Inundação e erosão costeira: ESPECIALISTA RECOMENDA MEDIDAS ESPECIAIS PARA SALVAR DJOBEL E BAIRROS DE CUNTUM E QUELELÉ

O especialista e autor do livro “Risco e Adaptação Costeira às Alterações Climáticas – Estudos de caso na Guiné-Bissau”, Morto Baiém Fandé, disse que é extremamente urgente, em certas zonas, a aplicação de medidas especiais, na ilha de Djobel, na secção de Suzana, e alguns bairros de Bissau, como Cuntum Madina e Quelelé, que segundo ele, já são severamente afetados pela inundação costeira e levando em alguns casos ao abandono de residências e bolanhas.

“Melhoria da capacidade institucional, investigação científica e formação, melhoria da educação, capacitação, informação e sensibilização e envolvimento das populações locais, plantação, reforço da vegetação costeira e a construção, melhoramento de diques anti–sal são entre outras medidas propostas no livro” explicou o especialista na entrevista ao Jornal O Democrata para falar das medidas a  adotar para salvar as zonas sob ameaça de inundação no país, sobretudo a ilha de Djobel e a praia de Varela, na secção de Suzana, setor de São Domingos e alguns bairros de capital Bissau.

“Nós temos duas coisas que podemos fazer em relação às alterações climáticas. Uma é mitigação, quer dizer, tomar medidas que permitam a redução de gases de efeito de estufa que causam o aquecimento global. Nessa parte, somos dos países que menos contribuem para o aquecimento global porque geramos muito poucos gases de efeito estufa. Mas sofremos muitas consequências do aquecimento global. Agora, a nossa ação deve-se concentrar principalmente na adaptação” disse, acrescentando que o governo precisa apoiar a comunidade, trabalhar e planificar, sobretudo trabalhar e desenvolver ações adequadas no terreno devido a limitação de meios financeiros do país.   

O Democrata (OD): Lançou recentemente o livro “Risco e Adaptação Costeira às Alterações Climáticas – Estudos de caso na GUINÉ-BISSAU”. Fala-nos resumidamente do seu primeiro livro?

Morto Baiem Fandé (MBF): Este livro fala do risco e adaptação costeira às alterações climáticas. Sabemos que as alterações climáticas são um fenómeno que está a preocupar todo o mundo, desde cientistas a pessoas comuns, porque é uma situação grave que afeta a nossa vida em todos os aspectos. Aqui na Guiné-Bissau, um dos setores mais críticos é a zona costeira. Então, este trabalho é focado nas alterações climáticas, mas na zona costeira. Um dos maiores problemas na zona costeira é a subida do nível médio do mar e os seus impactos na zona costeira, neste caso demos ênfase à erosão costeira, à inundação costeira e a introdução da água salgada.

Esses são os fenómenos abordados: avaliar a erosão, a inundação costeira considerando cenários de subida do nível do mar, resultante das alterações climáticas. Sabe-se que estamos a viver uma época interglacial, uma época em que está a ocorrer o aquecimento global e esse aquecimento global tem efeitos. E um dos efeitos é a subida do nível do mar que tem vindo a subir há muitos séculos e vai continuar a subir no futuro. Então, há consenso da parte dos cientistas de que realmente a subida de nível do mar está a ocorrer e vai continuar, mesmo que sejam cumpridos os protocolos internacionais sobre a mitigação e/ ou mesmo que neutralizemos as emissões, o nível do mar vai continuar a subir por causa das emissões passadas. A temperatura atual vai continuar a aquecer o planeta, mesmo se não houver mais aumento da temperatura.

O fundo do mar vai ainda se aquecer e sabe-se que a água, ao ser aquecida, aumenta de volume. É isso que está a acontecer. Aqui na Guiné-Bissau, somos um país costeiro. Tirando a região de Gabú, o resto do país é zona costeira, embora haja zonas parcialmente costeiras, por exemplo, Bafatá. Aqui no livro selecionamos três áreas de estudo, nomeadamente no setor autónomo de Bissau, Bubaque e a Secção de Suzana. Fizemos uma avaliação da erosão e inundação costeira, usando cenários existentes de projeção da subida de nível do mar, avaliamos a susceptibilidade à inundação, a terra que está em risco de inundação, fizemos a quantificação das zonas e das populações que seriam afetadas pelas futuras inundações.

