Opinião: NUM SISTEMA DEMOCRÁTICO, SÓ TESTANDO A MAIORIA PODE ARREPIAR O CAMINHO

Desprendido de qualquer motivação político-partidária, enquanto cidadão atento e interessado na estabilização política da Guiné-Bissau, com vista a um progresso económico e social, analiso aqui o conteúdo do famigerado acordo resultante da negociação ocorrida em Conacri (Acordo de Conacri), conduzida pelo Presidente da República de Guiné Conacri e mediador da CEDEAO, o Professor Alfa Condé. Pensava-se que o Acordo de Conacri iria ser útil para repelir a persistente crise política/institucional mas, no entanto, só veio servir de mote para criar ainda a cisão mais visceral.

Os vários ensaios estratégicos para resolver a vigente crise, tanto ao nível endógeno, bem como ao nível internacional, sobretudo da CEDEAO, fracassaram rotundamente. É de referir que, de alguns anos a esta parte, devido, igualmente, às graves problemas financeiros que tem atravessado e às reformas estruturais em curso, a ONU tem relegado para as organizações sub-regionais, no caso da Guiné-Bissau, à CEDEAO, a tarefa de encontrar soluções para resolver as crises internas dos seus Estados membros.

Não obstante o Acordo de Conacri, a crise persiste, e isso pode ser explicado pela falta de uma estratégia bem definida e eficaz, capaz de engajar as partes litigantes. Segundo o José Calvet de Magalhães “A imprecisão na definição do objectivo ou objetivos de uma negociação só poderá (…) criar um risco de insucesso de uma negociação” (Manual Diplomático 3ª Edição).

Assim, nos dias que ocorrem, após o consenso chegado em Conacri e o caminho trilhado para serenar os ânimos e irromper os empecilhos à crise, o acordo passou a ser “pão-nosso de cada dia” ou ainda “rabbaná átina fid dunya hâssanat, ua qena azában´Nár” (Ó Senhor nosso, conceda-nos neste mundo a graça, e na Eternidade a graça, e preserva-nos do tormento do fogo). Por ser tão mediatizado, conseguiu chamar a atenção de opinião pública nacional e suplicar a omnipresença da [comunidade internacional].

Com efeito a presente reflexão vem na sequência do interesse que o Acordo tem suscitado. Mas, antes de dissecar os pontos a serem analisados, farei um pequeno resumo sobre elementos essências que podem facilitar e fazer com que a negociação seja bem sucedido.

A negociação, independentemente, da sua complexidade e importância, a precisão na fixação de objectivo pode facilitar a sua preparação, permitindo assim atingir os resultados desejáveis com os quais as partes se sintam satisfeitos e os seus interesses tidos em conta.

Por ser muito importante para o sucesso, o processo da preparação requer cuidado, e abrange alguns elementos desde a escolha do negociador, informação, comunicação etc.

Nesta sequência, o primeiro passo a ser dado passa essencialmente pela escolha do mediador que tenha autoridade moral e personalidade forte para evitar a influência advinda de fora. A má escolha pode influenciar no insucesso, por isso em caso de divergência entre o poder político e o mediador relativamente à condução de negociação, a solução passa necessariamente pela sua substituição, e não obrigá-lo a mudar a táctica, porque pode não ser a via adequada.

O segundo passo, e não menos importante, é a recolha de informação a fim de permitir o mediador inteirar-se sobre as causas, as posições, as motivações, as intenções e o empenhamento das partes, com vista a facilitar a formulação das questões a serem discutidas. O mediador deve conhecer os interesses das partes e pontos essenciais em que divergem.

Importa referir que, uma vez que não existe coerção e nem obrigatoriedade numa negociação, independentemente do desejo ou ponto de vista de cada uma das partes, se não for tido em conta o princípio de “cedência” a negociação pode fracassar. Quando as partes tentam fazer vingar suas razões e desvalorizar as da outra parte, só pode contribuir para dificultar encontrar um acordo final. Perante esta situação, muitas das vezes, é imperativo recorrer a mecanismos alternativos aos princípios legais para obter um latus consensus.

