilização dos sementes de ciclo curto deve combinar com as infra-estruturas a serem criadas para a retenção da água de chuva, mesmo se não chover muito e com o funcionamento das infra-estruturas que permitem a retenção da água, que será gerido de forma cautelosa e mesmo se a chuva já não venha chover se pode utilizar as águas conservadas.
Com o funcionamento desta infra-estruturas de retenção de água da chuva pode dar rendimento maior à produção de sementes de ciclo curto. Já com essa infra-estrutura em funcionamento, pode até utilizar os sementes de ciclo longo na ausência da chuva.
D: Na ausência dessas infra-estruturas, que o país não tem, o que é preciso fazer na situação da seca que se regista?
RND: Nesta circunstância, deve-se pensar na alternativa, e a alternativa é apostar na produção de produtos que não precisam de grande quantidade da água, isto é, apostar nas culturas alternativas de cereais secos.
D: O que quer dizer com cereais secos?
RND: Cereais secos são milhos. A população deveria alertar-se para apostar na produção de milhos, mancarra, feijão, mandioca, gesiline (bené) como alternativa. São produtos que podem ser vendidos, consumidos pela população ou vendê-los para comprar o arroz.
D: Fala-se que o Governo, através do ministério de agricultura, está a preparar um plano de contingência face à situação da seca que se regista no país. No seu ponto de vista, que tipo de plano deve ser aplicado pelas autoridades?
RND: Qualquer das formas tem de haver um plano de contingência para apoiar os produtores vitímas da seca nesta campanha agrícola. Temos sempre dificuldades em termos de produção agrícola. Então, imaginem agora, com a falta da chuva, que se regista como é que a situação vai ser? Aliás, sempre temos dificuldades, lembro que tínhamos um défice muito alto em termos de produção de arroz que chega em 89 mil toneladas. Imagina agora no próximo ano como é que vai ser?
O país produz 111 mil toneladas de arroz processado a nível interno, mas tendo em conta a situação e se adicionar isso com o défice de 89 mil toneladas, portanto no próximo ano poderemos ter um defice de quase 200 mil toneladas. Se a situação continuar desta forma como está, não podemos evitar isso, que seria muito mau para o país. O ministério de agricultura, devido à situação que se regista no terreno, deve preparar um plano de contingência para submeter aos diferentes doadores internacionais no sentido de apoiar a Guiné-Bissau.
O Governo deve estar à altura de sensibilizar os doadores de que o país se depara com a seca por causa da ausência da chuva, e a produção agrícula baixou-se muito, pelo que é preciso apoiar as autoridades no sentido de prestarem ajuda aos camponeses no terreno. O executivo deve lutar para conseguir apoios no sentido de levar aos produtores, para que não venham a passar fome.
Se não conseguirem produzir por causa da falta da chuva é verdade que isso terá implicações graves na vida dos camponeses, que até poderá influênciar a venda das suas castanhas no preço muito baixo aos comerciantes que sempre aproveitam destas situações. Mas se têm algo para comer, creio que irão conseguir resistir com os comerciantes, a fim de poderem vender as suas castanhas num bom preço.
D: Está a dizer que o executivo ofereça arroz aos camponeses vítimas da seca?
RND: Claro. O Governo procura junto dos seus parceiros internacionais uma grande quantidade de arroz para oferecer aos camponeses que não conseguiram produzir por causa da falta da chuva, a fim de evitar as consequências que a mesma pode criar.
D: Em alguns países, se declara as zonas mais afectadas de “zonas de emergência”. Acha que as autoridades do país deveriam declarar também as zonas mais afectadas pela seca de “zonas de emergência”?
RND: Temos três zonas de grandes produções, que se denomina de zonas agro-ecológica, que são a zona sul, leste e norte. Portanto, todas essas zonas são afectadas pela seca, por isso os apoios recebidos pelas autoridades devem ser estendidos para todo o território nacional. No leste, se produz mais o arroz de baf-onds, com o problema da falta de chuva que se regista, vai haver problemas com o arroz. Só não os terão aqueles que têm condição de fazer a irrigação dos seus campos agrícolas, devido às infra-estruturas montadas para o efeito. Leste não depende 100 por cento da chuva, porque existem privados com grande capacidade técnica que operam naquela zona. Enquanto o sul e o norte dependem 100 por cento da água de chuva, portanto essa é a grande dificuldade dessas zonas.