A questão da erosão é um fenómeno visível na secção de Suzana, concretamente em Varela. Fizemos a mensuração para saber quantos metros de terra são perdidas por ano na praia de Varela. O período de avaliação foi do ano 1976 até 2017. Nessa quantificação, observamos como é que a linha de costa evoluiu de 1976 até agora, desde a fronteira até fóz do rio Cacheu e o que constatamos é que há setores da costa que estão em erosão, mas também ocorre um processo contrário que se chama de acreção, ou seja, quando ganhamos a terra, quando a terra avança para o mar. Esse processo é verificado na zona de Catão, Djufunco, Edjim e Sucudjak. Mas o que nos interessa é o processo de erosão, que causa enormes prejuízos como destruição de infraestruturas, do mangal, do ecossistema costeiro, da vegetação costeira, de campos agrícolas. Há localidades em que a taxa de erosão é menor e há outras onde a taxa é maior.

Quando as pessoas falam da erosão em Varela, falam concretamente da praia, mas a nossa surpresa é que o setor de costa com maior taxa de erosão não é ali, não naquela parte onde as pessoas nadam, é a zona sul de Varela quando se vai para a zona de catão. É a parte onde ocorreu a maior taxa de erosão pelo menos de 1977 até 2017. A taxa de erosão ali é quase 3 vezes maior que a taxa de erosão na praia de Varela.


OD: O livro fala de alterações climáticas. Uma temática mundial. Até que ponto a Guiné-Bissau está ameaçada por este fenômeno e quais são as possíveis soluções elencadas no teu livro para este fenómeno?

MBF: Eu disse aqui que somos um país costeiro. A maior parte das nossas infraestruturas e cidades, está localizada em áreas costeiras de baixa altitude. Por isso, é suscetível à inundação costeira. Além das infraestruturas, a população, a atividade econômica, a produção de arroz são feitas nessas zonas. O sistema de produção nessas zonas vai continuar a ser severamente afetado pela inundação costeira, além da erosão. E temos também a nossa biodiversidade, toda a nossa riqueza natural, nós temos áreas húmidas na zona costeira.

A concentração da população e de atividades econômicas que temos na zona costeira torna-nos um país vulnerável às alterações climáticas, principalmente a subida de nível do mar. Como sabemos também que aqui ocorrem tempestades tropicais, como aconteceu em 2015, que destruiu diques de bolanhas, cultivos de arroz e inundou muitas tabancas, como por exemplo, em Djobel. Com o aquecimento global, o que se prevê, é que há uma tendência de aumento de tempestades tropicais nas próximas décadas, como resultado do aumento da temperatura média global e isso vai tornar-nos ainda mais vulneráveis e vamos ter ainda nível de água mais alto. Quer dizer, o nível de mar em si vai causar inundação permanente, ou seja, a água sobe, aumenta um centímetro, há uma parte que vai inundar permanente, mas também vamos ter o problema de inundações temporárias que é quando acontece uma tempestade tropical.

No livro, propomos várias soluções e essas soluções variam de local para local. Por exemplo, para Varela, propomos uma medida leve que se chama tubo geotêxtil/sacos de areia, uma medida importante para a redução da erosão costeira nas praias balneares. Os seus impactos negativos incluem o défice de sedimento e a acentuação da erosão em áreas vizinhas desprotegidas, devido à limitação do trânsito na circulação da água. Outra medida, é o enchimento da praia (alimentação artificial da praia), proibir a construção à beira do mar, a criação de uma faixa de proteção costeira.

Uma faixa de proteção costeira é uma faixa de X metros, pelo menos 50 a 500 metros até ao mar, em que o Estado proíbe a exploração de recursos naturais, proíbe as construções para habitação, a agricultura. Na secção de Suzana e em Bubaque como são zonas rurais pode-se deixar uma faixa de proteção muito intensa. E nessa faixa de proteção plantam-se árvores para evitar a erosão. Também propomos mudar a população e as atividades/ infraestruturais em áreas de risco.

