A pandemia provocada por Covid-19, que abala o mundo em todas as suas geografias e atingindo as populações sem qualquer tipo de discriminação, convida-nos a reflexões de várias ordens, como também tem acontecido entre intelectuais e cidadãos de várias esferas de acção um pouco por todo o mundo. Neste breve olhar que nos desafiamos tecer, pretendemos levantar algumas questões para uma reflexão tão somente despertadora das nossas consciências para as dimensões que nos parecem as mais urgentes a serem pensadas neste momento em que quase todo o debate público no nosso país gira em torno do Covid-19. As perguntas a que nos referimos são: como a experiência de lidar com esta epidemia no nosso país tem colocado o nosso sistema de saúde e actores políticos em teste? Como é que, em decorrência de o Covid-19 ter atingido a Guiné-Bissau, as desigualdades sociais se denunciaram como uma realidade presente no nosso dia-a-dia? Por que ninguém fala, sobretudo na esfera governativa, de soluções para o ano lectivo já antes da actual situação hipotecado? E, finalmente, mas finalmente apenas para o âmbito da reflexão que aqui propomos, como estamos a pensar a falta de ajuda externa num momento em que precisamos de apoio mais do que poucas vezes na nossa história de país financeiramente dependente, mas também em que o problema atinge os habituais parceiros do nosso Estado?
Da primeira questão levantada, a da saúde pública face às exigências de combate ao Covid-19, já que se trata de uma doença, de que o tratamento depende sobretudo da capacidade de resposta dos sistemas de saúde dos países atingidos pela pandemia, no caso da Guiné-Bissau, o registo do primeiro caso coincidiu com a mais recente tensão política que, entre outras consequências, resultou em troca de um governo proveniente da configuração parlamentar pós-eleitoral, sendo que, desta situação, as trocas de titulares de cargos públicos verificou-se, como seria de esperar, em todas as instituições da administração pública, e o sector de saúde não foi excepção àquilo que se transformou em norma no nosso país: sai um governo e são trocados até técnicos com funções chaves para garantia de serviços mínimos de responsabilidade de uma instituição. Porém, com o aumento de número de infectados por Covid-19, o sistema de saúde revela cada dia mais as suas debilidades: hospitais sem condições para internar os caos de teste positivo, evitando a permanência dos infectados nos seus agregados familiares, que é um sério factor de contaminação, considerando as condições de habitação da maioria das famílias no país; e, sobretudo, com falta de materiais de uso sanitário para os técnicos de saúde, situados na linha vermelha de pessoas expostas à contaminação. Se nem no Hospital Nacional Simão Mendes, nem no Hospital Militar de Bissau, existem condições para isolamento dos infectados, mas sobretudo materiais para o trabalho de enfermagem, o que temos para além de testes a serem realizados?
Em situação de “estado de emergência”, que obriga ao confinamento domiciliar, num contexto em que a maioria das famílias sobrevive da sua renda diária e em que para a esmagadora maioria dos agregados familiares não é possível o isolamento social do tipo que se pretende impor, já que existem famílias com cinco, seis membros a viverem em dois quatros de uma casa, as desigualdades sociais não se tardaram a revelar mais do que nunca. Aliás, a polícia foi ordenada a actuar contra pessoas indefesas, o que culminou com vários espancamentos e humiliações em público, porque há quem nem queira saber do decreto de “estado de emergência”, se em casa há uma família à espera de almoço para dividir numa tigela única para todos. Será o mesmo a acontecer nas casas dos que em nome do povo vivem em luxo e decretam recolher obrigatório a todos?
No meio desta situação difícil em que se vive, entretanto, há um ano lectivo por iniciar, o ano lectivo (2019)/2020, e de que até quem detém o poder neste momento não quer saber, ainda que exista um Ministro da Educação e um Ministério a funcionar em nome do ensino público. Basta lembrarmos que estamos em mês de Abril, a três meses do fim do tempo normal para decorrência das aulas, para compreendermos que só um milagre livrar-nos-á do segundo ano lectivo invalidado no registo das nossas escolas públicas, pelo que há perguntas a colocar a quem governa neste sentido: que solução para o ano lectivo por iniciar nas escolas públicas? Como se está a preparar o próximo ano lectivo? Mas também uma pergunta aos sindicatos dos professores, à associação dos pais e encarregados da educação e às organizações estudantis do país: o que têm a dizer sobre o silêncio em torno da questão educativa no país, sobretudo para estabilização do sector no pós-Covid-19?
Aos actores políticos em geral, mas sobretudo a quem exerce o poder através das instituições governamentais do país, que alternativas existem para suprir a falta do dinheiro vindo dos parceiros internacionais de que o país (infelizmente) depende – e que não reconhecem a legitimidade ao governo actual – para resolver os seus problemas cruciais, como este colocado agora por Covid-19? Não estaremos também num momento que nos chama a pensar em como garantir que os sistemas de saúde, da educação e a necessidade de assistência social dependam sobretudo do financiamento interno? E como conseguir este feito em situação de permanente crise política?
Como dissemos no início, o nosso objectivo é sobretudo levantar questões para reflexões mais colectivas e, portanto, de despertar as nossas consciências, por isso, para terminar, uma certeza nossa queremos afirmar: enquanto continuarmos a ter novos governos de seis em seis meses; enquanto alteração da ordem constitucional continuar a fazer parte da pauta da nossa democracia, nem capacidade de edificar sistemas de saúde e de educação dignos de nome, tão pouco condições internas de apoio aos injustiçados pela desigualdade social institucionalizada teremos. E é este mal de normalização de instabilidades políticas o nosso maior vírus, mais do que o próprio Covid-19.
Por: Sumaila Jaló
professor do ensino secundário e mestrando em História Contemporânea
















