GRANDE ENTREVISTA: Administrador de Hospital Pediátrico de Bór: “ESTE HOSPITAL É DE REFERÊNCIA, TORNA-SE FEIO VÊ-LO PERDER QUALIDADE”

O administrador do Hospital Pediátrico de Bór, Alberto Luís Quematcha, disse em entrevista exclusiva ao semanário “O Democrata” que “o hospital é de referência pelo que torna-se feio vê-lo perder a qualidade”.
Sustentou ainda que está altamente preparado para gerir o pouco que tem em termos de recursos financeiros, mas que estes deixam muita falta e considera-os de fundamentais para o futuro do hospital.
Este responsável administrativo do Centro Pediátrico de Bór assinalou outros problemas que enfrentam e que têm a ver com os roubos. Lembrou ainda que chegou-se a roubar painéis solares que fornecem energia elétrica ao hospital. Até os copos das casas de banho são roubados.

Acrescentou ainda que, “quando assumi as funções de director-geral do hospital, encontrei garrafas de água de um litro e meio cortadas a meio e colocadas nas casas de banho para serem usadas pelos pacientes e tomei logo a decisão de comprar novos copos para reposição. Houve vozes que se levantaram a dizer não, a minha decisão”.

Perante todo este facto, lamentou a questão da falta de segurança com que o centro se depara, facto que poderá estar na origem dos frequentes roubos. Dentro dessa onda de roubo, referiu –se ao assalto que foi feita na casa dos hóspedes, tendo retirado painéis solares, de e que a sua própria viatura também escapou a essa sanha, pois fora saqueada.

Relativamente às perspectivas do centro, informou que este ano estão para ter mais missões médicas em relação a todos os tempos, graças ao esforço de Dr. Dionísio Kabi, através dos contactos que tem mantido.

“Quando cheguei ao Hospital, dei o meu apoio, porque percebi que se fizéssemos vir médicos aqui teríamos a possibilidade de tratar mais pessoas do que as pessoas saírem daqui e irem tratar-se lá fora. O próprio processo de junta de evacuação de pessoas não é um sistema fácil. Está cheio de burocracias devido a problemas financeiros que a Europa tem”, explicou.

O Democrata”: Não é fácil fazer funcionar um hospital privado. Será que o hospital vive apenas de receitas internas ou tem um financiador externo?

Aberto Luís Quematcha (ALQ): O Hospital não vive de uma forma autónoma, apenas das suas próprias receitas. Tem três fontes de receitas. A primeira fonte é o Estado, que afecta ao hospital de médicos e enfermeiros. Outro modo de financiamento é através dos nossos parceiros lá fora, precisamente associações italianas que apoiam e muito o hospital nomeadamente, PROGETO ANNA, POLIAMBULANCIA DE BRESCIA, VIGEVANO-PRABIS PIME (Pontifício Instituto das Missões Estrangeiras).

Estas organizações formam uma confederação de associações que apoiam o hospital, não só em termos financeiros, como também através de equipamentos. No fundo, as nossas receitas internas cobrem uma parte das despesas, mas é uma parte insignificante.
Na Guiné-Bissau, as pessoas não privilegiam a saúde como centro das nossas vidas. Financiam mais cerimónias fúnebres e outros rituais tradicionais, que de ponto de vista social, são coisas abaixo do nível da saúde.

OD: Um dos problemas que um hospital privado enfrenta tem a ver com a falta de liquidez financeira. Como consegue gerir os seus recursos financeiros?
ALQ: A liquidez financeira do hospital é um grande problema, porque não temos capacidade financeira de atender às nossas necessidades de uma forma regular. Neste momento temos um problema, a crise financeira generalizada que abalou todo o mundo. Os nossos parceiros tradicionais estão a ter problemas em cobrir o financiamento como dantes.
Como deve calcular, temos custos financeiros ligados aos subsídios do pessoal, a alimentação dos pacientes, porque diariamente servimos três refeições e tentamos, a medida do possível, assegurar uma alimentação de qualidade aos doentes. Nos últimos tempos temos vindo, a título experimental, a implementar a quarta refeição (lanche) servida naturalmente, às dezasseis horas (16 horas). Tudo isso não está a ser fácil para nós.

Mas, temos uma outra situação que é a salubridade do próprio hospital. Tentamos criar um ambiente sadio para que, quando chegar aqui uma pessoa com uma determinada enfermidade, não volte para casa com outra enfermidade. Portanto, fazemos tudo para que as casas de banho e as enfermarias estejam em condições adequadas.

