TEATRO E HUMOR – DUAS COMPONENTES DA CULTURA ESQUECIDAS PELO GOVERNO

[REPORTAGEM_setembro_2021] Os homens ligados ao teatro e ao humor na Guiné-Bissau insurgiram-se contra os sucessivos governos que acusam de nada ou pouco terem feito para o desenvolvimento das duas componentes da cultura no país. Os artistas da arte de representação, o teatro e o humor, que surgiram na Guiné-Bissau nos meados dos anos 1970 a 1990, usaram estas duas componentes da cultura durante um tempo como forma de exigir soluções aos problemas sociais que afetavam, afetam e continuam a afetar a sociedade e chamar atenção para a reflexão sobre vários assuntos ligados à sociedade, à política, à economia, etc.

Para resgatar os o teatro e o humor e lançá-los ao debate nacional, o Jornal O Democrata ouviu alguns atores desses setores que consideram as duas componentes da cultura como “duas peças esquecidas nos algures da Guiné-Bissau”.

“Ser ator na Guiné-Bissau é ter como o companheiro o desemprego, mas é visível que os artistas não desistiram do setor”,  defendem.

Na entrevista concedida ao semanário O Democrata, Nelinho N´tanhá defendeu a implementação  da dramaturgia no ensino guineense, porque o fracasso do teatro e humor na Guiné-Bissau deriva  do nível da literacia e a taxa do analfabetismo que o país tem.

NELINHO N´TANHA DEFENDE A IMPLEMENTAÇÃO DA DRAMATURGIA NO ENSINO GUINEENSE

Na entrevista ao jornal O Democrata falar sobre a situação do teatro e humor na Guiné-Bissau, Nelinho N´tanhá, coordenador grupo de teatro experimental de Bissau, destaca o teatro como uma ciência e como tal, deve ser desenvolvida e ensinada. Salientou que o nível da literacia na Guiné-Bissau é uma das causas do fracasso do teatro e do humor no país. A outra causa apontada como estando na origem do fracasso do teatro e de humor tem a ver com a elevada taxa de analfabetismo da maior parte da população guineense, embora nos últimos dados de 2017 da Direção-Geral de Alfabetização e Educação Não Formal indicarem que nos últimos dez anos o nível de analfabetismo  baixou de 60 para 48,9 por cento, “ graças aos esforços das entidades que intervêm no setor”.

Nelinho N`tanhá revelou que o teatro na Guiné-Bissau não tem recebido  apoios necessários dos sucessivos governos, porque “desconhecem essa matéria, assim como a sociedade guineense em geral também desconhece e não sabe qual é o valor do teatro numa sociedade”.

O ativista acusou os governantes guineenses de tratarem  o teatro  de forma pejorativa e como algo que não tem valor ou coisa ínfima e insignificante, que não tem nenhuma importância para a sociedade.

“Quando decidem apoiar o setor da cultura, a maior preocupação vai para o futebol e para a música, que também é quase nada”.

“A sociedade guineense não tem interesse pelo teatro  guineense, paradoxalmente quando se fala  do teatro da Nigéria ou de outros países nota-se o interesse pelo tal”, criticou N´tanhá.

Perante estes fatos,  o coordenador do grupo de teatro experimental de Bissau defendeu que é necessário que o governo, através do Ministério da Educação e Ensino Superior,  implemente  e introduza no currículo escolar a disciplina de dramaturgia para ser ensinada nas escolas do país.

Frisou que o teatro precisa e merece ser tratado como uma ciência, porque “é uma ciência”. N´tanhá afirmou que o teatro tem um impacto insignificante na sociedade guineense, razão pela qual para atingir outro nível é preciso mudar o paradigma, produzir mais obras de arte, formar e preparar novos e bons escritores.

Nelinho N´tanhá afirmou que na Guiné-Bissau um artista não pode viver  do seu trabalho, ainda mais quando se trata do setor da cultura nem tão pouco do teatro, criticando que os artistas  são  vistos e encarados como pessoas menos inteligentes da sociedade.

