CRÔNICA: AS ” ” DE JANEIRO

O primeiro mês do ano, Janeiro é o mês do começo (mas também do recomeço) do ano, da vida, das coisas que acontecem (ou sucedem) na vida. É o mês que, segundo a mitologia romana, tinha duas faces, uma olhando para trás, o passado e outra olhando para frente, o futuro. Trata-se, portanto, do Deus Jano.

Se Janeiro é mês do eterno começo, pode-se dizer, com certa segurança, que é ainda mais o mês da eterna busca. A incessante (e fatigante) busca do homem – e sejamos mais igualitários, da mulher – pelo devir-outro que carateriza seu existir. Por isso mesmo que por mais que se busque e se procure mais insatisfatória é (e talvez mesmo vã) a tentativa de achar o que se procura.

Devo, sinceramente, partilhar contigo, caro leitor d’O Democrata, certa crença de que quando chega o Ano Novo pelas frestas das janelas de Janeiro sempre acreditamos que tudo vá mudar, que as esperanças serão renovadas, que a vida pode, finalmente, começar a sorrir para nós, que vamos fazer o noivado prometido ou celebrar a festa de casamento, constituir a família. São esperanças nas asas vulcânicas de Janeiro.

Estou em crer que tudo seja verdade, mas também que tudo pode ser a grande mentira, pois sonhos aquém a realidade quotidiana de cada um não constituem, por si, a materialização de quaisquer objetivos propostos. Mas, tal como está na crença mitológica, Janeiro é o mês do ontem e do amanhã, simplesmente, porque sempre presente. Tudo o que nunca existiu não existe, muito menos existirá. É preciso que sejamos objetivamente realistas.

Os alicerces que você não pós no chão não pode nunca pretender erguer a casa do nada. Crie as bases que todo o resto acontecerá. Naturalmente.

Janeiro de 2015 veio sereno. Mas nada nos garante que vá continuar a ser sereno. Imolações da nossa vida bissauense vão andando a todo o vapor. Por isso, este mês é a lua nova do solstício do inverno não infernal do nosso quotidiano social sui generis. É o mês da concórdia discordante. E por que não dissonante. É a nota desarmónica das nossas finanças pessoas. É o campeonato da falença em que, quase todos nós, somos jogadores que, de vitoriosos, parece que de nada nos servimos.

Que as aspas que estou a abrir, por intermédio desta crónica, seja aberta e, simultaneamente, fechada para o bem da nação. Especialmente da guineidade que está em franco processo de construção, apesar dos sobressaltos rotineiros.

Como disse implicitamente té o mesmo em que marcam-se eventos, congressos, simpósios ou colóquios, mas nada de concreto acontece. Tudo parece efemeridade. Tudo tão sutil e volátil ante nossos olhos. Tal como disse o poeta brasileiro, Carlos Drummond de Andrade, no poema Receita de Ano Novo, sempre alimentamos a esperança (talvez ilusoriamente) que tudo vá ser diferente. Tente, contudo, fazer o seguinte:

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)

Não passe telegramas nem mande mensagens, muito menos ainda, acredite que, por decreto de esperança, ou pela benevolência, divina, tudo vá mudar-se. Mude-se você! Que o ano novo mudará para o teu sumo bem. Senão você estará todo, durante todo ano, a espera das mudanças que você não tinha proposto nem trabalhado para que acontecesses.

Para isso, ouça o que o mestre Fernando Pessoa diz no poema Eros e Psiqué sobre a princesa que passava o tempo a dormir.

À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.

Acorda para a vida! Que Janeiro o mês do eterno presente está já a consumir-se no cume áureo da vida.

 

Por: Jorge Otinta, ensaísta e poeta.

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