Opinião: JUVENTUDE GUINEENSE, UM PESADELO DEMOGRÁFICO?

Nos últimos tempos tenho acompanhado excelentes iniciativas nas redes sociais. Iniciativas essas dedicadas à reflexão de temas sobre a juventude na Guiné-Bissau, promovidas por estudantes guineenses um pouco espalhados por toda parte do mundo, nomeadamente, África (Guiné-Bissau), América (Brasil) e Europa (Portugal), notabilizadas pela participação de personalidades portadoras de reconhecidas competências académico-profissional, a nível nacional e internacional (professores universitários, investigadores, lideres juvenis, etc.).  

Perante enorme entusiasmo vi-me aliciado plagiar essas iniciativas: partilhar a minha visão sobre o tema em epígrafe. Creio que qualquer indivíduo (adolescente/jovem ou adulto) minimamente atento está sujeito a esta tentação na medida em que, o tema juventude está na ordem do dia, envolve frequentemente problemas, entre os mais complexos da nossa atualidade (delinquência, imigração ilegal, casamento e maternidade precoce, etc.). Destacou-se recentemente no debate da Covid-19 em vários países, com a tônica sobre a propagação desse vírus.

Por estes e por outros motivos, a juventude acaba por ser um tema que permanentemente mobiliza interesse de sociólogos, jurista, economistas, psicólogos, políticos, pais e encarregados de educação, médicos, professores, filósofos, cidadão-comum, etc.

Na Guiné-Bissau, a necessidade para com a reflexão desse tema, independentemente do fundamento atrás,   prende-se com a configuração demográfica do país: conforme dados oficiais, mais de 60% da população guineense tem menos de 25 anos – só isso bastava para justificar tudo. Pois, significa que “a Guiné-Bissau é um país essencialmente jovem”. Decerto, esta situação não é-nos digno de orgulho ou satisfação, uma vez que esse perfil demográfico resulta da combinação entre a natalidade e mortalidade precoce, ambos em ritmo acelerado, tanto assim que a esperança média de vida no país (58 anos, isto é, 56 para homem e 60 para mulher) ainda é dos piores do mundo.

Mas noutra perspetiva, ou se quisermos, numa visão otimista – mas certamente não menos importante –, a relevância para com  a reflexão do tema juventude decorre da sua essência no processo de desenvolvimento socioeconómico contemporâneo. Daí que no contexto guineense, não seria coerente isolar a classe juvenil de qualquer debate ou discurso articulado ao desenvolvimento do país. Portanto, será a partir desta aceção que irei concluir a presente reflexão, tentando sobretudo encontrar resposta para a seguinte questão: como é que a Guiné-Bissau pode efetivamente integrar a sua juventude no seu processo de desenvolvimento, e assim, obter benefícios da sua atual configuração demográfica?

Antes de mais, importa enaltecer que a juventude é a fase de vida em que o indivíduo consolida ou implementa conjunto de instruções adquiridas ao longo da sua infância. A sua integração no processo de desenvolvimento passa essencialmente por esse fator que, por conseguinte, requer prosseguimento de uma certa coordenada hoje em dia amplamente (re)conhecida e divulgada em termos bibliográficos.

Professor Eugénio Viassa Monteiro descreve essa coordenada com muita clarividência no artigo  “Índia: dividendo demográfico e crescimento inclusivo”, no Diário de Notícias. Ele começa por demonstrar que, a implementação de políticas sociais tendentes ao provimento de “cuidados de saúde, com a atenção pré e pós-natal, seguidos das vacinações, e acompanhados dos cuidados de saúde, com acesso a hospitais, quando necessário” são componentes indispensáveis para o arranque desse processo, na medida em que suporta à manutenção de uma boa formação física da pessoa à nascença.  

Sugere cuidado alimentar em segundo lugar, sob pretexto de que a subnutrição infantil deixa sequelas ao longo da vida da pessoa, com menor capacidade para o trabalho intelectual, bem como para a aprendizagem. E, no passo seguinte, elege a escolaridade obrigatória (“Não se pode admitir que haja alguém sem um mínimo de escolaridade.”) em sintonia com a criação de meios de formação técnico-profissional, sob pretexto de assegurar a realização de tarefas especializadas a quem não seja capaz de prosseguir os estudos. E para os jovens com capacidade de prosseguir, defende a continuação das suas carreiras, através de apoios, quer dos próprios familiares, quer de bolsas ou empréstimos que os permita chegar à Universidade.

Para completar e fechar o ciclo, o Professor sugere implementação de políticas que sejam capazes de atrair investimentos, principalmente “para as ocupações mais intensivas em mão-de-obra” de modo a gerar emprego a todos, tendo em conta os diversos graus de literacia.

À luz desta explanação, obviamente é impossível enquadrar a atual classe juvenil guineense (a minha geração) no espírito da visão moderna/otimista da população, tendo em conta a progressiva deterioração do nosso sistema de ensino nas últimas três décadas, para não falar da precária condição alimentar (“um tiro”) e de saúde. Ora, claro está que, quando os jovens são mal aproveitados, isto é, se não forem preparados em função da diretriz evidenciada atrás, acabam por constituir no que o Professor Eugénio Viassa Monteiro designa “fardo ou pesadelo demográfico”, cuja consequência é, absolutamente, extensão da pobreza.

Por isso, acho que a nossa amarga experiência (juventude atual) deve-nos servir de lição de moral para resgatarmos a próxima geração (nossos filhos, sobrinhos, netos, etc.) dessa destruição a que fomos inocentemente acometidos. Assim, acho que devemos encarar esta situação como uma missão de honra. Certamente não há de ser fácil, mas também, impossível, não há de ser!  


Por: Teodomiro Correia, Mestre em Estudos de Desenvolvimento  

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