Diretor-geral do IBAP: “FALAR DA BIODIVERSIDADE NA GUINÉ-BISSAU NÃO É UM LUXO”

[ENTREVISTA] O Diretor-geral do Instituto da Biodiversidade das Áreas Protegidas afirmou que conservar a Biodiversidade na Guiné-Bissau “não é um luxo”, porque o país não tem indústrias que possam render economicamente e toda a sua economia, quer ao nível local das comunidades de base quer ao nível da sua macro economia, os produtos explorados da Biodiversidade (cajú, os recursos pesqueiros, a floresta e a própria diversidade agrícola) são todos estes elementos a base da economia da Guiné-Bissau.

Justino Biai destaca que foi nesta perspectiva que técnicos ligados ao setor e que têm trabalhado nesta área nunca pouparam esforços para acompanhar as mudanças (cíclicas instabilidades) que ocorrem a nível dos decisores (dirigentes), para persuadi-los de que conservar a Biodiversidade na Guiné-Bissau “não é um luxo” . 

O Diretor-geral do IBAP afirmou que, comparativamente a outros países da sub-região e do mundo, o aspeto da Biodiversidade na Guiné-Bissau está bem patente, ou seja, é notável. 

Em entrevista a jornal O Democrata, Justino Biai nega que algo tenha falhado na maior luta do IBAP que continua a ser a sensibilização das populações bem como das estruturas do Estado quanto à Biodiversidade. Todavia, deixa a possibilidade de haver insuficiência nos trabalhos de sensibilização e de não ter atingido significativamente o patamar que a instituição gostaria de ver consumado favoravelmente, porque existem valores que a Biodiversidade tem tanto para o bem-estar como para a economia do homem, mas que em grande medida são desconhecidos ou ignorados por muitos.

“Nunca nos cansaremos. Vamos continuar a persuadi-los. Embora seja difícil, sobretudo num país pobre, onde não se consegue resolver as necessidades básicas das populações e pagar salários aos funcionários públicos, dificilmente vai-se priorizar a discussão a volta da Biodiversidade. Mas se refletirmos um bocadinho e tomarmos em consideração o cajú, o primeiro produto da economia nacional, e ainda compreendermos eficientemente que a castanha sem a Biodiversidade que o contorna, não poderá ter a produtividade que tem, concluiremos que não podemos fugir da discussão sobre este setor, porque sustenta a nossa economia”, detalhou. 

Na sua observação, o método mais eficiente para que os trabalhos do IBAP cheguem às populações e ao Estado de forma eficiente seria o de intervir diretamente nas suas atividades do dia a dia, mostrando-lhes que a maioria da população guineense é rural e que as suas atividades do campo dependem grandemente da chuva, da fertilidade do solo, da saúde dos ecossistemas e dos recursos pesqueiros.

Neste sentido, alerta que se o país não tiver um ecossistema são e os seus recursos forem poluídos, não terá a pesca. Como também se os solos forem invadidos, como está a acontecer agora paulatinamente com os sacos plásticos, com certeza que a Guiné-Bissau continuará a ter problemas ambientais, porque a terra não terá a capacidade de infiltração da água nem a catiônica entre diferentes camadas de subsolo e as plantas semeadas, consequentemente, se o ar for poluído, a população não terá boa saúde. “Portanto, são estes fatores que contribuem para que tenhamos boa produtividade agrícola”.

“São fatores da Biodiversidade. Tanto o ar a água o sol assim como os elementos bióticos (as plantas e a fauna) que contribuem grandemente para que possamos continuar a ter a produtividade nas nossas lavras”, acrescentou.

JUSTINO BIAI: DECISORES DEVEM ULTRAPASSAR CERTOS IMPERATIVOS E DISCUTIR A BIODIVERSIDADE

Quanto aos decisores (dirigentes), Justino Biai entende que há imperativos que devem ser ultrapassados pelos decisores, ou seja, pôr na mesa de discussões a contribuição económica da Biodiversidade, mostrar o quanto este setor vale economicamente e integrá-lo no Produto Interno Bruto (PIB)

“Isso já está acontecer em muitos países do mundo e a Guiné-Bissau tem que enveredar também por este caminho, porque muitas vezes, para os dirigentes ou decisores, o que conta é a contribuição económica, a parte financeira. Mas a Biodiversidade contribui em grande medida para a nossa economia. Infelizmente, as pessoas não têm informações precisas sobre isto, pelo que é preciso trabalhar neste domínio e mostrar o quanto o serviço de ecossistema contribui para a nossa economia”, avisou.

Não descarta, no entanto, a ideia de o IBAP ser incluído no Orçamento Geral do Estado como uma “a outra face da moeda”, por isso entende que o Governo não deve ficar a espera que venham de fora projetos dos parceiros bilaterais e multilaterais para permitir que a instituição esteja à altura de sustentar estas necessidades, cumprir com a sua missão de gerir as áreas protegidas e seguir a Biodiversidade, sobretudo, ameaçada.