Falando ainda dos custos, devo referir ainda que temos custos ligados a lavandaria. Trocamos diariamente os cobertores, trocamos tudo. Temos um hospital que prepara a comida a gás. Desconheço se há mais hospitais nesta situação. Se houver, não são muitos. Não é uma questão de luxo, porque a nossa realidade não nos permite ter essa condição, mas o hospital foi projectado para além do nosso contexto.

OD: Afinal, quem cobre essas despesas?
ALQ: Confesso que o remanescente do custo é suportado pelos nossos parceiros. Dão a cobertura à previsão do orçamento. O Estado para além dos recursos humanos que dá ao hospital, não dá mais apoios. Mas compreende-se, porque se calhar não tem outros meios a disposição para além dos recursos humanos que disponibiliza. Seria necessário apoiar financeiramente, porque um hospital não se faz só com os recursos humanos. Repare que esses recursos colocados no hospital precisam de secretárias, cadeiras e outros meios laborais. Mas também um médico ou enfermeira não pode trabalhar numa unidade hospitalar onde faltem medicamentos, sem reagentes para processar os produtos de análise… ou seja onde falte quase tudo o essencial.

Aproveito esta oportunidade para apelar ao Estado, porque apoiar não é necessariamente dar muito. O apoio pode até ser em sal, por exemplo, vassoura… Temos aqui problemas de evacuação de lixo. Solicitamos a Câmara Municipal de Bissau várias vezes. Até chegou a levar um mês para termos resposta, mas aqui é um hospital. Precisa de muito cuidado e não é grátis, pagamos o serviço.

OD: O Hospital beneficia do apoio do Fundo Global para compra de medicamentos?
ALQ: Não, mas também não culpabilizo ninguém, nem tão pouco o Estado, e nem as entidades que coordenam esse apoio. Confesso publicamente que a culpa é nossa, porque não tivemos cuidado de questionar nem de acompanhar as entidades envolvidas no processo. Foi há pouco tempo que soube desse apoio, mas garanto que as diligências estão a ser feitas nesse sentido e vamos informarmo-nos melhor sobre esses apoios.

OD: Quem fornece os medicamentos ao hospital? Fala-se da falta de medicamentos no país, sobretudo do Coartem. Será que o vosso hospital também está afectado por essa falta?
ALQ: Recebemos medicamentos a partir da Itália através dos nossos parceiros. Neste preciso momento, fizemos uma encomenda a Holanda através da fundação AIDA e vamos receber medicamentos num valor de trinta e seis mil euros de um dos nossos parceiros a partir da Itália.

Os medicamentos chegam faseadamente, quer dizer em Maio, depois em Junho e mais tarde em Julho. Todo o conjunto dos medicamentos vai estar no hospital pediátrico de Bór. É bom deixar claro que nós vendemos medicamentos a preços muito baixo. Isso não deixa margem para lucros, para recuperação de grandes custos. Às vezes o lucro é fraco. Para 2015, prevemos vender medicamentos não muito caro, mas que permita ter dinheiro para fazer novas encomendas. Essa nova política tem a ver justamente com a crise e os nossos parceiros não estão fora do jogo de maneira que estão a ter também dificuldades em financiar o hospital regularmente.

Repara que os medicamentos que os nossos parceiros mandam-nos não são apenas para o internamento, mas também para a venda na farmácia externa. Porque há pacientes que chegam no ambulatório, recebem as consultas, mas que não têm a necessidade para o internamento. Compram os medicamentos e voltam para a casa.

Doentes com problemas muito graves vão para o internamento e os medicamentos são aplicados para o tratamento dos próprios, mas depois pagam-nos. O hospital chega a ter doentes com dois a três meses de internamento, mas o máximo que pagam é apenas trinta mil (30.000) francos CFA. Deste montante é extraído dez mil francos CFA para uma análise chamada perfil de ingresso, que é um conjunto de exames que se fazem ao paciente antes de ser internado.

Estando internado, faz-se imediatamente uma recolha de sangue para se obter dados históricos do paciente. Esses permitirão ao médico ter informações adequadas de como lidar com o doente.
Os restantes vinte mil (20.000) francos CFA são aplicados na compra de medicamentos, serviço técnico sanitário, médico e enfermeiros que assistem o doente. Tentamos ter a corrente eléctrica 24/24 horas. Temos equipas médicas que trabalham 24/24 horas, o que significa dizer que um paciente internado no hospital tem uma assistência médica contínua.

Para além de tudo isso, temos despesas com cozinheiras, lavadeiras e administração, gastos com papéis, desgaste dos aparelhos e equipamentos, tóneis. Ou seja, mais de três mil litros de gasóleo e muito mais gastos. Por isso, temos que fazer uma gestão muito rigorosa do capital para quando houver problemas, possamos internamente, fazer a manutenção.

