Reportagem: CENTRO MENTAL DE QUINHAMEL RECUPERA DOIS MIL TOXICODEPENDENTES

O Centro de Recuperação de Toxicodependentes de Quinhamel, “Desafio Jovem”, reabilitou cerca de 2.000 (dois mil) doentes mentais ao longo dos seus dezasseis anos de existência. Sendo da data do arranque das suas actividades o ano de 1999/2000; sob auspício do pastor envangélico Domingos Té.

Aquele centro de reabilitação e reinserção dos toxicodependentes, alcoólicos e drogados, começou a funcionar em pleno em Quinhamel em 2002 com 15 a 20 jovens, a camada mais vulnerável à toxicodependência. O número tem vindo a aumentar a cada ano até atingir neste momento, a 150 (cento e cinquenta) pacientes por ano ou mais a partir do ano 2005.

O centro já ganhou uma dimensão sub-regional, recebendo toxicodependentes do Senegal, da Gâmbia e da Guiné-Conacri. Atualmente, tem 68 jovens com problemas mentais por reabilitar. A escolha de Quinhamel para albergar o centro, deve-se a sua situação geográfica que facilita a ligação com a capital Bissau. Também a disponibilidade do governo local em ceder a tempo o espaço para edificação do centro ajudou a instalação na capital dos biombenses.

A nossa equipa de reportagem viajou para o sector de Quinhamel a 40 quilómetros da cidade de Bissau, para inteirar-se do funcionamento do centro de reabilitação de toxicodependência, que desempenha um papel preponderante nos últimos anos, após o encerramento do centro mental estatal de Bissau, sito no Bairro de Enterramento, reaberto recentemente.

Entre a chuva e um pouco de sol, os repórteres percorreram num carro de transporte misto, os quarenta quilómetros. A chegada mereceu uma tolerância do tempo, quando deixou de chover até ao regresso à Bissau, já no fim do dia.

Andaram a pé cerca de um quilómetro para chegar ao centro dos toxicodependentes, onde o visitante pode desfrutar de uma vista natural do rio e de um ar puro vindo do mar.

O centro apresenta um aspecto humilde, tem 180 metros de comprimento e 80 de largura. Parte dos terrenos de cerca de 40 metros sofre se erosão provocada pelas águas do rio, transformando o terreno que antes tinha a forma de um rectângulo passou para a forma de pirâmide.

A simplicidade do centro vê-se logo à entrada. A vedação é de uma muralha de cerca de um metro de altura e a parte superior feita de chapas de zinco para proteger o centro de os olhares indiscretos e proteger a privacidade dos pacientes. Possui uma entrada principal para os carros e pessoas, porém sem portão.

A segurança é razoável. O pastor Domingos Té conta com apoios dos antigos toxicodependentes já reabilitados que tratam da instalação de novos doentes, assim como ensinar-lhes as regras do funcionamento do centro.

A parte interior destas instalações, não tem qualquer vedação e é limitada pelo mar que serve de espaço de laser para os doentes recuperados e que permanecem no centro para completar a fase de reinserção na sociedade.

Os repórteres observaram um ambiente harmonioso em que o pastor vive com os doentes que se encontram em fase de recuperação. Os pacientes na última fase de tratamentos prestam auxílio na cozinha, na apanha de lenhas e na execução de algumas tarefas, como a limpeza do recinto do centro, assim como na reabilitação de alguns lugares.

Sem apoio do governo, o centro funciona em colaboração com familiares dos toxicodependentes que pagam um valor de 45 mil francos CFA (quarenta e cinco mil francos cfa) mensal, subdivididas em partes para a alimentação e medicação dos pacientes. Sem esse valor simbólico, o centro seria obrigado a fechar as suas portas, como clarificou o pastor Domingos Té.

“Não podemos fazer milagres, por isso, incentivamos os familiares a colaborar no sustento dos respectivos doentes ao longo da sua recuperação no centro, porque o governo não subvenciona este trabalho”, lamentou Domingos Té.

O centro recebe doentes de idades compreendidas entre 14 à 60 anos.

Com objetivo de reabilitar e reinserir os toxicodependentes na sociedade, o centro matricula aqueles que já estão reabilitados nas diferentes escolas do setor de Quinhamel, desde liceu, a ensino básico e as escolas primárias.

Alguns familiares pagam menos de 30 mil francos CFA, devido às dificuldades financeiras. Alguns toxicodependentes foram abandonados pelas próprias famílias, obrigando o pastor Domingos a redobrar os esforços para sustentá-los diariamente, apoiá-los em medicamentos e nos custos escolares.