“ É um engano. São inteligentes e têm muita capacidade, encarnam as personagens e têm  condições como qualquer um para  fazer a maior e a mais eficaz  interpretação de um livro”, enfatizou.

Durante a entrevista, N´tanhá assegurou que a questão da língua não constitui um elemento determinante na evolução do teatro e voltou a frisar que o maior retrocesso do teatro deve-se simplesmente à forma como a sociedade o encarra.

O artista revelou que houve tempos na Guiné-Bissau em que os atores, para apresentarem um trabalho procuravam o lado mais fácil, em que a pesquisa e o aprofundamento da história sobre um determinado acontecimento não eram muito rigorosos. Apesar desta observação, Nelinho N´tanhá diz que, de modo algum o teatro que se fazia na Guiné-Bissau poderia fazer com que esse sector se tornasse profissional, se lhe fosse dada atenção especial.

Instado a estabelecer uma relação entre o teatro e o humor,  o coordenador grupo de teatro experimental de Bissau afirmou que há uma larga diferença entre o teatro e o humor, apesar de algumas semelhanças e a sociedade tem confundido sempre essas duas  componentes, porque “o teatro é a mãe de todas as representações, enquanto humor é uma parte ínfima do teatro”.

Por isso, N´tanhá aconselhou os humoristas a trabalhem mais a sua parte para torná-lo organizado, planeado e estruturado e a não passar todo o tempo a improvisar histórias no palco, embora  esse campo lhes dê esta oportunidade, mas é preciso, antes de tudo, contar uma história com todos os elementos desde a pesquisa, ler livros e demais instrumentos necessários para tornar seus trabalhos mais sólidos e consistentes.

“Apenas na Guiné-Bissau que o humor é apresentado desta forma, por isso muitas vezes não conseguem desassociar-se das suas personagens da vida real”, indicou.

Nelinho N´tanhá anunciou que a questão da industrialização do teatro na Guiné-Bissau está quase para  acontecer, graças às  novas tecnologias que estão a dar impulsos significativos parta a sua materialização, contudo,  alertou que os guineenses não estão ainda preparados para enfrentar a tal evolução tecnológica.

Lamentou que o  impato da  pandemia da Covid-19  tenha piorado o funcionamento das instituições e  os trabalhos dos artistas.

“A situação piorou bastante  e se por ventura os artistas vivessem exclusivamente do seu trabalho, significa que essas pessoas teriam morrido a fome”, salientou, para de seguida informar que os artistas foram usados durante a pandemia que ainda grassa a Guiné-Bissau e o mundo para passar informações sobre a prevenção da propagação da Covid-19.

Apesar das críticas à sociedade e aos sucessivos governos guineenses, Nelinho N`tanhá reconheceu que, comparativamente à Nigéria e a outros países da sub-região, a Guiné-Bissau está ainda numa fase de implementação e ampliação da arte do teatro e que os atores ainda estão na fase de criação de público, tendo em conta a fraca participação dos guineenses nos espetáculos do teatro.

ATCHO EXPRESS QUEIXA-SE  DA FALTA  DE CULTURA DA CULTURA NA GUINÉ-BISSAU

O artista e poeta Jacinto António Mango (Atcho Express) defendeu que deve haver a cultura da cultura na Guiné-Bissau e trabalhar seriamente para fazer com que os governantes e a sociedade, sem vocação, percebam que todos os países para chegarem às suas metas do desenvolvimento desejado tiveram sempre a “intervenção forte” da cultura.

“É preciso apostar na criação de uma política da cultura no país”, enfatizou Atcho Express.

O também o mentor da ideia “A República da Guiné-Cultural” disse que sucessivos governos que dirigiram este país nunca se dignaram prestar atenção à cultura na Guiné-Bissau. Lamentou que tenha sido criado um suporte de proteção para os trabalhos de artistas. O poeta disse acreditar que o país tem talentos para estar em pé de igualdade, nos palcos internacionais com artistas dos outros países, mas dada à falta de condições não têm conseguido afirmar-se.