Em relação às eventuais ameaças ao Parque Natural de Buba e a sua possível extensão como um Parque, o Diretor-geral do IBAP reconhece que de há um tempo a esta parte registaram-se algumas dinâmicas a que ninguém se opõe, porque a Guiné-Bissau precisa desenvolver-se, mas deve ser um processo de desenvolvimento pensado, projetado e racional. Quanto à instalação da Central Elétrica de Buba no interior do Parque, Justino Biai deixa claro que o IBAP estaria confortável se tivesse havido um estudo científico que indicasse que, imperativamente, dadas às condições climáticas, esse lugar era o único adequado para a implantação da Central. “Mas não houve um estudo sobre o impacto, não nos foi apresentado projeto e instalou-se a Central no interior de uma área que o próprio Governo  já tinha decretado para outros fins”.

“Foi dito que a Central deverá cobrir a necessidade da energia ao nível das regiões de Quínara e Tombali, mas se assim for, então temos ainda espaço mais do que suficiente onde a Central poderia ser instalada, evitando todos os possíveis conflitos. Infelizmente, as nossas intervenções não são baseadas em fatos científicos, técnicos plausíveis, mas muito mais para o populismo. Portanto, nunca vamo-nos opor à instalação da Central em Buba. Mas porquê só naquele lugar?”, questionou, sublinhando que tudo deve ser planificado, porque o desenvolvimento “não cai do Céu”.

JUSTINO BIAI PEDE COMPREENSÃO SOBRE A EXISTÊNCIA DO PARQUE DE CUFADA

Recentemente, a população local (Buba) fez um conjunto de reclamações sobre o reajustamento do espaço (parque local) para permitir que se faça mais construções de outras infraestruturas na zona em questão. Sobre este assunto, Justino disse que é preciso compreender, primeiramente, a razão da criação ou existência do Parque Natural de Lagoas de Cufada, enquanto bacias de retenção da água doce. 

Neste sentido, deixou em aberto que se um dia o país quiser redimensionar o Parque Nacional de Lagoas de Cufada e reclassificá-lo, isso poderá ser feito, mas pede que as pessoas compreendam que a Lagoa de Cufada não é um ponto no “i”, porque tem seus braços, o sistema que alimenta e que faz com que continue a desempenhar o seu papel como a maior bacia de retenção e filtração da água doce que lança, atingindo a camada de subsolo e as águas subterrâneas e essas águas subterrâneas, que por sua vez alimentam as fontes utilizadas pelos humanos ao nível de toda a região.

“Se diminuirmos o tamanho da Lagoa de Cufada e deixarmos as infraestruturas irem até aos braços, significa que a capacidade de retenção da Lagoa vai diminuir cada vez mais. Estamos a viver um fenômeno ao nível da Lagoa de Cufada que é o surgimento das ervas invasoras, porque a volta da Lagoa (zona de planalto) faz-se cultivo e desbrava-se a floresta seja ela clara ou densa. Na época das chuvas, o solo e subsolo dessa floresta devastada é arrastado para as zonas mais baixas, o que está a permitir que as ervas possam ter condições climáticas ideais para o seu crescimento. Isso significa que a Lagoa está a perder o papel ecológico e económico que desempenhou no passado cada vez mais”, notou, alertando que se a Lagoa desaparecer, o país terá que organizar cisternas para suprir a necessidade em água potável da população de Buba.

Confirma, contudo, as informações em como o espaço do Parque Natural de Buba está a ser urbanizado para beneficiar terceiros e diz que tudo tem a ver com as dinâmicas dos últimos tempos, sobretudo quando se anunciou a construção do porto do rio grande de Buba e a Central elétrica, o que suscitou interesses de muitas pessoas em adquirir espaço naquela cidade promissora.

“Se um dia o país quiser extinguir o Parque, terá que trazer justificações plausíveis que possam convencer o mundo, não com base de uma propaganda governativa ou por vontade política própria”, insiste.

O IBAP, por exemplo, gere neste momento sete áreas protegidas diretamente e contribui na gestão de outra área protegida, que é a área marinha protegida comunitária de Uroc, através da sua participação no Conselho de Gestão, na fiscalização e  no processo de pesquisa.

Quanto às áreas protegidas com maior risco de ameaça, o Diretor-geral do IBAP explica que essa situação depende da posição geográfica de cada uma delas e dos elementos da Biodiversidade que lá se encontram. Essas áreas protegidas, segundo Justino Biai, estão divididas em três categorias: áreas protegidas terrestres (no interior do continente), marinhas costeiras (que se encontram ao longo da costa) e as áreas protegidas insulares (no Arquipélago dos Bijagós).

