Grande entrevista (parte II/III): “PODEMOS TER NO PRÓXIMO ANO UM DÉFICE DE 200 MIL TONELADAS DE ARROZ DEVIDO À SECA”

DSC_0908Entrevista com Engº Rui Nené Djata, director de serviços de engenheira rural do ministério de agricultura e igualmente coordenador do projeto PEASA.

D: Será que existe a política agrária no país?
RND: Sim, temos a política de desenvolvimento agrário, que fora elaborada desde 1996, se a memória não me engana. É bom saber que o próprio ministério da agricultura não tem a capacidade de investimento, pelo que não consegue implementar a política agrária elaborada.
As acções implementadas no terreno são através dos pequenos projectos financiados pelos doadores internacionais, portanto com o fim do projecto todo o mundo volta para o ministério no sentido de preparar outro projecto. O país tem a política agrária, mas a implementação do plano de acção da política agrária depende essencialmente do financiamento exterior.

D: Quais são os principaís eixos da política agrária do país?
RND: O Governo declara na carta da política agrária que tem de fornecer a comida em grande quantidade e de boa qualidade para poder alimentar a população. Ainda na carta agrária, as autoridades elegeram como a prioridade a produção de cereais e particularmente o arroz, mas também a política visa minimizar a importação de arroz. O país, de acordo com os dados, gasta anualmente entre 30 e 40 milhões de dólares norte-americanos na importação de arroz, portanto o montante usado na importação de arroz anualmente podia servir o país para investir o mesmo na agricultura no sentido de criar a riqueza interna.
Utilizamos 40 milhões de dólares para comprar o arroz de outro povo que trabalha como nós. Devemos apostar na nossa capacidade e criar as condições necessárias para podermos produzir, porque o arroz que importamos, a maioria, não tem a qualidade.
O governo, na carta política agrária, recomenda a produção do arroz para podermos ter a auto-suficiência alimentar. Se não pudermos produzir para vender noutros países, mas pelo menos podemos exportar para o nosso vizinho, que é o Senegal, que precisa anualmente de mais de 600 mil toneladas de arroz. Temos a capacidade de produzir grande quantidade para sustentar o mercado interno e vender para o Senegal, se as condições técncicas e materiais forem criadas.
Podemos produzir arroz em grande qualidade, que nem vai precisar dos produtos químicos. Temos a chuva, a terra suficiente para lavrar, mas porque é que não vamos apostar na agricultura? A única coisa que se deve fazer é organizar as coisas muito bem, depois procurar os fundos para investir no sector de agricultura.
Outro eixo que está plasmado na carta agrária indica a diversificação da exportação. Até neste momento mais de 98 por cento da exportação é a castanha de caju, que também vai para o único mercado, que é a Índia. A diversificação dos produtos é uma mais valia para o nosso país, porque produtos diversificados podem ser também exportados em grande quantidade como a castanha de caju. Podemos produzir o feijão, mancarra, mandioca e podemos vendê-los na nossa sub-região. Ainda temos as condições para extrair o óleo de palma em grande quantidade e exportá-lo, bem como coconote, gegiline (Bene) e entre outros.
A carta agrária recomenda ainda a promoção do sistema de produção de forma racional, porque o nosso sistema de produção actualmente está muito desorganizado. Se continuarmos com o sistema actual vamos estragar totalmente a nossa terra. Temos 1.32 mil hectares de terras para a produção de baf-onds, mas no momento podemos contar apenas com 200 a 300 mil hectares da terra com aptidão para a produção. O resto do espaço já não está em condição, de maneira que está dominada pela areia grossa, pelo que precisa de um bom trabalho para a sua recuperação. Temos problemas graves nas bacias hidrográficas, pelo que é preciso identificar as zonas que se degradaram a fim de protegê-las através da plantação das árvores de caju.
Estou a escrever um projecto de 45 milhões de dólares norte-americanos para o ministério de agricultura no domínio da engenharia rural para a criação das infra-estruturas. Portanto, neste projecto temos uma parte que fala da proteção das bacias hidrográficas. Temos as bacias de Mansoa com 19 mil hectares, a Geba tem 25 mil hectares e a bacia de Cubindja tem 22 mil hectares.