OD: Como consegue fazer a harmonização dos serviços, ou seja como faz funcionar todos serviços do hospital?
ALQ: Todos os serviços do hospital são coordenados pelos sectores administrativos. Temos serviços clínicos, dentro desse serviço temos cirurgia e pediatria, serviços mais relevantes. Temos ainda dois aparelhos de raio X e três ecógrafos. Todos esses serviços são coordenados pelo sector administrativo, mas num hospital o serviço essencial é serviço sanitário. Só que esse serviço precisa de uma organização administrativa que lhe crie condições para poder andar e prosseguir eficientemente o seu objectivo.

OD: O hospital tem serviços de urgência. Tudo está garantido para esses serviços ou são os doentes que pagam os primeiros socorros através do chamado serviço pré-pago?
ALQ: Esse serviço funciona 24/24 horas. Mas gostaria de sublinhar uma coisa. Tratamos todos os pacientes que entram nos nossos serviços de urgências e só depois é que pensamos no modo de pagamento, que pode até ser em fases, o que significa dizer, que o paciente paga a primeira parte do tratamento e dá-nos as suas coordenadas (contacto, BI…) de modo a facilitar os pagamentos subsequentes. A capacidade de internamento é de sessenta e cinco camas. Preocupados com o serviço de qualidade, colocamos cada paciente num leito, ou seja não admitimos dois doentes na mesma cama.

As doenças frequentes são aquelas comuns para a Guiné-Bissau, o paludismo e as diarreicas, mas a nossa especialidade é pediatria. Ainda assim abrimos excepção para os adultos, porque a doença não tem fronteiras.

OD: O hospital tem quantos médicos especialistas, e em quê?
ALQ: O Hospital Pediátrico de Bór tem três médicos especialistas: Dr. Dionísio Kabi, cirurgião, que se especializou em cirurgia pediátrica, Drª. Pina, Especialista em cirurgia e Dr. Albate Indam, que se especializou recentemente em tratamento dos serviços pediátricos e actualmente coordenador dos serviços pediátricos do Hospital Pediátrico de Bór. O hospital tem trinta e um (31) técnicos, oito (8) médicos e dezanove (19) enfermeiros.

OD: Como é que se faz a gestão desses recursos e admissão dos estagiários?
ALQ: A nossa política de gestão dos recursos faz-se de seguinte maneira: quando o sector sanitário precisa de um determinado técnico solicita à direcção e a direcção por sua vez comunica ao Ministério da Saúde Pública, entidade responsável pela afectação dos recursos.

Quanto ao recrutamento do pessoal, primeiro identificamos as necessidades que o hospital tem. Depois disso, criamos o posto, o que passa por identificar exactamente as tarefas concretas que essa pessoa vai desempenhar. Numa segunda etapa lançamos o anúncio, através de órgãos de comunicação social e conhecidos, com as indicações prévias do perfil necessário. Os interessados depositam as cartas de motivação e mediante essas cartas fazemos uma pré-selecção e num segundo passo de selecção, fazemos entrevistas e das entrevistas escolhemos o candidato com mais qualificações e que se adequa ao perfil desenhado pelo hospital. Depois o seleccionado é recebido e submetido a um estágio que não tem tempo limite, pois depende das funções.

Por exemplo, neste momento, quando foi preciso substituir a nossa cozinheira, em gozo de férias, fizemos entrevistas a três senhoras e uma foi seleccionada. E justamente hoje é o seu último dia de experimentação. Se não conseguir adequar-se às exigências é dispensada e vamos chamar mais uma das duas que ficaram de fora, depois da entrevista.

OD: Todos os funcionários são efectivos ou contratados? Recebem alguma coisa em termos monetários da parte do hospital, ou nem pro isso?
ALQ: Nem todos são efectivos, porque há serviços que solicitamos devido a insuficiência dos recursos humanos. Temos técnicos especialistas em algumas matérias, e que são raros no país. Esses técnicos são funcionários públicos e só no período da tarde é que nos podem prestar esses serviços e chegam aqui em regime de contratados de prestação de serviço. Aceitamos o jogo para não pôr em causa os compromissos que têm com o Estado.

OD: Admite que existem estágios internos para os recém-formados?
ALQ: Sim, aceitamos e recebemos. Temos estagiários em diversas áreas, começando pela administração, contabilidade, tesouraria incluindo a enfermaria e médicos, mas com muitos critérios.

Temos um arquivo, uma pasta bem grande cheia de pedidos de estágio. Antes de tudo, identificamos as necessidades como já referi no início. Mas, privilegiamos primeiro os médicos e quando vamos admitir um estagiário determinamos o período que a pessoa vai fazer no hospital, mediante o programa de estágio que concebemos. Em seguida tentamos dividir esse período por diferentes assuntos para podermos ter a noção de quanto tempo o estagiário/a realizou trabalho X ou Y.