Ora bem, exauridos todos os mecanismos endógenos para encontrar uma solução razoável para atenuar a crise, tendo em conta que é assaz difícil estancar a visceral e complexa hemorragia de há muitos anos, vislumbrou-se uma negociação além fronteiras que, a partida, deveria basear-se na neutralidade, imparcialidade e boa fé.

Volvidos dois anos, devido à luta frenética pela sobreposição da verdade relativamente ao cumprimento dos dois pontos nevrálgicos constantes no acordo de Conacri, cujo 1º ponto diz que “a escolha de um novo Primeiro-Ministro deve ser através de um processo consensual e que tenha a confiança do Presidente da República, e, por último, e o 10º ponto refere que “a reintegração efectiva dos 15 Deputados dissentes no seio do PAIGC, sem condições e estrita observância com os estatutos em vigor no PAIGC”, deu guarida à não aplicação empírica dos compromissos subsumidos em Conacri.

Incapaz de encontrar alternativas exequíveis ou fazer vingar o novo quadro jurídico-constitucional tendo em consideração à nova maioria parlamentar, que veio a ser confirmada pelo Acórdão 3/2016 de 4 de Abril 2016, do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) na veste do Tribunal Constitucional, que diz que “a Comissão Permanente da ANP não tem competência para determinar a perda do mandato de Deputado da Nação; Esta competência é exclusiva do Plenário da ANP”, na sequência de expulsão dos 15 Deputados do PAIGC, o mediador decidiu optar pela fuga à frente, dando azo ao slogan do meu vizinho do Bairro Internacional e Líder Histórico do PRS, Dr. Kumba Yala “ou morremos todos; ou vivemos em paz permanente”.

O próprio mediador, o Professor Alfa Condé, reconheceu, numa entrevista a TSF/Lusa, a falha que cometeu, afirmando que “(…) mais-valia ter anunciado o nome do primeiro-ministro (…). Pequei por falta de vigilância (…)”(O Democrata: 11/10/2016). Para o Morgenthau “a diplomacia que acaba na guerra falhou o seu primeiro objectivo” (1993, 361-32).

O que me motivou a eleger pontos 1 e 10 constantes do aludido acordo, deve-se ao facto da polémica instalado em torno da sua aplicação e sua preponderância para desatar o nó à crise.

Nesta acepção, escalpelizando várias literaturas sobre o conceito de negociação, o que me pareceu mais próximo e reflectir inequivocamente a presente crise é do autor francês Alain Plaintey, que diz “a negociação seria o conjunto de práticas que permitem compor pacificamente os interesses antagónicos (…)”.

Posto isto, após ter esmiuçado de maneira holística e minuciosa os dois pontos em questão, gostaria de dizer o seguinte:

Relativamente ao ponto 1 – para começar designaremos a palavra “consenso” de quantitativa e a “confiança”de qualitativa, uma vez que, independentemente da escolha de um nome pela maioria, cabe ao Presidente da República (PR) avalizar um da sua confiança e capaz de garantir a estabilidade governativa após a nova configuração no parlamento.

Importa salientar que a palavra “confiança” indica “voto de qualidade” no caso em questão, o que só veio a dar mais robustez o poder do PR, que havia sido limitado devido à negociação a margem da Constituição da República, lei magna que rege o normal funcionamento das instituições, cabendo-lhe o papel de facilitador do diálogo.

Assim sendo, um dos erros crassos e aberrante cometido pelo mediador, após as partes terem escolhido consensualmente um dos três nomes proposto pelo PR, deve automaticamente constar no texto final, e não remetendo esta responsabilidade para o PR. Porque, como tem sido veiculado pelos opositores de que a presente crise tem cunha do PR até prova ao contrário, se partimos do pressuposto que o nome do Dr. Augusto Olivais foi o que mereceu o consenso, como tem afirmado os opositores, será que o PR é figura indicada para anuncia-lo? Se realmente é verdade, isto quer significar que o nome em causa não mereceu a sua confiança pelo simples facto de não o ter nomeado até à data presente.

