[REPORTAGEM] A Organização Não Governamental italiana – Ajuda à Saúde e Desenvolvimento (AHEAD) que administra o hospital de pneumologia “Raoul Follereau”, mobilizou uma equipa de médicos e enfermeiros de diferentes especialidades para uma campanha consultas de sete dias na povoação de Fanhe, sector de Nhacra, região de Oio, norte da Guiné-Bissau. A equipa está constituída por cinco médicos italianos entre analistas e psicólogos, a que se junta médicos e enfermeiros guineenses que trabalham no hospital Raoul Follereau.
A operação médica liderada pelos médicos italianos e que visa consultar e dar assistência médica a 100 pessoas diariamente, durante uma semana, resultou de uma solicitação feita, em 2017 pela população local à representação da organização italiana no país, AHEAD, em colaboração com a Associação italiana – Amigos da Guiné. Em resposta, a entidade responsável pela gestão do hospital Raoul Follereau decidiu acolher favoravelmente o pedido.
A tabanca de Fanhe fica a 22 quilómetros do setor de Nhacra e tem mais de 800 habitantes que vivem essencialmente da agricultura e pecuária. Tem cinco bombas manuais de água instaladas nas diferentes zonas, graças à Associação Italiana. Os habitantes continuam a queixar-se da falta de água potável o que, segundo dizem, é responsável por vários casos de doenças diarreicas que dão entrada no pequeno ambulatório, sobretudo em crianças menores de cinco anos de idade.
Fanhe não dispõe de nenhum centro de saúde e os habitantes são obrigados a deslocar-se a cidade de Nhacra para efeitos de consultas médicas. Os casos normais são atendidos pelos Agentes de Saúde Comunitária (ASC) que se limitam apenas a orientar as pessoas para recorrerem a outros centros hospitalares.
MÉDICOS PERSPECTIVAM CONSULTAR E ASSISTIR MAIS DE MIL PESSOAS DURANTE A CAMPANHA
A campanha de consultas vai incidir essencialmente nas consultas ligadas a tuberculose, teste de VIH-SIDA e anemia falciforme (uma doença que afeta o sistema imunitário do Homem). A previsão de atendimento avançada a O Democrata é de cerca de cem pessoas por dia até final dos trabalhos. Os profissionais italianos e nacionais de saúde esperam consultar mais de mil pessoas da tabanca de Fanhe e arredores.
As consultas e análises incluem crianças e idosos. Ou seja, todos os interessados serão consultados. No terreno, a equipa não se arrisca avançar com dados clínicos da população enquanto não tiver os resultados das análises e dos testes. Contudo, promete que na segunda fase dos trabalhos vai poder estar em condições de revelar qual é realmente estado de saúde dos fanheenses, ou seja, as doenças mais frequentes naquela aldeia.
Relativamente às testes de VIH-SIDA, o representante da ONG AHEAD no país, Mama Saliu Sanhá, disse que os trabalhos vão ser realizados mediante a disponibilidade de cada pessoa, ou seja, voluntariamente, não como as consultas da Tuberculose e Anemia Falciforme.
As consultas ocorrem por ordem de tabancas, em dois períodos (manhã e tarde). Os chefes das famílias inscritas apresentam (cada um) o nome da morança e o número do agregado. Em função disso, as consultas são feitas gradual e normalmente, sem muita agitação.
No primeiro dia dos trabalhos, O Democrata pode testemunhar uma aderência massiva que a operação teve, apesar da feira popular (lumo) que decorria também na localidade. Essa aderência terá motivado os médicos a dividirem-se em duas equipas para não criar lacunas na operação.
O representante da ONG AHEAD na Guiné-Bissau explicou que a operação médica é uma iniciativa pensada há muito tempo, mas nunca se chegou a pensar ou identificar uma localidade específica para efetuar a intervenção. Revelou ainda que em certas ocasiões, o hospital depara-se com problemas de superlotação, sobretudo nas suas enfermarias e que há casos de pessoas que chegam ao hospital já numa fase avançada de doença.

“Isso tem criado muita tristeza aos nossos serviços e nos nossos técnicos”, assinalou justificando de seguida que quando o hospital não consegue acolher os pacientes que chegam em avançado estado de doença, “é complicado e riste”. Todavia, assegurou que na medida dos possíveis, o centro hospitalar tem conseguido resolver os casos pontuais que diariamente recebe.
Segundo Mama Saliu Sané, para além desta intervenção, a sua instituição estava já a pensar num plano de ação preventiva (busca ativa para tratamento, quanto antes, de doentes de tuberculose antes que a doença agrave).