 “O tipo, nível e grau de ameaça varia de uma área à outra. Se nas áreas protegidas terrestres, o corte das árvores e atividades de caça clandestina constituem uma das maiores ameaças, nas áreas protegidas costeiras e insulares, a problemática da pesca inapropriada feita, na sua maioria por pescadores dos países vizinhos, é uma das maiores ameaças”, explicou, acrescentando que outro fator de ameaças  nas áreas protegidas terrestres tem a ver com a expansão do pomar de cajueiros, porque é mais expressiva nessas áreas do que na zona insular e costeira.

Para o ambientalista guineense, um dos documentos que o IBAP tem para a gestão da sua Biodiversidade é o seu documento estratégico que teve a sua vigência até 2011. Recentemente elaborou um novo documento (atualizado), que é a continuidade do anterior, para poder adaptar a sua estratégia de gestão aos contextos locais, nacional e mundial, permitindo assim financiamentos que possam fazer funcionar a Fundação Bioguiné.

“CONVIVÊNCIA ENTRE POPULAÇÕES NO INTERIOR E FORA DOS PARQUES GERA CONFLITOS”

Na mesma entrevista, o Diretor-geral do IBAP afirmou que a convivência tanto da população residente dentro dos parques como fora deles tem suscitado recorrentemente situações de conflito, porque nem sempre cai bem às populações quando o Estado expulsa um determinado grupo de pessoas da sua zona de origem- autóctone – para criar uma área protegida. Quando assim se procede, abre-se a possibilidade para conflitos, porque cada vez a população quer explorar mais e mais o que se encontra no interior dos parques.

“Felizmente, nós na Guiné-Bissau mantemos a população dentro dos parques com a filosofia de que o parque é para a população e isto tem contribuído de forma significativa em dirimir certos conflitos. Nos parques temos recursos naturais que devem ser explorados pela população do parque para a sua sobrevivência, mas nós, o que tentamos fazer é discutir com as populações para que essa exploração seja sustentável e feita de uma forma  racional para garantir o não esgotamento desses recursos”, explicou, esclarecendo que mesmo assim não tem sido fácil, sobretudo com o interesse económico que o mercado oferece.

IBAP GERE 26,3 POR CENTO DO TERRITÓRIO NACIONAL

Neste momento, segundo avançou Justino Biai, o IBAP está a gerir 26,3% do território nacional, mas não é um espaço da gestão autónima do IBAP, ou seja, o IBAP atua em parceria com as outras estruturas e as comunidades locais, porque dentro das preocupações da gestão das áreas protegidas entra também a necessidade de desenvolvimento e o bem-estar das comunidades locais. Contudo, avança que não será fácil abarcar tudo isso num Orçamento Geral do Estado e nem é factível. Por isso defende que o Estado recorra a outras vias como às algumas taxas dos setores que têm destruído a Biodiversidade e o ecossistema e ver como é que essas áreas podem entrar, em termos de compensação dos danos que têm ou vão provocando.

No que concerne à implementação da Convenção da Diversidade Ecológica na Guiné-Bissau, Justino Biai mostrou-se inquieto quanto à forma como a Biodiversidade tem sido gerida “irracionalmente” até aqui. Por isso defende que haja “distribuição equitativa” dos recursos naturais  e o uso sustentável da Biodiversidade, enquanto uma das principais preocupações da Convenção. 

“Existe uma enorme diferença entre os países detentores da biodiversidade, sobretudo os nossos países com os países do norte e das Américas, com mais meios e tecnologia para transformar esta biodiversidade, e muita das vezes acontece que coletam os nossos produtos da biodiversidade transformam-nos em outras matérias genéticas e tudo que é útil para o mercado é vendido”, revela.

O documento, a convenção sobre a diversidade biológica, vigora desde 1993. E a Guiné-Bissau, enquanto parte de Concertos das Nações, só assumiu o instrumento como assinante e contratante a 27 de outubro de 1995, altura em que foi aprovado e ratificado pelo Presidente João Bernardo Vieira.

A Convenção de 1993 quer que a Biodiversidade seja conservada e que o uso de tudo que dela resulta (benefícios e as vantagens) sejam sustentáveis e partilhadas de forma equitativa.

A 22 de maio último, o IBAP realizou a Conferência Nacional sobre a implementação da Convenção da Diversidade Ecológica na Guiné-Bissau, na qual os ambientalistas afirmaram que a economia e a sobrevivência da maioria da população guineense dependem diretamente dos recursos produzidos pela natureza. 

Neste sentido, sublinham que é urgente que cada um, a sua medida, faça o que está ao seu alcance para reduzir a destruição da natureza.

O encontro organizado pelo Instituto da Biodiversidade e das Áreas Protegidas (IBAP) e decorreu, justamente, no âmbito do dia internacional da Biodiversidade e 25 anos da Convenção sobre diversidade Biológica no mundo.

 

 

 

Por: Filomeno Sambú

Foto: FS

Junho de 2018

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