Crônica: A ARITMÉTICA DA LENGA-LENGA

Conta-se, há anos, que neste país nada acontece por acaso. Tanto assim é verdade que se acredita que quando há rumores os humores mudam de feição, seja pela positiva, seja pela negativa.

Para uns, a alegria de uns é a tristeza de outros. Para outros, a tristeza de muitos é a alegria de poucos.

Entretanto, ninguém curou saber até agora se alegria de uns é mesmo a tristeza de outros, nem tão pouco se a tristeza de muitos é também ela a alegria de poucos. Pois se assim é, a fórmula que poderíamos, com razão, deduzir cartesianamente é aquela que diz respeito à alegria de uns ser, isso sim, a tristeza de todos.

Afinal das contas, ninguém por mais insensível que seja pode sentir-se feliz num ambiente de infelicidade geral, mesmo em se tratando de egoísmo ao extremo, ou de insensibilidade sem tamanha mensuração.

Disse, há bocado, cartesianamente, não tive tempo de consultar Dicionário de Língua Portuguesa para saber se tenho autorização para “inventar” este advérbio. Para dizer apenas que fi-lo por que quis. Por puro gosto de estilística à la Otinta.

Pensando cá com os meus botões, comecei de mansinho a matutar algumas ideias para esta Crónica, todavia a aritmética que vejo por aí na nossa cidade de Bissau, deixou-me ainda mais perdido. Feitas as contas, parafraseando agora Karl Popper, teríamos os seguintes resultados:

  1. Uma lei nacional de bu(r)rocracia jurídica: para cada artigo de ordenamento jurídico guineense ‘X’, a interpretação legal aceitável é ‘y’, qualquer interpretação contrária acarreta a entrega de uma mala em milhões de francos CFA, declarando-se, para tanto, a inconstitucionalidade da lei.
  2. Premissa inicial: o artigo ora infringido tem o fundamento jurídico ‘x’, porém comporta a interpretação ‘y’+1.
  3. Prognose: a lei irá criar um imbróglio nacional.

Logo, podemos concluir que tudo é permitido em nome da lei, desde que ela agrade às facções em conflito, e de um modo especial a que tiver acesso à chave do cofre público.

Trata-se, no entanto, de uma explicação dedutiva, pois cada acontecimento evidencia-o como resultado doutros acontecimentos particulares que também eles estão de conformidade com as leis gerais da nossa realidade sociopolítica nacional.

É tão verdade isso que na interpretação do cenário que estamos a viver estamos habilitados, assim, a compreender que o imbróglio atual dá-nos à vista das leis que nos orientam e das circunstâncias particulares em que elas foram elaboradas, e por isso mesmo, mal interpretadas (ou conforme o gosto do freguês) sua ocorrência em erro era de se esperar.

Há tempos alguém – de quem já não me lembro – contou-me a seguinte história:

Um homem tinha se despedido da família e partiu em viagem em terras distantes. Por lá permaneceu anos sem que dele se dessem notícias. Um belo dia, decidiu voltar da viagem (antes do previsto?) e encontrou sua esposa enrolada na cama com outro homem.

– Quem é este FDP? – perguntou o homem.

– É o teu primo – respondeu a esposa.

– O quê?!

Ao que retrucou a mulher, após longos minutos de apreensão:

– Você não olha embaixo da cama todas as noites, para ver se não tem um oportunista escondido?

– Olho.

– Pois hoje, depois de muitos anos de espera, lembrei-me que teu primo que me visitava nas tuas ausências para assistir à família, andava solteiro…

– E aí? – perguntou espantado o marido.

– Como não estavas aqui, eu mesma ofereci-me a ele. Tantos anos, hein? Cansei-me de subir às paredes todas as noites?

Não vou contar o que o marido fez, mas quando o primo se levantou, viu o tamanho do documento, e percebeu o quão a esposa terá desfrutado da coisa, aliás do coiso…

Tinha, naquele instante, a certeza de que a ocasião faz ladrão, reza o adágio brasileiro.

Na Cidade de Bissau fica-se sabendo pouco sobre a vida privada dos citadinos, sejam eles políticos, sejam eles civis. Tudo isso talvez para não desviar a nossa atenção do que interessa, as idas e vindas, magnificamente filmadas, da bu(r)rocaracia política, de um lado, e de outro, jurídica em si.

A mesma preocupação em fixar-se na trama – porque esta República da Mediocridade – explica, por si só, a tamanha ausência de maiores detalhes sobre o que significava, na verdade, e em termos de audácia jornalística e pura coragem, enfrentar o assunto doutra maneira que não seja abordá-lo do ponto de vista da crónica.

Cenas de horrores, pessoas com diplomas saídos em universidade fajutas a exibirem sua ignorância com altivez de quem julga competência como sinónima de ignorância. Lacaios que seduzem menores, corrompem gente de bem.

Apesar de tudo, estou em crer, que não há vilões na trama. O que vemos são as vítimas, as consequências. Para o povo, é claro! Este filme prescinde de monstros.

Afinal das contas, a grande monstruosidade é o cinismo com que se escondem, com que se fingem de honestos quando não o são. O maior escândalo virá do desdobramento das acusações de todos os lados, das revelações publicadas no mundo da bloggsfera nacional, todo ele pintado a cor dos lados em disputa pelo controlo do poder, e pelas quais ficaremos a saber mais tarde que tudo era muito barulho por nada.

Como sempre trocar-se-á seis por meia dúzia.

Na arena estavam 2015 contra 2045 que cresceu para 2059, e este que tinha perdido o embate quando 2015 se associou a 2041, derrubando-o. Até a próxima que o cronista precisa descansar, meu caro leitor d’O Democrata.

 

Por:

Jorge Otinta, ensaísta, escritor e crítico literário guineense.

 

 

 

 

 

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