Esta medida é importante nas três áreas de estudo, mas extremamente urgente em certas zonas, como a Ilha de Djobel, na secção de Suzana, e alguns bairros de Bissau, como Cuntum Madina e Quelelé, que já são severamente afetados pela inundação costeira, levando em alguns casos ao abandono de residências e bolanhas. A melhoria da capacidade institucional, investigação científica e formação, melhoria da educação, capacitação, informação, sensibilização e envolvimento das populações locais, plantação, reforço da vegetação costeira e a construção, melhoramento de diques anti–sal são entre outras medidas propostas no livro.


OD: O estado, através da câmara municipal de Bissau, continua a emitir licenças de construção nas zonas húmidas. Que perigo isso pode representar futuramente para o país?

MBF: Eu não diria futuramente, porque muitas casas já correm risco de inundações. Aliás, há casas abandonadas em Cuntum Madina. É um problema presente e que vai agravar-se no futuro, se se verificarem as projeções de subida de nível do mar previstas. Como eu disse, não é só a subida de nível do mar. Sabemos que ocorrem também tempestades tropicais. Eu penso que aquilo que estamos a verificar em Bissau, não só casas, mas também na zona de bolola, foram lá construídos armazéns e fábricas nas zonas húmidas.

Uma das funções das zonas húmidas é a recarga do nosso aquífero, mas também facilitam o escoamento de água pluvial da cidade para o mar. Então, quando as pessoas constroem nestas áreas húmidas tornam a cidade cada vez mais susceptível à inundação pluvial, porque a água não passa com facilidade para o mar e acaba por entrar nas casas das pessoas e sabemos que muitas casas aqui são precárias. Então, isto é um problema que temos aqui na cidade e que devemos tomar as providências para que noutras cidades costeiras não ocorra esse processo de ocupação.

O que está a acontecer é muito grave e a Câmara Municipal de Bissau e o governo devem tomar medidas em relação a isso. Não se percebe como é que as pessoas conseguem autorizações para construir nessas zonas que são de risco, mas também zonas muito importantes. No futuro, o problema da subida de nível do mar vai continuar a agravar a situação, nomeadamente no Bissau velho, Cuntum Madina, e Quelelé, Marinha, Nações Unidas e Bolola. Essas zonas estão a ser afetadas, mas a situação vai ainda agravar-se.      


OD: Há quem defenda a introdução da temática ambiental no currículo escolar. Partilha da mesma ideia?

MBF: Eu partilho sim. É necessário. Nós temos alguns conteúdos ligados ao ambiente e às alterações climáticas, sobre as queimadas, erosão, corte de árvores, etc. Eu fiz um trabalho com os professores do Liceu Agostinho Neto, Rui Barcelos e Turquia sobre a educação para as alterações climáticas. Desse trabalho, percebe-se que há alguns aspectos de educação ambiental e alterações climáticas que são abordados em algumas aulas, mas não como uma disciplina autónoma. Devia haver uma disciplina autónoma. Mas para que isso aconteça é necessário formar os professores.

As questões do ambiente e alterações climáticas são problemas transversais. Na Escola Normal Superior Tchico Té foi já introduzida a cadeira de Educação Ambiental. Mas deveria haver em todos os cursos, universidades e centros de formação, uma cadeira de gestão ambiental e educação ambiental para que as pessoas possam ter a noção sobre essa temática.    


OD: Na tua opinião, o país está em condições técnicas e financeiras para enfrentar eventuais situações de alterações climáticas?

MBF: Condições praticamente não temos. Nós temos uma dependência total, porque o orçamento geral do Estado disponibilizado ao Ministério do ambiente só paga salários dos funcionários da instituição. De resto, temos uma dependência de financiamento internacional para fazer as atividades no terreno. Todos os projetos nesta área são financiados. Não há financiamento interno, não há fundos internos. O importante aqui deve-se passar a incluir um fundo de Adaptação no OGE, com vista a desenvolver trabalhos junto das comunidades afetadas pelas alterações climáticas.

Devia-se, pelo menos, consagrar um fundo de Adaptação para trabalhar, além das verbas que recebemos dos financiamentos de projetos internacionais, uma contribuição interna, um esforço interno ajudaria muito para apoiar as comunidades e permitir que os trabalhos cheguem a todas às comunidades que, muitas vezes, alguns projetos não abrangem.


OD: Enquanto engenheiro Ambiental e Sanitarista, qual deve ser a prioridade de momento da Guiné Bissau em matéria de alterações climáticas.