Há toxicodependentes abandonados pelos familiares há cerca de dois anos no centro.

O pastor Domingos Té é formado na área de Filosofia para lidar com toxicodependentes em Lisboa, Portugal, através da organização do norte-americano David Wilkerson chamada de “Teen Challenge” – “Desafio Jovem” em português.

Desde a sua abertura, o centro tem estado a deparar com diferentes tipos de problemas mentais e já faz parte do roteiro dos centros de recuperação de toxicodependentes a nível internacional, inscrito na página 170 da Teen Challenge Internacional.

Nos primeiros tempos, os doentes não pagavam nada. E o centro funcionava num regime comunitário. Mas depois começou a receber doentes em estados avançados de degradação mental, ou seja, de perturbação de ordem psicológica avançada e viu-se obrigado a solicitar a participação financeira dos familiares em cerca de 45 mil francos, 30 mil dos quais destinados às três refeições diárias e 15 mil para o tratamento e medicamentos, tendo em conta que os toxicodependentes precisam alimentar-se bem por forma a poderem tomar medicamentos durante um mês.

TERAPIA ESPIRITUAL COMO MÉDOTO FUNDAMENTAL NA RECUPERAÇÃO

Pastor Domingos TE QUINHAMEL

Os tratamentos administrados aos toxicodependentes no centro baseiam-se nas terapias de grupo, psicossocial, psico-ocupacional e espiritual, o segredo do centro mental, onde todos se envolvem nas atividades desenvolvidas a fim de ajudar os doentes a reganharem as suas consciências paulatinamente, através de palestras.

“Apenas a toma de medicamentos não cura um doente mental, que no fundo precisa de libertar-se de si mesmo, para ganhar uma nova consciência e nova visão, ou seja, adquirir um novo olhar dele mesmo, através da partilha de ideias. Neste sentido as palestras ajudam na mudança de mentalidade dos toxicodependentes”, explica o pastor.

Té acredita que, quando uma pessoa tem uma fraca imagem de si mesma, é fácil entrar no alcoolismo e na droga, acrescentando que o individuo que tem uma boa imagem de si nunca tem uma decisão incorrecta na vida, nem entra no consumo de psicotrópicos que destruirão a sua vida e os seus sonhos.

Durante a recuperação, os toxicodependentes são treinados de modo a ganharem uma nova visão, nova ambição e poderem finalmente fazer um projeto de vida, em suma libertá-los do vício totalmente.

O tratamento de um toxicodependente inclui também os métodos de clínica-geral, os métodos psicológicos e espirituais, com a introdução de conceitos bíblicos. Os dois últimos são os privilegiados do pastor Domingos Té para a reabilitação dos seus pacientes.

Alguns dos doentes que estão no tratamento em centro já passaram pelos tratamentos nos hospitais, nos quais receberam tratamentos clínicos-geral, mas sem sucesso. Por este motivo principal o pastor Domingos Té basea a sua cura nos métodos psicológicos e espirituais, não implicando que os pacientes não tomem medicamentos, porque a toma de comprimidos adequados ao seu estado ajuda-os a libertarem-se dos males causados pela droga ou álcool.

O centro ganhou uma dimensão internacional, quando começou a receber doentes mentais provenientes de grandes centros mentais ou psiquiatrias de Dakar, Portugal, Espanha, França e Suíça. O centro reabilitou um guineense proveniente de Suíça, que é outro exemplo da eficácia do método adoptado na instituição do pastor Domingos Té. Na maioria dos casos de doentes vindos do exterior e que ficaram reabilitados, eles doentes voltaram aos países de proveniência e para continuar as suas vidinhas, como é o caso do suíço-guineense.

ÁLCOOL, TOBACO KIZA E LIAMBA PRODUZEM TOXICODEPENDENTES

A camada juvenil, sendo a maior vítima dos psicotrópicos, chega ao centro com problemas mentais causados pelo consumo de álcool, tabaco, liamba e ‘crack’ (kiza entre os guineenses) de que são “produtores” por excelência de toxicodependentes no país.

Álcool, crack e liamba constituem uma ameaça à saúde mental e à sociedade guineense em geral.

Crack, restos de cocaína transformado em pedra através da fusão com bicarbonato e considerado pelos especialistas como a mais perigosa entre as drogas, é capaz de destruir a mente de uma pessoa, devido a elevada capacidade de estimulação que tem. E enlouquece fácil e rapidamente qualquer um que o consome, mexe com cérebro e cria alterações de comportamentos.