Para execução desse plano, Saliu Sanhá afirma que o hospital tem feito várias entrevistas com os doentes que recorrem ao centro e estes revelaram sem reservas o seu estado de saúde e as suas condições de habitabilidade. E com base nesse trabalho, a Ahead julgou que era necessário realizar uma intervenção mais profunda e “musculosa” a nível clínico, sobretudo nas áreas rurais.
Neste momento, a localidade Fanhe está a beneficiar da operação, porque a Associação Amigos da Guiné, que por inciativa própria construiu uma escola de jardim à nona classe e um pequeno ambulatório, interveio fortemente porque constatou que a população enfrenta vários problemas. Neste sentido solicitou à Ahead para intervir naquela zona para resolver certos problemas com que a população se defronta.
“Portanto, continuamos a trabalhar. Em 2017 realizámos duas visitas à localidade. Procuramos fazer um pequeno recenseamento da população local e depois indigitamos uma equipa para começar a atacar o problema”, assinalou, para de seguida revelar que neste sentido Ahead fez vários contatos, dos quais um resultou na vinda ao país, de uma equipa voluntária de médicos italianos que agora está a realizar a operação.
A intenção da Ahead era que a operação coincidisse com o dia mundial de luta contra a Tuberculose (24 de Março), mas a indisponibilidade de médicos inviabilizou o plano precipitando a vinda dos médicos (por questão humanitária).
“Para evitar que o hospital fique desfalcado, trouxemos dois médicos e três enfermeiras do nosso centro para em conjunto com os cinco médicos italianos levarem a cabo a operação”, explica.
Segundo Mama Saliu Sané, graças a um trabalho de equipa o hospital continuou a operacionalizar os seus serviços e ao mesmo tempo conseguiu, em colaboração com os seus amigos, instalar um hospital deslocado-ambulatório – na localidade.
Saliu Sané reconhece, no entanto, que a operação médica é dos poucos trabalhos desta natureza que Ahead está a realizar, visto que depois dessa primeira fase de identificação de suspeita de Tuberculose e de Anemia Falciforme, incluindo os testes voluntários de HIV-SIDA, talvez o hospital esteja em condições de ter informações úteis sobre aquela localidade.
Na segunda fase, os trabalhos concentrar-se-ão na operação de seguimento e de assistência às pessoas identificadas com doenças e ocorrerá no hospital Raoul Folloreau, em Bissau. Os trabalhos de seguimento e assistência médica serão feitos mediante a marcação de turmas médicas com a possibilidade dessas pessoas (suspeitas) serem eventualmente submetidas a outros exames, sobretudo a terapia em TB e anemia falciforme, bem como testes de HIV/Sida a pessoas que eventualmente sejam seropositivas.
“Vamos continuar a dar-lhes seguimento e assistência, incluindo psicólogos e assistentes sociais. Portanto, a segunda fase não é a fase mais difícil, mas é mais importante”, conclui Saliu Sané.
Em relação ao estado clinico de fanheenses, tanto o representante de Ahead na Guiné-Bissau como a equipa médica que realiza a operação diz ser prematuro avançar com quaisquer dados neste sentido, porque não há ainda resultados palpáveis para se poder pronunciar sobre a matéria. Contudo, as duas entidades esperam que no final dos trabalhos dessa operação estejam em condições de avançar com dados sobre a situação sanitária de Fanhe.
“O teste de tuberculose e anemia Falciforme será aplicado a todos os interessados, mas o de HIV/SIda dependerá da pessoa. Tem que se trabalhar a componente psicológica, por isso temos na equipa analistas e psicólogos”, esclareceu indicando que a operação deve atingir vinte tabancas de secção de Fanhe.
Admite, contudo, a possibilidade de a operação ser estendida a outras lugares ou zonas rurais, para descongestionar os serviços do hospital, que diz que às vezes não conseguem satisfazer ou atender todos os doentes.
MARUELLI GUIDO CRITICA ASSOCIAÇÕES POR ABANDONAR ALDEIAS E CONCENTRAR-SE EM BISSAU
Maruelli Guido, chefe da Associação italiana Amigos da Guiné-Bissau, explicou em entrevista a O Democrata que decidiu recorrer a Ahead no sentido de juntar-se a sua organização para apoiar a população de Fanhe em consultas e assistência médica gratuita. Acrescentou ainda que os problemas mais prementes da Guiné-Bissau estão ligados a setores de Saúde e Educação.
Foi pensando nisso que mobilizou a sua equipa para vir à Guiné realizar a operação. Maruelli Guido disse não duvidar da existência de várias associações no país, mas lamenta o fato de a maior parte delas centrarem as suas ações apenas em Bissau, deixando o interior do país numa situação de abando total, sem a água potável, assistência médica e medicamentosa (centros hospitalares ) e educação, neste caso, de infraestruturas escolares para as populações.
