Opinião: OS ECOS DA ECO: A MOEDA COMUM DA CEDEAO

No entender de alguns economistas africanos a possível entrada em circulação da moeda única da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) prevista em 2020 é uma janela de oportunidade que poderá trazer bons ventos para a saúde económica da sub-região. Já para outros, trata-se de um forte alarme que indica a entrada numa zona de turbulências cuja duração nem o piloto pode revelar. Daí surge uma questão: o que será dos países da CEDEAO com a ECO em circulação? Quais as vantagens e inconveniências dessa moeda? A resposta a estas e outras questões constituem o principal objectivo deste artigo.

Contexto 

A CEDEAO foi criada em maio de 1975 pelo Tratado de Lagos, por um grupo de 15 países (o Benim, o Burkina Faso, o Cabo Verde, a Costa do Marfim, a Gâmbia, o Gana, a Guiné-Conakry, a Guiné-Bissau, a Libéria, o Mali, o Níger, a Nigéria, a Serra Leoa, o Senegal e o Togo) e o seu mandato é promover a integração económica em todas as áreas de actividade dos Estados-membros. A Visão da CEDEAO é de «estabelecer uma região sem fronteiras, onde a população acede aos recursos abundantes da região e demonstra a capacidade de os explorar pela criação de oportunidades num ambiente sustentável».

Aqui temos, no entanto, um espaço económico e social muito heterogéneo. No que diz respeito ao peso económico e a representação demográfica, a CEDEAO é consideravelmente dominada pela Nigéria que representa cerca de 52% da população e 65% do Produto Interno Bruto (PIB) da sub-região. O Cabo-Verde é o país com o menor número de população (0,5%) e representa 0,3% PIB da comunidade. A Guiné-Bissau é a menor economia da sub-região, representa apenas 0,2% do total do PIB e 0,5% do total da população da CEDEAO.

O segundo maior país em termos demográficos e económicos é o Gana, com respectivamente 7,8% da população total e 10,8% do PIB. A repartição demográfica e económica da CEDEAO é apresentada na Figura 1.

Figura 1

O projecto da moeda única

A CEDEAO engloba duas (02) zonas monetárias: (i) a União Económica e Monetária da África Ocidental, de sigla UEMOA, criada em 1973 por um grupo de oito países (Benin, Burkina Faso, Côte d’Ivoire, Guiné-Bissau, Mali, Níger, Senegal e o Togo), que partilham a mesma moeda (FCFA) ancorada ao Euro e (ii) a Zona Monetária Oeste-africana (ZMOA) criada em 2000, por cinco países (Gana, Gâmbia, Nigéria, Serra Leoa, Guiné-Conakry) e posteriormente contou com a adesão da Libéria e de Cabo-Verde. Inspirado no modelo da União Europeia, a ZMOA foi criada com o objectivo de estabelecer uma zona de convergência macroeconómica que deveria dar origem à moeda única da África Ocidental.

Para introduzir a moeda única, os Chefes de Estado da CEDEAO tinham dois projectos na mesa. O primeiro projecto consistia em extensão da zona UEMOA ao resto dos países da comunidade. Esse projecto oferece uma moeda estável com uma garantia de convertibilidade da França, na sequência do tratado da UEMOA assinado em 1973. Os oito países que compõem a UEMOA apresentam os indicadores macroeconómicos quase homogêneos e totalizam cerca de 21% do PIB da CEDEAO. O segundo projecto sugeria o abandono do FCFA e outras 7 moedas. Esse projecto foi iniciado pelos países da ZMOA e defende a definição de um sistema de referência consensual, ao qual cada país membro deve cumprir num horizonte temporal definido. Esses critérios de convergência repousam essencialmente, sobre o nível da inflação, o défice público, a dívida pública e as reservas cambiais a fim de garantir uma certa homogeneidade dos indicadores macroeconómicos e, por conseguinte, a estabilidade monetária na zona comum. Entretanto, o peso económico da ZMOA que representa cerca de 79% do PIB da comunidade acabou por decidir pelo segundo projecto.

A difícil concretização do projecto ECO

A entrada em circulação da moeda única inicialmente prevista para Dezembro de 2009 foi deferida para Janeiro 2015 e, em seguida postergada para 2020. Esse deferimento é justificado, entre outros, pelo fraco avanço dos Estados membros no cumprimento dos critérios de convergências fixados. Na verdade, o relatório de convergência de indicadores macroeconómicos de 2016, apresentado no quadro a seguir, demonstra que nenhum critério foi respeitado por todos os países membros da CEDEAO.

Ainda segundo o mesmo relatório, apenas um país (a Libéria) conseguiu respeitar os critérios estabelecidos. Com a excepção do rácio do défice orçamental/PIB, a maioria dos países da UEMOA respeitam os 5 critérios de convergência, excepto o Togo que segue 4 critérios, com o rácio da dívida pública/PIB acima do limite. O Gana, a Serra Leoa e a Gâmbia são os mais atrasados em termos de convergência, todos com apenas 2 critérios respeitados. Nota-se as dificuldades dos Estados membros da CEDEAO no que diz respeito ao cumprimento da disciplina fiscal, nomeadamente o limite do défice orçamental fixado a 3% do PIB. Em 2016 apenas 3 países (Guiné-Conakry, Libéria e Nigéria) conseguiram manter-se nos limites. Nota-se igualmente, a persistência da inflação na Nigéria, Gana e Serra Leoa com índices aproximadamente de 15,7%, 17,5% e 10,8% respectivamente.