“O Crack ou Stone altera o estado mental de quem o consome, a forma de agir e de refletir da pessoa crackista é muito baixa, e cria-lhe alucinações e delírios. Ainda a pessoa perde a descriminação do espaço e do tempo. Traz delírios persecutórios, de grandiosidade, de comando, ouvindo vozes que orienta a pessoa para executar uma operação e até a pessoa pode matar, porque ela ouve vozes e vê imagens que não existem, mas toda a falsa realidade existe na sua mente movida pela kiza”, contou o especialista.

O consumo de álcool, além de criar problemas mentais a uma pessoa, também cria-lhe ainda a epilepsia. Há quatro doentes mentais com tais problemas a serem reabilitados em Quinhamel.

“EU ERA TOXICODEPENDENTE DA LIAMBA E ALCÓOL”

A nossa equipa de reportagem registou  a testemunha  de um jovem paciente que está a receber um tratamento espiritual e psicológico no centro evangélico de reabilitação de tóxicos dependentes de álcool e droga. O jovem que se encontra internado devido a perturbação mental causada pelo consumo de droga (liamba) é canalizador de formação.

O jovem paciente de 29 anos, que havia caído no consumo de droga (liamba), confessou à nossa reportagem que sonha ter uma licenciatura em Engenharia Informática.

“Já fui um delinquente, eu andava pelas ruas dos bairros de Bissau. Hoje  estou  arrependido da minha atitude e, por isso, apelo aos jovens para que  não sigam  os mesmos caminhos por onde andei, devido o  perigo à saúde e  à sociedade”, aconselhou.

Reconheceu o trabalho que o pastar Domingos Té tem vindo a fazer para a reabilitação dos   tóxico dependentes.

“Estou numa situação de saúde agora mais  confortável em relação ao momento em que cheguei ao centro. Estou a estudar 10° ano,  saio do centro para ir à escola no centro de Quinhamel. No domingo costumo ir assistir a missa em Bissau. Portanto todo este percurso prova que estou melhor e em óptimas condições psicológicas”, contou o jovem.

CENTRO MENTAL REINTEGROU 25 JOVENS NOS ÚLTIMOS ANOS

No capítulo de reinserção, o centro já reintegrou jovens que estudam agora nos liceus e alguns que concluíram o liceu e ingressaram-se nos centros de formação, uns a receber treinamento no domínio da teologia, outros foram estudar para o Brasil, alguns cursam línguas estrangeiras em Bissau, assim como existem muitos que foram reintegrados pelos familiares no comércio informal e alguns que trabalham atualmente nas empresas de segurança privada.

Durante a recuperação, o paciente tem a oportunidade de seguir a sua religião normalmente. Quando entra numa segunda fase de recuperação, os muçulmanos deslocam-se normalmente às mesquitas e os católicos às suas igrejas. O Centro Mental é propriedade da Igreja Evangélica.

O centro – “Desafio Jovem” conta com seis jovens que auxiliam os trabalhos de Domingos Té, entre eles uma menina. Todos passaram por programas de desintoxicação, ou seja, são antigos internos daquele centro mental.

Para o pastor Domingos Té, os antigos toxicodependentes conhecem melhor os toxicodependentes, desde a linguagem e as técnicas para convencê-los. Conhecem igualente as suas características, por isso, considera os seus auxiliares de bons colaboradores e bons seguranças.

Os colaboradores de Domingos Té, às vezes são solicitados para se deslocarem ao interior do país para capturar toxicodependentes e trazê-los para o centro de recuperação de Quinhamel, por serem profundos conhecedores das suas guerras psicológicas.

São ainda os antigos toxicodependentes já reabilitados que se ocupam de receber e ajudar na instalação dos novos toxicodependentes e na administração de medicamentos durante a primeira fase de recuperação.

As pessoas que já foram toxicodependentes conhecem mais do que ninguém o perfil de quem se tornou toxicodependente, afirmou o pastor.

Neste período das chuvas, os doentes internados no centro praticam as lavouras de amendoim, mandioca e milho.

Nas épocas normais, os toxicodependentes produzem blocos para construção civil destinados a algumas obras no centro, também alguns doentes ocupam-se da limpeza, a apanha de água e ajudam na cozinha.

Huambo é um quarto (espécie de uma prisão) onde os toxicodependentes recém chegados e que estejam em estado crítico e agressivo são internados sob a vigilância de pessoas já recuperadas.

POLÍCIAS COMO CÚMPLICES DA TOXICODEPENDÊNCIA NO PAÍS

O Pastor Domingos acha que a droga “liamba” apreendida pela polícia nunca foi queimada na Guiné-Bissau, apontando os toxicodependentes como colaboradores de alguns agentes de segurança e não se importam com aqueles, porque são camaradas e subornam-nos.