MBF: Nós temos duas coisas que podemos fazer em relação às alterações climáticas. Uma é mitigação, quer dizer, tomar medidas que permitam a redução de gases de efeitos de estufa que causam o aquecimento global. E nessa parte, somos dos países que menos contribuem para o aquecimento global porque geramos muito poucos gases de efeito estufa. Mas sofremos muitas consequências do aquecimento. Agora, a nossa ação deve concentrar principalmente na adaptação. Como lidar com os efeitos das alterações climáticas, como a subida de nível do mar, aumento da temperatura, a redução de precipitação.

Nós precisamos apoiar as nossas comunidades, trabalhar e planificar. É preciso pôr em prática as coisas. Trabalhar e desenvolver ações no terreno. Somos um país muito limitado em termos financeiros, porque a adaptação depende também dessa parte económica. Mas por mim, devia-se, nesta primeira fase, dar prioridade às zonas costeiras e adaptação da agricultura às alterações climáticas, fazer muito investimento nisso, porque nós somos um país dependente da agricultura, e essa agricultura está a ser seriamente afectada pelo aumento da temperatura, a irregularidade e diminuição de precipitação, a inundação e erosão costeira, o que está a ter efeitos negativos nas nossas comunidades. Por isso, a meu ver deve-se concentrar principalmente na zona costeira, agricultura e recursos hídricos que vão ter tendência de ficar cada vez mais escassos, porque a temperatura está a elevar-se.

Quando aumenta a temperatura aumenta a evaporação e evapotranspiração, e depois os poços ficam sem água e além disso a irregularidade da precipitação, o curto período que ela cai, isso afeta a nossa agricultura e a disponibilidade de recursos hídricos. Muitas lagoas e rios secam mais cedo agora do que em anos anteriores. Esse fenômeno vai afetar a nossa população, sobretudo os criadores de gado.

Esse tema de alterações climáticas deve ser apoiado pelos políticos e partidos políticos, porque são eles que governam. Devem ter algum conhecimento sobre as alterações climáticas, os seus efeitos e como combatê-los. Os formuladores de política devem dar muita atenção à zona costeira que é uma zona que está com problemas de agricultura, habituação em áreas de risco.

O que é importante é a formalização de uma política de ordenamento de território na zona costeira, temos que saber que aqui é para agricultura, aqui é para habitação, aqui não se deve pôr nada. Aqui na Guiné-Bissau não há colaboração efetiva para trabalhar. Os trabalhos de ordenamento do território na zona costeira devem envolver muitas instituições e sobretudo o ministério do ambiente.

Deve-se fazer esse trabalho, porque isso é muito importante para não expor as pessoas na zona costeira ao risco. Também deve-se fazer um mapeamento de toda a zona costeira. Um mapeamento de inundação, considerando os cenários de subida do nível do mar, saber que esta parte da terra está seca hoje, mas até 2030 ela vai ficar inundada e saber o que é que se deve fazer. Então, não ponho casa e vou reservar essas partes para outras atividades. Se continuarmos a trabalhar assim sem ordenar o território, vão aparecer sempre surpresa, mas hoje isso não deve constituir uma surpresa, porque a subida do nível do mar está a ocorrer.

Devemos ordenar o nosso território para saber, o que é que se deve fazer em cada parte da costa e o que não se deve fazer. Isto ajudaria bastante a evitar expor as pessoas ou as nossas atividades econômicas em áreas de risco. Eu não ponho uma fábrica que vai funcionar 50 anos numa zona que, dentro de 15 a 30 anos, não vai ter as condições para funcionar ali, porque vai estar inundada. É preciso o Estado proibir as construções em áreas baixas, porque o governo não tem uma política de realocar as pessoas que são afetadas pela inundação.

É preciso o governo trabalhar na sensibilização da população, capacitação, e reforço das instituições, trabalho que é feito pelas ONG deve continuar. É fundamental que as pessoas percebam o risco. Se as pessoas perceberem o risco, evitam-no. Muitas vezes as pessoas não sabem o risco real. Há pessoas que querem ter casa no centro da cidade, mas é preferível ter uma casa em Nhacra do que ter a casa na zona húmida, porque vai ser inundada pelo mar ou pela água pluvial. Então é melhor construir, mesmo numa zona distante do centro, mas num ambiente seguro.

Por: Tiago Seide

Foto: TS

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *