Em tempos de efervescência política não podia ficar calado. Pois calar-me seria igual a resignar-me. E isso não podia aceitar em hipótese nenhuma. Intelectual que cala não consente, mas pragueja a sociedade em que vive. E ao fazer isso participa ativamente em criar empecilhos que impedem seu país de avançar em direção ao desenvolvimento que tanto se propala por aí.
Assim, começo esta crónica com algumas pistas de reflexão do que tem sido nossa caminhada política, desde 2014 até a data presente.
Lembro-me que nos momentos anteriores ao 8º congresso do PAIGC muito se aventurou em termos de hipóteses daquilo que seriam as razões de sucessivos adiamentos. De todo o modo, sobressaem em detrimentos destas razões avançadas, duas questões fundamentais: de um lado, a divisão interna no seio do partido de Cabral, e de outro, dificuldades de ordem financeira para se concretizar o projeto do congresso de Cacheu.
Acredito que os problemas com as finanças do partido foram sanadas por outras formações políticas congéneres ao PAIGC com as quais ainda mantém os laços históricos de amizade e de cooperação. Ao passo que o da coesão interna não aconteceu por faltar a coerência global necessária ao normal funcionamento do partido, e consequentemente, da governação.
- Cacheu: a luta latente
Foram vários dias de reuniões de feiticeiros, regadas de concertações entre kakubas, servida à alianças entre os marginais, assunção de pactos entre intelectuais de meia tigela, servida à mesa de contratos entre malandros.
Tudo isso passou a olho de muitos militantes, em sua maioria incautos, não obstante a estúpida avidez pelo poder. Parece haver o constante desejo desenfreado de subir a todo o custo ao topo da pirâmide da política nacional. Com prevaricação, é claro.
Havia alas para tudo, ou melhor sensibilidades de pessoas insensíveis. Assim, estavam divididas:
- Plataforma de mísseis de longo alcance a englobar cobras e lagartos, além de falcões. Parecia que fugindo uma pessoa à mata encontrava, pronto a desafiá-lo para um embate mortal, as cobras; se mergulhada a pessoa a nado para atravessar o rio dava-se com lagartos prontos a fazer dela o banquete celestial e, finalmente, se a pessoa tentasse fugir para o espaço sideral, lá estavam falcões para o estraçalhar, rompendo o peito como se estivesse a fazer uma cirurgia.
- O grupo das 7 linhagens de Israel, ou melhor de 7 jorsons Bissau-guineense. Sabendo que segundo a ordem consistiam na 1ª jorson, os irados com a colonização e derivados; na 2ª, os gulosos da res pubblica nacional; na 3ª, os vaidosos de sucessos de outrem, sucessos alheios, em especial dos que têm know how para tocar o desenvolvimento do país, preferindo os analfabetos funcionais aos que detêm o “savoir-faire”. Gabam-se das ideias dos outros que colhem nalgum lugar, fazem-nas propriedades intelectuais suas, doutores e engenheiros de uma só teoria: só eles é que sabem, só eles é que podem; na 4ª, os do “só venha a nós, vosso reino nada”, os avarentos cínicos e fingidos, ladrões de bancos e laranjas de políticos mais corruptos de nossa história menina – que dizem ser honestos e trabalhadores; na 5ª, os futriqueiros, mexeriqueiros e intrujões soberbos, prontos a despejarem suas inevjas odiosas noutrem; na 6ª, “ai que canseira”, a letargia que provoca a indolência mental, e esta parece ser a síndrome nacional promotora da mediocridade em vez da meritocracia e, finalmente, na 7ª jorson, os lixos sem pudor a viver a vida de luxo na pátria da luxúria que é, sobremaneira, a espúria penúria de desejos castrados sem consciência.
- Democracia de inclusão do pó branco no pano branco que simula a virgindade dissimulada.
- E finalmente, a coesão incoerente, mentirosa, falaciosa do dividir para reinar, a mando da metrópole decadente, quiçá, uma nova forma imperial de introduzir um capitalismo à maneira, que, na verdade, trata-se de roubalismo à asneira de uma retórica imbecil que levou toda a turma de “sabichões baratos” ao abismo.
- Bissau: o palco
Na crónica passada fiz com que o cenário político imitasse o teatro tanto na forma quanto no conteúdo. Porém, é preciso que se o diga: a vida imita a arte, e esta dá-lha nova dimensão significativa. Eis o princípio da gramática da criação artística.
As personagens assemelham-se a pessoas de vulto que, machos na políticas, pederastas em seus próprios lares, permitindo que as companheiras, azarentas, determinem o rumo que devem seguir, com o baixo nível académico que têm.
Mas também não é de se estranhar se mediúcres é que assumem lugares de relevo nas administrações públicas e privadas do país.
Todas as peças estava armadas, duas personagens se emergem, um ligado a negócios, ainda que escusos, outro à diplomacia, o queridinho do regime. Dois pesos, duas medidas. Venceu o homem de negócios com injeção de alguns francos no mercado de valores políticos. O diplomata, como sempre, preferiu as negociações e saiu-se ferido.
Numa etapa de início da corrida, viu-se logo que o piloto e co-piloto iam bicar-se na primeira cena. Pois o cenário estava já montado, os atores de sempre, estavam apostos para entrar em cena e embaralhar o jogo. Aconteceu!
Talvez tivesse vencido a diplomacia teríamos morto a letargia.
- O chumbo
Feita as contas, numa matemática que até engenheiros saem falhos no afã de mantiverem seus privilégios, resultado da subtração feita ao erário público, agora o chumbo ameaça a todos os lados.
Pensemos, um grupo decide impingir uma derrota noutro, e sem que esta seja consumada, o mesmo grupo vê-se refém do chumbo dado ao novo chumbo que o segundo quer impor ao primeiro grupo. Uma ameaça real pode voltar contra os próprios.
Tudo o que parecia vitória está agora a transformar-se num grande pesadelo. Tudo isso em nome de uma proteção palaciana? Lá também há cabide de emprego? Quem acredita nesse homem que está a conduzir esses cidadãos incautos em nome de um poder (que não tem na realidade porque falso é o homem) que é seu?
Cabral – com todas as desculpas antecipadas à família e aos militantes do PAIGC – deve estar a dar voltas no túmulo por este imbróglio canalha que se criou no seio de seu partido e na sua querida pátria.
Confesso, contudo, que não entendo nada de matemática, mas uma maioria que se tornou minoria só pode ser por puro burrice.
Expulsões iminentes, suspensões à paisana; sinceramente estou é incrédulo… imagino como homens que estiveram no poder (e são-no a moda bissauense) deixaram-se conduzir por uma psicopatia política que está a minar às instituições, corrói a nossa economia, alicia homens com envelopes fartos de dinheiro oriundos de regimes ditatoriais.
Pergunto igualmente: a quem interessa a assunção no país de interesses lesivos à nossa economia e à saúde das cidadães e cidadãos guineenses?
Há ainda quem acredita que seja possível reverter a situação. Mas eu acredito que já vai tarde. Demais. Vencedores e vencidos? Só sendo idiota para acreditar nisso.
O país está à deriva. O pito e o co-piloto acometidos de cegueira pelo dinheiro que o poder proporciona às suas famílias e seus comparsas. Digo comparsas porque é a sociedade de malfeitores. Afinal, um ladrão sentiu inveja de outro ladrão. Por isso, o piloto avançou sobre o co-piloto pelo relativo poder que dispõe sobre ele.
Se ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão – como reza o adágio popular -, pode-se aventar este outro:
Ladrão que derruba ladrão tem cem anos de condenação.
- O silêncio dos intelectuais
Dói saber em como o silêncio dos intelectuais os torna cúmplice, e paradoxalmente, culpados por tudo isto que está a acontecer antes seus olhos, e eles sisudos, em silêncio soturno, da diskarna malgos, portam-se como Pilatos, jogando a toalha, pois isto não os interessa.
Até quando o silêncio dos intelectuais?
Você sou eu! O teu amanhá é nosso!? E o meu também é nosso!? Fujam à solidão para não acabarem na solitária prisão, Sua Majestade, o jambakus! E Sua Eminência, o falastrão!
E o país? A ver vamos. Se num futuro próximo alguém terá a cara de pau para pedir votos a este povo.
Por:
Jorge Otinta, ensaísta, escritor e crítico literário guineense.



