“Pesamos que existem várias associações na Guiné-Bissau, mas boa parte está concentrada em Bissau, deixando as zonas rurais em abandono total com consequências imprevisíveis”, indicou. Contudo, sublinhou que a vinda dos médicos do seu país à Guiné-Bissau, concretamente à tabanca de Fanhe, resultou de um contato positivo que teve com Dr. Ricardo, revelando de seguida que o programa definido prevê mil consultas, mas com a possibilidades desse número ser ultrapassado, dependendo da disponibilidade da população.
O italiano que se identifica agora como guineenses realçou, no entanto, a necessidade de o Estado ter dados estatísticos de doenças nas zonas rurais. No caso concreto de Fanhe, Maruelli Guido espera submeter no final dos trabalhos à Guiné-Bissau, ao Banco Mundial e à FAO os dados estatísticos resultantes desta operação.
“É importante que o Estado estenda os seus esforções às zonas rurais do país”, aconselhou o.
Lembrou que a sua organização chegou pela primeira vez a Fanhe em 2014. Depois de um encontro com os populares daquela localidade, facilitada por um dos membros da tabanca, a organização concluiu que era importante intervir no que era possível e construiu a escola. Porque a única infraestrutura escolar que existia em Fanhe fora construída na época colonial. Depois de desmoronar, as crianças passaram a frequentar a escola noutras localidades arredores de Fanhe (Dugal e Nhacra).
“Para mim é motivo de satisfação ter focalizado ações da associação nas áreas de saúde, educação e água potável. Neste momento, a escola tem 250 alunos, não só de Fanhe como também nas tabancas periféricas, sobretudo as que fazem fronteira com Fanhe”, realçou.
MÉDICO ITALIANO DIZ QUE SUA EQUIPA ESTÁ DISPONÍVEL PARA SERVIR O POVO GUINEENSE
Luca Bosa, médico pediátrico e um dos elementos da equipa médica italiana, explicou as razões que moveram a equipa a deixar mais de cinco mil quilómetros para vir à Guiné e em particular à localidade de Fanhe.
Explicou ao repórter que estão no país com o intuito de ajudar as crianças enquanto médico pediátrico, através de consultas e assistência médica que estão a levar ao cabo no âmbito da campanha protagonizada pela ONG Ahead.
“A segunda motivação por detrás desta missão é científica, porque no âmbito do meu trabalho é muito importante estudar as patologias. Esta missão de voluntariado é interessante também para nós, dado que iremos recolher aqui muitas informações sobre diferentes patologias”, notou.
Assegurou ainda que o primeiro dia do trabalho correu bem e notou-se o grande interesse das populações que frequentam o local de consulta de uma forma ordeira. Garantiu, no entanto, que a equipa está motivada para trabalhar e completar os sete dias de consultas e assistência médica previstos pela organização.
CHEFE DE TABANCA ENALTECE A INICIATIVA DE ITALIANOS E AHEAD
Por sua vez, Calisto Meste, comité de secção de Fanhe, agradeceu a intervenção da Ahead e dos italianos amigos da Guiné-Bissau, tendo confessado que é pela primeira vez que se regista uma operação daquele género, fato que o deixa orgulhoso. Depois de muita, insistência conseguiu beneficiar de uma coisa inédita em Fanhe.
“A saúde é fundamental, porque sem ela não se pode fazer nada. Por isso lanço um apelo à população de Fanhe para que adira massivamente a essa campanha, porque uma população é aquela população que é capaz de produzir e desenvolver o país”, acrescentou.
No capitulo de roubos e furtos, Calisto Meste revela que essa prática diminuiu drasticamente. Outra prática que assolava a tabanca e que agora não existe tem a ver com conflitos resultantes de luta pela posse de terra.
Contudo, lembra que os problemas prioritários da tabanca continuam a ser as áreas sociais, nomeadamente, a saúde, educação, água potável, as bolanhas invadidas pela água salgada e estrada para escoar os seus produtos.
Para além do apoio para a recuperação das bolanhas, a população local exige do Estado guineense a construção de um Centro de Saúde que permita que as autoridades sanitárias saiam do pequeno ambulatório instalado na escola pelos italianos e que apenas tem um Agente de Saúde Comunitário (ASC), mas sem uma formação superior.
A missão dos agentes de saúde comunitária resume-se apenas a dar primeiros socorros a cerca de oitocentos (800) habitantes. No caso de doenças graves que ultrapassem a capacidade do mesmo, o paciente é evacuado para Nhacra. Porém não dispõem de meio de transporte para a evacuação de doentes ou grávidas. Têm-se usado motorizadas ou aluguer de viaturas a partir de Nhacra para evacuação de doentes.
Por: Filomeno Sambú
Foto: F.S




