Té critica a forma como a liamba circula facilmente no país, prejudicando ainda mais a saúde dos jovens guineenses. Na evacuação de doentes, o centro conta com a colaboração da Polícia de Intervenção Rápida e da Guarda Nacional, no transporte de toxicodependentes de Bissau para Quinhamel.

Té revelou que as pessoas estão a produzir a liamba como se tratasse de cultivo de amendoim. No seu entender, a liamba está a circular livremente como o tabaco. Segundo ele, o sucesso do centro do governo que tem de tomar medidas contra a sua circulação no país.

CENTRO PARA TRINTA E CINCO PESSOAS ALBERGA AGORA CERCA DE 100 DOENTES

O “Desafio Jovem” está com falta de infraestruturas. A prova disso é o número de internados que o centro alberga atualmente, cerca de cem (100) pessoas, no entanto foi projectado para trinta e cinco (35) toxicodependentes. Isso tem obrigado a que os pacientes durmam três ou quatro no mesmo colchão.

Domingos Té tem na forja um projeto de instalação de um centro similar no leste do país, por ser a zona com maior incidência de toxicodependência. Assim, aliviar-se-ia o centro de Quinhamel, que tem acolhido até aqui os doentes de toda Guiné-Bissau.

De momento, o centro conta com dez mulheres a receberem tratamentos, das quais duas pelo consumo de droga e álcool, algumas por violência doméstica, casamento precoce e falecimento do marido ou do filho.

O Pastor Domingos promete continuar o seu trabalho por ser um desafio criado por ele mesmo, ainda que o governo permaneça longe da sua instituição. Porém lembra que recebeu um inédito apoio do executivo guineense no período de transição política.

Nos últimos dois anos, o centro recebeu uma média de quinze a vinte pessoas por mês. No cômputo geral: de 2014 a 2015 o centro acolheu 343 toxicodependentes dos quais 300 foram recuperados, os restantes decidiram fugir antes de terminar os tratamentos.

A comunidade cristã nacional (evangélica, protestante e católica) presta ajudas pontuais ao centro “Desafio Jovem”.

O Pastor assegurou que, na Guiné-Bissau, não são apenas as pessoas pobres os toxicodependentes. Mas também entre eles há filhos de ministros, generais e militares, que às vezes roubam armas dos pais para executarem ações para sustentar seus vícios.

O programa de recuperação tem uma duração de um ano dividido em quatro fases: a primeira é a da ressaca ou da desintoxicação, na segunda o paciente fica mais à vontade e liberto de dependência e até pode passar os fins de semana com familiares. A terceira fase é o início de reinserção e a quarta fase já mais pedagógica e de orientação técnico-profissional, mas para este último aspecto o centro não dispõe de recursos para a sua implementação na íntegra.

O centro não dispõe de energia elétrica nem da água potável. Os internados desfrutam da luz das lanternas no período da noite, com falta de espaço para responder as demandas da sociedade guineense.

Futuramente o centro pretende implementar a cria de galinhas, cabras e a produção de ovos de galinha.

 

 

Por: Sene Camará/Tiano Badjana

Foto: Marcelo N’canha Na Ritche

 

2 thoughts on “Reportagem: CENTRO MENTAL DE QUINHAMEL RECUPERA DOIS MIL TOXICODEPENDENTES

  1. Muito obrigado, caros jornalistas incansáveis de O Democrata. Fiquei super comovido com esta reportagem, e lamento por não ter conhecimento sobre o funcionamento deste centro neste molde. Claro, o meu incentivo ao pastor Domingos Té, espero que, com esta reportagem, vá encontrar pessoas de boa vontade e fé para apoiar estes nossos irmãos que necessitam de ajuda e de viverem num lugar condigno. Prometo visitar este centro e os que lá, neste momento, estão a receber apoios. Sou leitor assíduo de O Democrata, mas nunca fico tão triste como esta notícia que acabei de ler.
    Tiano, espero que me vais acompanhar assim voltar à Guiné.

  2. o meu nome e adolfo cidadao guinense residido mais de 24 anos em londres no reino unido inglaterra e irlandia do norte, fiquei bastante satisfeito com vosso trabalho em ajuda destes doentes especialmente aos jovens para um futuro melhor do pais e agredeco mais ao pastor sr.Domingos Te pelo o seu grande esforco,empenho e dedicacao deste grande trabalho sem apoio governamental que e uma tarefa muito deficil,espero que o centro devia fazer contactos com parceiros internancionais a fim de vos criar uns fundos financeiros de apoios.
    muito obrigado and god bless you guys…love and peace.

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