D: A região de Tombali era considerada uma das maiores regiões em termos de produção de arroz, mas actualmente não consegue produzir grande quantidade. O que é que se pode fazer, tecnicamente, para recuperar as bolanhas de Tomabali?
RND: Não vou falar apenas da região de Tomabali. O sul é celeiro da Guiné-Bissau, mas no momento depara-se com problemas das suas bolanhas. A população de sul gosta de trabalhar, portanto creio que, se forem criadas as condições necessárias, certamente, vão produzir muito mais. Imagina os trabalhos que fazem para poderem trabalhar nas bolanhas de arroz do mangrove. Onde deveriam pôr tubos adequados para facilitar a saída da água, colocaram palmeiras cortadas e perfuradas que permita a passagem da água. Às vezes, põem as canoas trabalhadas tudo para poderem produzir e garantir as suas sobrivivências, pelo que estou convicto que se fossem criadas as condições e com a recuperação das suas bolanhas irão trabalhar muito mais daquilo que estão a fazer.
Temos arroz de qualidade, sobretudo aquele que vem do sul, de mangrove, e o processamento deste arroz é tradicional. É preciso criar as condições das infra-estruturas de agricultura, bem como criar as condições de processamento de arroz para poderem vender com a maior qualidade no mercado.

D: A Guiné-Bissau assinou a convenção de Maputo, da União Africana, que recomenda aos assinantes da mesma de consagrar, no mínimo, 10 por cento do Orçamento Geral de Estado à agricultura. Na qualidade de expert neste sector, pode-nos confirmar se o país aplica mesmo 10 por cento do Orçamento no sector de agricultura?
RND: Lembro-me de que desde que iniciei os trabalhos neste ministério até a data presente, o orçamento do ministério de agricultura é de 3 a 4 por cento. A recomendação da convenção do Maputo ainda não foi aplicada, portanto não sei por que e quando é que o executivo vai começar a aplicar o orçamento de 10 por cento para a agricultura, de acordo com a convenção do Maputo.
O orçamento do ministério de agricultura serve apenas para o pagamento de salário ao pessoal, mas também é um salário muito pequeno. Um agrónomo com a formação superior que faz mais de 20 anos de serviço ganha mensalmente 56 mil Francos CFA e alguma coisa. Enquanto os técnicos com a formação médio de agronomia ganham mensalmente uma soma de 49 mil e alguns francos. Então, o orçamento consagrado por executivo para o ministério de agricultura apenas serve para o pagamento do magro salário aos funcionários.
Imaginem, nem eu, na qualidade do Director do Serviço da Engenharia Rural, não consigo deslocar para a região de Tombali, a fim de ir fazer o ponto de situação na bolanha. Isto porque o orçamento que temos se limita apenas ao pagamento do salário, mesmo o combustível para a viatura a pessoa é obrigada ludubriar para poder deslocar-se.
Não temos a capacidade operativa. Mesmo se tivermos um plano operacional não o podemos cumprir, porque não temos meios. Será que podemos avançar nesta situação ou pensar no desenvolvimento do sector? Portanto, a primeira coisa que se deve fazer é criar as condições de trabalho e meios de deslocação para os técnicos.
Se não apostarmos na produção interna, garanto que nem a educação e a saúde podem avançar, porque não há ninguém que continua financiar o sistema de educação e saúde de um país. Temos que apostar na produção, ou seja, investir na agricultura e pesca a fim de criar a riqueza e investir em outros sectores como a educação e a saúde.

D: Fala-se muito da segurança alimentar… O que é a segurança alimentar?
RND: A segurança alimentar é área transversal. A sua definição clara fala na criação da capacidade de produzir os alimentos de qualidade e acessível para a sua população.

D: Qual é a política da segurança alimentar na Guiné-Bissau?
RND: Não existe uma política de segurança alimentar no nosso país. Recomendei, no trabalho que fizemos do programa do Governo, que seja elaborada uma política nacional de segurança alimentar. Falei há pouco que é transversal, porque alguns ministérios devem colaborar na promoção da segurança alimentar no nosso país.

D: A Guiné-Bissau é um país essencialmente agrícola. Os agricultores lavram, em média, 2.500 metros quadrados que nem se quer chegam para o consumo de quatro meses. Alguns técnicos defendem que o país precisa atrair os investidores privados neste sector, exemplo de AGROGEBA, em Bafatá. Comunga a mesma opinião?
RND: Claro, concordo com essa ideia. Precisamos da mecanização da agricultura, mas temos que arranjar a forma de conseguir mais máquinas de lavoura para apoiar os camponeses. A própria população já está cansada de trabalhar com a mão, pelo que precisam ser apoiadas com as máquinas de lavoura. No terreno, se costuma ver as pessoas em fila a espera do tractor para poder ir cultivar o seu terreno, porque com a máquina, não só vai aumentar a produção em grande quantidade, bem como vai repousar, deixando a máquina fazer o trabalho em algumas horas de tempo e que ele podia fazer durante dias ou semanas.