No meu ponto de vista, a zona sul e uma parte do norte devem ser declaradas zona de grandes dificuldades. Como se sabe, o sul produz mais de 85 por cento de arroz de mangrove, mas o seu sucesso depende da chuva. Por isso, deve ser considerado de zona que terá grandes dificuldades nos próximos tempos e que precisa de apoios.
Norte está dividido, de maneira que há uma parte que usa o arroz de baf-onds e outra parte usa grande quantidade do arroz da água salgada (mangrove), sobretudo a região de Biombo. Esta região não tem arroz da água doce (baf-onds), apenas se prática a produção de mangrove, se não houver a chuva terá enormes problemas.
Para mim, uma das regiões mais vulneráveis nesta situação é o Biombo, porque a alternativa de culturas alimentares é muito pouco. Biombo depende apenas do arroz de mangrove e da castanha de caju. Então, se houver problemas com a produção de arroz do mangrove, isso seignifica também que haverá problemas com caju que vai ser vendido ou trocado num preço baixo para garantir a sobrevivência.
D: O problema da insuficiência de chuva tem vindo a se verificar no país nos últimos tempos. Na qualidade do técnico de agricultura o que é preciso fazer para criar as infra-estruturas de retenção da água de chuva, a semelhança de outros países?
RND: A nossa agricultura é altamente tradicional, mas a maior verdade é que não podemos continuar nesse caminho. Temos que mudar às coisas pela positiva, se na verdade queremos apostar na agricultura como a força da nossa economia. É verdade que o nosso governo não tem capacidade de investimento, por isso se continua verificar a agricultura tradicional arcaico de escavar a terra com pequena enxada para preparar o solo.
Temos grande quantidade da chuva e mesmo com este 34 mil metros cúbicos da água de chuva que vai para o mar, noutra parte do mundo é muito bem aproveitada para a irrigação do campo agrícola, que permite uma boa produção. Tem de haver um investimento sério na agricultura, e isto passa pela criação das infra-estruturas do ordenamento hidro-agrícolas.
D: Quais são as infra-estruturas que deveriam ser criadas para melhorar o sector de agricultura?
RND: Para os campos da produção de baf-onds, devem ser construidas as micro-barragens intermetentes, porque um baf-onds pode ter 20 quilómetros de cumprimentos e um ou dois quilómetros de largura. Ao construir uma barragem intermetente que vai permitir retardar a água da chuva, portanto terá a capacidade técnica de controlar a água. A barragem será regulada para controlar a água e terá a capacidade de fazer passar certa quantidade da água que não quer e ao mesmo tempo manter certa quantidade que quiser, a fim de permitir que o arroz se desenvolva.
A construção das micro-barragens nas zonas de baf-onds, sobretudo para leste do país é muito importante, ou então, é indispensável fazê-la no sentido de fazer uma boa agricultura. Se observarmos, o vale de Geba, que tem 25 mil hectares de terras de boa fertilidade, mas, ao chover apenas um pouco, o rio enche-se de água da chuva, assim não tem mais condição para a produção de arroz por causa da chuva.
Essa situação leva as populações daquela zona a descer para as bolanhas para produzir o arroz que se chamam de “sete metros”, que consegue suportar a água até dois metros de altura. Este arroz, chamado “sete metros”, com um rendimento de 600 a 700 quilogramas por hectares, é muito baixo. O vale de Geba que tem um grande rio, ao nosso ver, pode ser aproveitado para a construção dos diques contra a inundação que sobe até no planalto, portanto isso permite proteger a zona que inundava.
Com a construção dos diques contra a inundação provocada pelo transbordo do rio para as zonas excelentes para a produção de arroz e protegendo as zonas que inundava através da água de chuva, vai se poder trabalhar dois ou três vezes por ano através da utilização de arroz de ciclo curto, dado que já tem a forma de retenção de água da chuva, que pode servir da irrigação durante a época da seca. Essas são infra-estruturas indispensáveis que se deve criar, se, na verdade, queremos pôr a mão na lama para trabalhar. Quero chamar atenção a uma coisa: é que não podemos limitar apenas a construir infra-estruturas de barragens e micro-baragens. Mas também temos de construir pistas rurais que ligam com as zonas da produção de forma a facilitar a evacuação dos produtos.
…(faltam parte 2 e 3; a seguir)…
















