Crónica: CACHEU: O RIO, A CONFERÊNCIA E A PROFISSÃO DE FÉ

No decurso dos últimos 18 anos passados em que se realizou a 2ª Conferência Nacional da Cultura, Cacheu acaba de acolher a 3ª Conferência sob o lema: Cultura ao serviço da nação. Assim, mais uma vez, o nosso este histórico pedaço do nosso solo pátrio acolhe, com carinho, o conceito de nação guineense, e provavelmente, o conceito da guineidade (guine’n’dadi, no nosso saboroso kriol) como ponto do iceberg da nossa identidade cultural.

Apraz-me escrever esta crónica na medida em que pretendo relatar, nestas parcas linhas, as recomendações saídas da Conferência de 23 a 25 de Julho do ano em curso. E, por outro lado, falar do fascínio que a cidade e o rio exerceram sobre mim.

Começo, então, pelas recomendações, para frisar que dentre tantas, destaco as seguintes, com o sacro objetivos de projetar a cultura guineense para os desafios que o mundo contemporâneo coloca diante de nossos olhos:

  1. Orientar a institucionalização de dispositivos legais e instâncias de participação social adotando, para isso, mecanismos de regulamentação do setor cultural nacional, e ao mesmo tempo, promover a indução de instrumentos do mercado, em termos de concorrência que enriqueça o nosso património cultural, seja ele material, seja ele imaterial, fomentando o conceito de criação da economia criativa da cultura;
  2. Incentivar o governo a construir uma Biblioteca Nacional que venha a albergar todo o arquivo do património histórico nacional, e por outro lado, promover Feiras de Livros no país;
  3. Criar o Museu da Imagem e do Som (MIS) que permita a conservação, preservação e proteção de todo o arquivo audiovisual, cinematográfico, fotográfico, musical, etc.
  4. Formular políticas públicas que sejam capazes de identificar as áreas estratégicas do desenvolvimento sustentável do nosso país, de modo a que nossa inserção no mundo contemporâneo seja uma grande meta a atingir;
  5. Criar qualificação, isto é, um padrão de qualidade na gestão cultural que permita a canalização tanto dos recursos públicos quanto dos recursos privados para os fins a que são captados;
  6. Fomentar a cultura, estimulando a criação, produção, circulação, promoção, difusão, acesso, consumo, documentação e memória da nossa história menina;
  7. Proteger e promover a diversidade cultural, de um modo especial as riquezas das nossas bioetnicidades que, como sabemos, contribuem significativamente para a reconstrução do nosso imaginário social;
  8. Preservar o património material e imaterial, resguardando bens, documentos, acervos, artefatos, vestígios e sítios históricos. Para isso, há necessidade de pensar em como atividades, técnicas, saberes, linguagens e tradições nossas participam no processo da presente reconfiguração social por que passou toda a nossa pátria;
  9. Ampliar a comunicação, a publicitação e a internacionalização dos ativos da cultura nacional que possibilitem a troca de informações e experiência entre os diversos agentes culturais, por forma a enriquecer o cultivo da nossa memória comum, da nossa história e dos testemunhos do passado do nosso país; e,
  10. Difundir bens, conteúdos e valores oriundos das criações artísticas e das expressões culturais locais e nacionais em todo o território do Estado guineense e no mundo.

Posto isto, volto ao rio de Cacheu, o qual guarda suas histórias incríveis, histórias dos tempos em que Nuno Tristão não tinha trazido “tristezas para este pedaço de chão guineense”, muito menos ainda carnificina em que tornara a escravatura. Não preciso descrever a escravatura, pois meu caro leitor poderá o fazer pelos manuais da História Contemporânea, porém a mim interessa o fascínio que tenho por todos os rios do mundo, e de uma maneira especial deste.

Não se trata apenas de seus bagres suculentos que degustei no Bar junto ao rio, nem o prato de bagre grelhado que nos deixa com água na boca. Trata-se do correr sorrateiro e, muitas vezes, frenético de sua corrente, baloiçando entre suas margens assim tão singelamente que inebria-me o coração que late de desejos de nele mergulhar-me e do pensamento que destila versos e mais versos de poesia que embeleza e tece esta crónica.

Suas águas, no entanto, vinham solenemente beijar-me os pés quando me ponho sob o chão firme de areia branca a tirar as mufunesas de Bissau. Lembro-me que, quando a chuva torrencial do dia 25 caiu altivo e exuberante, eu posto no Bar à beira-mar a tomar uns goles de cerveja, a minha imaginação poética transportou-me de imediato para Farim, para as páginas das memórias da minha infância cristalina em que percorria os bairros de Farim, sendo morador de Gan Sapo. Trago à reminiscência o Estádio Municipal em que jogava com meus colegas.

Que saudades destes tempos que os anos não trazem mais!

Saudades das traquinices de infância!

Saudades de Farim, de Birkama, de Capa Três…

Olhando o rio, e vendo-o apercebi-me em como o objetivo cimeiro de nossa estada em Cacheu traduzia-se no seguinte tripé: promoção de mais investimentos na Cultura; o reforço substancial do orçamento para o setor e a inserção dos valores da nossa diversidade cultural no nosso sistema de Ensino, isto é, que tudo quanto constitui a nossa guineidade seja posto ao serviço da produção do conhecimento.

Cultura é em sua substância a fonte de produção do conhecimento científico, pois ela é que preserva toda à produtividade de qualquer que seja sociedade, nação, país e, de um modo geral, da humanidade.

Como todos sabem Cacheu é ao lado de muitas das nossas cidades históricas como Bissau, Bolama entre outras o arcabouço da nossa civilização. Nela a nossa miscigenação étnica deu azo à construção da guineidade.

As palavras de profissão de Fé foram dadas no próprio discurso do primeiro-ministro quando afirma que a cultura precisa ser rentável economicamente. Ele quis dizer apenas o seguinte: que devemos homens das artes e das letras, académicos e pensadores culturais promover a criação da indústria cultural em que sejamos capazes de viver através de nossa criação artística e intelectual, contribuindo para o crescimento económico do país, gerando riqueza e emprego sustentáveis.

Reviver Cacheu transportou para o fatídico VIII Congresso do nosso grande partido PAIGC. Refiz estradas em que andei, passei em revista algumas amizades. Era como se, em Conferência de cultura estivesse a viver a sensação do Congresso que me aportou por lá em 2014.

À guisa da conclusão desta pequena Crónica de referir que renovei a fé na mudança de mentalidade nacional. Só a cultura muda verdadeiramente um homem, uma nação e um país. E, por isso, a humanidade.

O rebento dos relâmpagos do dia 25 de Julho (aliás, ia eu esquecer dia em que garanti mais um ano de vida), tive a sensação de que Deus fotografou-me com a explosão de um raio estrondoso.

É isso: O RELÂMPAGO É A FOTOGRAFIA DE DEUS! Sou um felizardo. Deus tirou-me, como presente de aniversário, uma linda fotografia sob às margens do Rio Cacheu.

 

Por:

Jorge Otinta é ensaísta, escritor e crítico literário guineense.

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