Sempre que regresso do estrangeiro, normalmente de Portugal, trago o máximo de livros que a minha disponibilidade consentir. A maioria de colegas residente no país faz o mesmo. Isso porque não existe uma livraria propriamente dita na Guiné-Bissau. No mercado de Bandim, existem cacifos a céu aberto de venda de algum material escolar e de escassos livros mais que usados. O Centro Cultural Franco Guineense tem uma pequena estante onde expõe alguns livros, à mistura com CD’s, entre outros artigos do género.
Trata-se de uma situação que atormenta a consciência de qualquer um, consciente do mal que a falta de acesso aos livros faz ao país e aos que nele vivem.
Diz-se que, em África, quando morre um “homem grande”, perde-se uma “biblioteca” inteira. Não poderia ser de outra maneria. A tal “biblioteca em pessoa”, cujos arquivos já se vai perdendo ao longo do tempo, em função da diminuição da capacidade de memorização do sujeito, é sempre limitada pela finitude da vida humana. E a transmissão oral sofre de vícios de deformação de informações durante o processo de passagem de testemunhos.
Com efeito, sem desprimor pela importância da “biblioteca em pessoa”, vivemos numa era com um fluxo de informações em quantidade e qualidade que a “biblioteca em pessoa” não pode sistematizar, armazenar e transmitir oralmente. Aliás, os cidadãos de hoje estão interessados e têm direito à informação e à cultura nos mesmos termos que o “homem grande”.
Hoje, o processo de transmissão do saber ou de passagem de testemunho só pode fazer-se, com eficácia, através do livro, seja em versão papel ou eletrónica. A falta, portanto, de livrarias no país amputa os cidadãos do principal instrumento de acesso ao saber e de desenvolvimento da sua personalidade, na sua componente técnica e cultural. A formação inicial e contínua, a autoformação, a qualificação de docentes e discentes não se pode lograr hoje sem acesso aos livros. A maior riqueza de um país são os seus recursos humanos, que não se formam hoje sem livros.
A ausência de livrarias priva o país do maior e melhor instrumento de acesso a informação. Um país cujos cidadãos, sobretudo os quadros, têm acesso limitado à informação menoriza-se neste mundo cada vez mais globalizado, onde os pormenores e a diferença se jogam no acesso à informação de qualidade em tempo útil.
Enfim, a ausência de livrarias transmite uma péssima imagem de pobreza espiritual dos guineenses e residentes no país e não incentiva mais publicações. Reina a sensação de que não existem publicações da autoria de guineenses ou de residentes. Um visitante não tem onde encontrar livros da autoria de guineenses ou de residentes, quanto não seja para ler os títulos, folhar algumas páginas, ler o resumo ou comentários na contracapa, porque estão perdidos nas estantes dos próprios autores, que são obrigados a “esconde-los” porque não têm onde pô-los à venda.
Por isso, um dos grandes desafios imediatos que se coloca ao jovem Estado, que completou 41 no dia 24 de Setembro, é a promoção e dinamização do mercado livreiro. Para efeito, será fundamental a adopção de parcerias com editoras estrangeiras para se instalarem no país, através da criação de incentivos para o sector, sob forma de subvenções diretas ou indiretas, como a isenção total dos direitos aduaneiros, de impostos diversos e de taxas portuárias e camarárias.
Hoje, o Estado praticamente não arrecada nada em termos de receitas fiscais e parafiscais com a produção e comercialização de livros. A isenção total de impostos e taxas num horizonte temporal definido não implicará a diminuição da receita já arrecada devido a ausência de rendimentos tributáveis no sector. Aliás, se enquadrará, pelo contrário, numa estratégia fiscal de longo prazo, porquanto quando os incentivos terminarem, o sector já terá gerado rendimentos tributáveis.
E a estratégia de promoção do sector livreiro é tao importante se tivermos em consideração que o setor do ensino superior e técnico profissional está em plena expansão desde 2000, acusando embora problemas graves de falta de condições pedagógicas. Em regra, a generalidade de estudantes do ensino superior nacional estuda sem livros próprios. Havendo quem termine o curso sem nunca ter lido um livro completo de nenhuma ou da maioria das disciplinas do curso.
Ora, o homem novo que se pretende para o país; a evocação do passado glorioso da luta de liberação nacional, que se pretende que inspire a nova geração, e a visão e estratégica para o futuro do país serão certamente protelados se o país continuar sem livrarias e o conhecimento nas nossas escolas continuar a ser adquirido com base em sebentas de péssima qualidade e apontamentos ditados pelo professor.
A geração da luta, liderada pelo Amílcar Cabral, teve visão e estratégia, e conseguiu legar-nos um país soberano, uma identidade própria, fruto do trabalho de homens e mulheres à altura dos desafios do seu tempo. Cabia-nos desenvolver o país e conservar a nossa identidade, no quadro do programa maior. Ora corremos o risco de não ter gente a altura para esse empreendimento, porque, como dizia Victor Hugo, “Ler é beber e comer. O espírito que não lê emagrece como um corpo que não come.” Numa outra formulação, diz Voltaire que “o livro engrandece a alma”.
Portanto, temos urgentemente que inverter a tendência para o nosso definhamento espiritual, a medida do qual se tem definhado a Guiné-Bissau.
Por: Pedro Rosa Có

















Parabéns, sr. Có. Quando faltam leituras inclusive a produção cultural (literária, entre outras) fica pobre. Podemos e temos capacidade para isso, com incentivo de livrarias e editoras estrangeiras, sem deixar de também incentivar as editoras locais, principalmente com a isenção de tributos. Essas taxas devem sair, como o sr. diz, temporariamente, mas, penso eu, não apenas para as livrarias estangeiras, mas também as nacionais (embora quase inexistentes) e as nossas editoras. O outro problema que o sr. não mencionou no seu excelente texto (sem dúvida, bem escrito!, é o factor pobreza. Os leitores/consumidores no nosso país serão uma classe minoritaríssima, por causa do dinheiro. Os livros, em geral, são caros. A leitura em si, já não é amiga de massas, infelizmente, mesmo em países cujo comércio & produção livresco são já mais que bi-centenários, ou seja, velhos no que ao acesso aos livros se refere. Vejo que teremos, na Guiné-B, um problema sério com o acesso aos livros ainda que tenhamos livrarias, porque, por razões de prioridade (e isso está certíssimo!) quase ninguém prefirirá o livro à comida. Ipso facto, é importante que o governo, penso, seguindo o sr. Có, isente as livrarias dos tributos com o objetivo também de requerer das livrarias preços razoáveis dos livros, para que o acesso seja para todos.
Parabéns, sr. Có.