Percorrendo, ainda, entre linhas ficou patente que, mesmo sendo o proponente dos três nomes, certamente, há um que é mais da sua inteira confiança, independentemente do consenso obtido pelas partes signatárias do aludido acordo, o seu desejo pode contrariar o da maioria, obrigando ao regresso à estaca zero.

Há que assinalar ainda que foi descurado um factor essencial neste imbróglio, qualquer que seja reunião, sobretudo de alta envergadura, tradicionalmente, é impreterível a elaboração de uma acta que constitui o relato fiel dos assuntos que foram abordados que, após a sua leitura e aprovação, será assinada pelo mediador, secretário e as partes implicadas. A falta de um documento probatório, é susceptível à resistência à sua aplicação.

No que se refere ao ponto 10, devido ao seu carácter contraditório e duvidoso, antes de avançar com qualquer tipo de interpretação, procurei inteirar da definição da palavra “Efectiva”, entre várias fontes, segundo o Dicionário Priberam significa – “que ou quem pertence a um quadro profissional que não é provisório ou temporário”. Isto quer significar que os militantes/deputados expulsos devem retomar em plenitude a militância e funções que vinham desempenhando, sem qualquer tipo de condicionalismo ou restrições, o que contrastaria com a última passagem que diz “estrita observância com os estatutos em vigor no PAIGC”. Ou retornam ao partido sem medidas restritivas ou retornam mas serão sancionados. Das duas uma! Por isso que insisto que, devido à imprecisão na definição de objectivo e clareza nos conteúdo do texto acima referenciado, contribuíram para lançar mais achas na fogueira.

Face acima exposta concluiu o seguinte:

  1. É impreterível encontrar alternativas ao acordo de Conacri, por ser extemporâneo e já não satisfaz as exigências que impõe a situação actual;
  2. Não terá a crise o desfecho final satisfatório com a nomeação do Dr. Augusto Olivais, para o cargo do PM, se o PAIGC não arrepiar o caminho, aceitando de volta, incondicionalmente, os militantes/deputados expulsos;
  3. O PRS e mais 15 deputados do PAIGC, 2 do PCD e 1 do PND vão continuar a constituir a maioria no parlamento, e não há garantias que o acto similar não voltará acontecer, porque a nomeação do Dr. Olivais, implica o regresso à normalidade constitucional e deve apresentar o seu Programa de Governação à plenária de ANP para apreciação e aprovação, tudo indica que não obterá votos suficientes;
  4. O cumprimento do calendário eleitoral ou a dissolução do parlamento, não será panaceia, se os problemas cíclicos não forem resolvidos de estirpe;
  5. A sanção em forja, que será dada pela CEDEAO com aval da UA, só tenderá a agitar o já agitado ambiente político e, quiçá, antecipar o indesejável, basta olharmos com os olhos de ver o evoluir da situação.

Assim sendo, proponho o seguinte:

  1. Em consonância com o acordo de Conacri, permitir que o PR escolha um PM da sua confiança, mas que irá incidir sobre o consenso da maioria das partes signatárias do acordo de Conacri, para ser sufragado no parlamento;
  2. Em caso da permuta do 10º ponto para o 1º ponto do acordo de Conacri, devolvendo assim o poder ao Partido vencedor das últimas eleições legislativas, mediante a reintegração, sem excepção, de todos os militantes expulsos no decorrer da crise. Isso implicará anulação dos actos subsequentes; e, por último e não menos importante;
  3. Ainda não é tarde para encontrar uma saída que satisfaz a mim, tu e nós, conjugando assim o verbo genericamente.

Bog blagaclavit Guineiu-Bissau

Spaciba!

 

 

Por: Ismael Sadilú Sanhá

Mestre em Relações Internacionais

pela Universidade Lusíada de Lisboa

 

 

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