No que respeita aos critérios de segundo nível, observa-se uma intensa volatilidade das moedas da Nigéria (-23,5%), a Serra Leoa (-19,1%) e a Guiné-Conakry (-16,4%) contra uma banda de flutuação fixada entre -10% e +10%. No que refere o rácio da Dívida Pública, os outsiders em 2016 são: Cabo-Verde (128,6% do PIB), Gâmbia (117,3% do PIB) o Togo (79,4% do PIB) e Gana (73,1% do PIB).

Não obstante o crescimento económico da sub-região de 3% em 2018 e de 3,4% esperados em 2019, a situação do rácio défice orçamental se deteriorou, segundo o relatório de 2017. Cinco (5) países cumprem a norma contra sete (7) em 2017. Por outro lado, há melhorias em termos de conformidade com os critérios de inflação e o financiamento do défice orçamental pelo Banco Central, respectivamente 12 e 14 do número total de países que atendem a esses critérios.

O modelo monetário da moeda única – ECO

Em sua reunião de Junho de 2019, o comité ministerial do programa da moeda única da CEDEAO adoptou, por consenso, “ECO” como denominação a da sua moeda. Entre os temas debatidos durante a reunião figuram questões como o estado da convergência económica, o regime cambial, a estrutura da política monetária, e modelo do Banco Central.

Segundo o mesmo relatório, o modelo adoptado é de um Banco Central Federal que contara com os Bancos Centrais dos países membros como estruturas operacionais na execução do seu mandato. O regime de câmbio será flexível, isto é, sem âncora cambial a uma moeda externa.

As perspectivas económicas positivas

Um dos objectivos de criação da moeda única da CEDEAO é de facilitar as trocas comerciais entre os Estados membros sem barreiras cambiais. De facto, se o projecto for adequadamente implementado, vários países que actualmente apresentam enormes dificuldades em converter as suas moedas locais terão a possibilidade de ter uma moeda fácil de converter. Assim, cada país poderá se especializar na produção de determinados bens, dos quais, os outros países terão  necessidade de aprovisionamento, intensificando as trocas comerciais internas e substituindo as importações fora da zona.

Para que isso aconteça devidamente, será necessário implementar um mecanismo de reciclagem de excedentes, ou seja, os países excedentários deverão investir uma parte dos seus excedentes financeiros em projectos produtivos dos países deficitários, gerando impostos e reforçando as suas capacidades produtivas. Feito isto, o impacto desses investimentos no rendimento e no bem-estar das famílias deixará o terreno fértil para escoamento de novos produtos dos países excedentários. E no fim, todos saem a ganhar. Desta forma, o projecto poderá resolver outros problemas tais como a fraca autonomia monetária. O Banco Central Federal poderá, sem interferência estrangeira, conduzir uma política monetária direccionada aos verdadeiros desafios internos da região e facilitar a competitividade externa. Dito de outra forma, a política monetária passará a ser um instrumento estratégico para o desenvolvimento da região.

As perspectivas económicas negativas

A estabilidade económica da zona dependerá essencialmente, da homogeneidade dos indicadores macroeconómicos e das políticas económicas da Nigéria, tendo em conta o seu papel hegemónico na economia da CEDEAO. Por outras palavras, a Nigéria será quem determina o ritmo de dança e os outros terão que assimilar quanto mais rápido possível esse ritmo para que a “festa” continue. É de referir que a economia nigeriana é consideravelmente exposta aos choques externos o que justifica a sua intensa volatilidade.

A maioria dos países da ZMOA estão habituados à flutuações cambiais e pressões inflacionárias,  enquanto os países da UEMOA contam com uma moeda estável e com a inflação sob controle. Porém, os países da UEMOA terão que abdicar desse conforto em detrimento de outras vantagens oferecidas pelo novo projecto. Existe uma forte probabilidade de os países com stock de dívida elevada terem de suportar elevados serviços da dívida em consequência de uma eventual desvalorização da moeda comum aquando da fixação da sua paridade e, de mesmo modo, que se espera uma forte fuga do capital estrangeiro devido a incerteza que será implantada no período de adaptação.

Considerações finais

A entrada em circulação da moeda única da CEDEAO depende da vontade política dos Estados membros no que concerne ao cumprimento dos seus compromissos. Essa vontade deve refletir-se imediatamente nas suas políticas públicas. A Nigéria terá um papel crucial para a estabilidade económica da zona e antes de tudo deve controlar as flutuações do “naira” e a evolução dos preços ao nível requerido.

Quanto à capacidade de absorção de devisas para atender as necessidades de importação, as três grandes potências económicas (Nigéria, Gana e Côte d’Ivoire) são simultaneamente dos maiores exportadores de matérias primas em África e apresentam balanças comercias geralmente positivas. Os países deficitários em termos de comércio internacional têm menor peso económico e os seus défices serão absorvidos pelos grandes exportadores sem pôr em causa a cotação da moeda local.

Por: Suleimane DJALO,

Economista financeiro,

Pesquisador INEP Guiné-Bissau

Agradecimentos: aos Profs. Drs. Mamadu Lamarana Bari e Sandro Mendonça, pela contribuição crítica.

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