OD: Quais as maiores dificuldades que o hospital tem?
ALQ: Felizmente, não temos grandes problemas ligados aos recursos humanos. Nisto eu agradeço imenso ao Governo e aos nossos parceiros, que sempre se preocuparam em formar médicos que aqui trabalham. A nossa maior dificuldade é a económica. Chego a ficar perturbado e até não durmo só para ver como resolver tantos problemas. O Hospital é de referência e torna-se feio vê-lo perder qualidade. Garanto que em termos financeiros, estamos altamente preparados para gerir o pouco que temos, mas faltam meios económicos que considero fundamental para o futuro do hospital. Repare que o apoio dos nossos parceiros a partir da Itália está a decrescer cada vez mais.

Outro problema que enfrentamos tem a ver com roubos. Chegou-se a roubar painéis e até copos das casas de banho. Quando assumi as funções do director-geral do hospital, encontrei garrafas de água de um litro e meio cortadas e colocados nas casas de banho para os pacientes usarem. Tomei a decisão de comprar copos novos. Houve vozes que se levantaram para dizer não, ou melhor, contra a minha decisão. Todavia, decidi mas no dia seguinte, dos dezoito copos repostos, levaram cinco. Noutro dia já tinham ficado dez, mas mandei comprar mais. Essa prática aconteceu três vezes e agora os copos estão lá graças a uma campanha de sensibilização que fizemos.

Outro problema tem a ver com a segurança, porque roubam quase tudo. Assaltaram a casa dos hóspedes, roubaram painéis e até a minha viatura pessoal foi saqueada. Esse comportamento desencoraja os parceiros, pelo que a comunidade deve ser fiscalizadora de tudo isso, incluindo os gastos financeiros. Por coincidência, colocamos aqui no hospital uma caixa de sugestões para que as pessoas possam questionar o funcionamento do hospital. Mesmo por via da rádio ou qualquer outro meio público, que denunciem os nossos actos.

OD: Quais são as perspectivas a curto e longo prazo?
ALQ: Neste ano, estamos em vias de ter mais missões médicas em relação ao passado, graças ao Dr. Dionísio Kabi e aos contactos que faz. Quando cheguei ao Hospital, dei o meu apoio pessoal, porque percebi que se fizéssemos vir médicos aqui teríamos a possibilidade de tratar mais doentes do que se tivessem que sair daqui para tratamentos lá fora. Porque, o próprio processo de junta de evacuação de doentes não é fácil. Está cheio de burocracias devido a problemas financeiros que a Europa vive. Já nos próximos tempos, a perspectiva é ter mais missões médicas no hospital e ter maior organização ao nível do aparelho administrativo.
Neste sentido, recebemos uma empresa CONTAF, que dá assistência financeira e faz auditorias, um manual de procedimentos com cinco módulos e vamos receber mais módulos. Esses módulos vão permitir a cada um de nós ter a noção das suas competências e o que é capaz de fazer em termos de referência e estamos a altura de cobrar os resultados.

OD: Para finalizarmos que balanço faz dos seus seis meses na direcção do hospital?
ALQ: Faço um balanço positivo, porque quando cheguei ao hospital nem sabia por onde começar. Concebi um programa de auscultação a Caritas, entidade da igreja Católica que tutela o hospital. Do programa concebido, pude ter encontros com todos os serviços. Coloquei apenas três questões: Como é que trabalham? Quais são as dificuldades com que se deparam e possíveis soluções para ajudar o hospital a sair da situação em que se encontra?

Curiosamente, dessa auscultação conseguimos ter um relatório que espelha os reais problemas do hospital na altura e soluções que poderiam tirar o hospital da situação em que estava. O relatório foi acolhido inteiramente pela Igreja Católica e na Itália, pelos parceiros, porque entendeu-se que a auscultação trouxe em evidência aquilo que muitos ignoravam. Devo ainda dizer que da auscultação, conseguimos ter um plano estratégico, um documento orientador para ponto de chegada.

A maior preocupação era a unidade e a coesão interna, a promoção de uma cultura de trabalho com zelo e dedicação, o que significa não resolver assuntos paralelos (trabalhar e fazer rendas ou costurar panos ao mesmo tempo). Tudo isso exige de nós, uma postura, o que passa necessariamente por não ter comportamentos não profissionais.

 

Por: Filomeno Sambú

 

 

1 thought on “GRANDE ENTREVISTA: Administrador de Hospital Pediátrico de Bór: “ESTE HOSPITAL É DE REFERÊNCIA, TORNA-SE FEIO VÊ-LO PERDER QUALIDADE”

  1. Obrigado o demograta pela bossa imformaçao fiquei muito contente pela esta intervista

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