D: O senhor é coordenador do Projecto PEASA. Quais são as realizações da PEASA desde o início do seu funcionamento?
RND: Começo por explicar que o projecto iniciou no período em que havia grande crise alimentar, bem como havia falta da chuva e o aumento do preço do arroz no mercado internacional. Foi ali que o Banco Mundial financiou este projecto num valor de quase dez milhões de dólares norte-americanos. O Banco Mundial concedeu um valor de cinco milhões de dólares e a União Europeia deu um montante de mais de quatro milhões de dólares, juntando todos esses valores se estima em quase dez milhões de dólares norte-americanos.
No projecto previmos a reabilitação de mais de cinco mil hectares de terras para a produção de mangrove e o baf-onds. Conseguimos reabilitar 5.621 (cinco mil e seissentos e vinte e um) hectares da terra, portanto conseguimos fazer mais daquilo que era necessário.
Outra finalidade era de financiar a cantina escolar, porque o Banco Mundial entende que as crianças não podem ir à escola com fome, é razão pela qual financiou o projecto de cantina escolar. São no total mais de 28 mil crianças que beneficiaram deste projecto a nível de diferentes escolas. O projecto conseguiu fazer a reabilitação de 250 pistas rurais, com o intuito de facilitar a deslocação das pessoas. Conseguimos fazer um bom trabalho, até o Banco Mundial ficou bastante satisfeito com o projecto, pelo que estão disponíveis a apoiar a segunda fase do projecto no valor de sete milhões de dólares, que vai centralizar na criação das infra-estruturas, sobretudo a agricultura irrigada.

D: Qual é a comparticipação do executivo neste projecto?
RND: A comparticipação do Governo neste projecto é zero. O Banco Mundial financiou o seu componente 100 por cento. Aliás, devo lembrar que o executivo entrou com o recurso humano e as infra-estruturas, porque eu sou o funcionário do Governo e também estamos a usar a instalação do Governo para os trabalhos do projecto.

D: O projecto recebe o financiamento em valores significantes. Quais são os procedimentos para gestão do fundo?
RND: O Banco Mundial financia o projecto e o interlecutor é o ministério da economia. Para gerir o projecto deve-se criar uma unidade de coordenação de projecto que vai ter um coordenador, portanto neste caso eu sou o coordenador do projecto PEASA. O coordenador do projecto deve responder ainda directamente para o ministro da tutela, mas todos os aspectos da gestão financeira estão sob a responsabilidade da unidade de coordenação através do seu coordenador.
O Banco Mundial segue o projecto e quatro em quatro meses manda uma equipa de cinco a seis pesssoas de diferentes componentes para analisar o desenrolar do projecto e as despesas feitas. Os peritos do Banco Mundial pedem dossiês completos sobre os trabalhos executados e as contas. Mas mensalmente é obrigado ainda enviar os dossiês para o Banco Mundial e mesmo assim os seus peritos pedem dossiês de novo para analisar.

D: Que balanço faz da execução do programa do seu projecto e o seu impacto junto da população alvo?
RND: Digo que foi muito bom, porque se planificar uma actividade e conseguir executar todo já é uma grande coisa. Temos apenas dificuldades na reabilitação das pistas, porque a empresa nacional que contratamos para o efeito deparou com enormes problemas de materiais, que danificaram ao longo do trabalho. Conseguimos reabilitar as pistas, mas confesso aqui que não estou nada satisfeito com a qualidade da obra e, por isso, estamos a providenciar que, na segunda fase do projecto, se proponha a construção das pistas rurais, que, desta vez, segundo a nossa decisão, devem ser feitas com a maior qualidade possível.
O impacto que registamos na população é o aumento da produção de arroz, no qual conseguimos fazer mais de cinco mil hectares. Previu-se que nos cinco mil hectares podemos conseguir sete mil toneladas de arroz processado, mas acabamos por conseguir mais de nove mil toneladas de arroz processado. Este nosso êxito foi tudo consagrado no relatório. Portanto, digo que a equipa que constituiu o projecto está de parabéns pelo bom trabalho feito.

D: Qual é a política do projecto PEASA nos apoios às agricultoras, sobretudo as mulheres horticultoras?
RND: O nosso projecto apoiou muito as mulheres horticultoras. Concedemos materiais hortícolas necessárias, sementes e, em alguns casos, escavação de fontes melhoradas para facilitar a irrigação das culturas hortícolas no campo. Inclusive apoios às mulheres horticultoras que fazem os trabalhos no campo de Granja de Pesubé, com materiais de horticultura.

….(segunda parte da entrevista) 1/3….a seguir

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