“Existem grandes talentos na Guiné-Bissau. Se um dia houver um investimento sério as coisas irão mudar”, assegurou.

Atcho Express afirmou que “investir na cultura é investir na saúde, na educação e até na defesa, porque um homem com a cultura de cultura comete menos erros e o Estado gasta menos”, enfatizou e defendeu que é necessário criar centros de formação sobre a arte, embora os artistas guineenses tenham a formação natural.

“Raras vezes as pessoas ouvem, nos discursos dos governantes ou no Parlamento, discussões voltadas à cultura”, criticou realçando que apernas uma vez ouviu  o então Presidente de Transição, Manuel Serifo Nhamadjo, mencionar no seu discurso que “o único setor na Guiné-Bissau que está certo, depois da independência, é a cultura”.

Contudo, Jacinto António Mango disse esperar um futuro diferente para o setor, porque “é um dos vetores para o desenvolvimento do país e para a resolução de muitos problemas, se o setor da cultura estivesse bem estruturado. Tais problemas com as quais, em consequência, a população por vezes  é condenada a aceitar e a conviver com eles.

“Abidjan foi revolucionado a partir da música decalé,  humor, e conseguiram mudar a imagem do país para o positivo”, exemplificou e disse que o fracasso de humor não tem nada a ver com o fator língua.

“ A língua  não é uma barreira para a promoção dos trabalhos dos artistas na Guiné-Bissau. Mesmo com os conteúdos produzidos em crioulo, o teatro e o humor podem ganhar outras dimensões”, precisou. Mas para que isto aconteça “Atcho Express” frisou que não será necessário apenas o apoio do governo, antes de mais, será preciso que haja união entre todos os intervenientes no setor, trabalhar em sinergia, apostar na criação de associações que defendam os interesses da maioria.

“As etnias da Guiné-Bissau têm as suas formas de apresentar o humor através dos seus ditos, todos esses cenários surgiram desta forma há muito tempo e já existia, antes mesmo de ser chamado humor”, assinalou, tendo lembrado o humorista como Carlos Vaz, que  lotou por três dias o salão do congresso.

Atcho Express afirmou  que a Guiné-Bissau não tem profissionais de teatro e de humor com conhecimento académico nesses setores, porque “a maior parte das pessoas que está a trabalhar neste ramo está lá só porque tem um dom natural, que não foi refinado através de uma formação”.

Segundo Jacinto António Mango, “não existe um mercado de teatro e humor na Guiné-Bissau” e o direito de autor não está a funcionar, os autores estão a trabalhar sem nenhuma proteção dos seus direitos.

“É difícil viver da arte neste país, melhor dito, não se vive da arte na Guiné”, disse, tendo lembrado Mário de Oliveira e os outros atores guineenses, fizeram um trabalho com o personagem Barudju, o filme foi vendido e procurado até no mercado Europeu.

“Mas a pergunta que não se quer calar é: o que é que o Mário de Oliveira ganhou com tudo aquilo? Nada, porque não existe uma única estrutura de proteção dos direitos do autor que pudesse lutar contra a pirataria no mercado interno”, salientou.

Para mudar o cenário da arte, Atcho Express elencou a componente  organizacional como um dos componentes relevantes e decisivos para garantir mudanças e apostar na formação dos artistas nacionais.

MUSSA SANÉ “PUTO SOKOTÓ” CONSIDERA HUMOR COMO MEDICAMENTO

Conhecido no mundo artístico por seu pseudônimo Puto Sokotó, Mussa Sané acusou os sucessivos dirigentes da cultura de falta de seriedade e  de terem sido  insensíveis às questões da cultura e ao desenvolvimento da arte no país.

Lamenta ainda que não existam pessoas no governo que defendam o humor como uma área de produtividade, porque “é uma das áreas da arte na Guiné-Bissau que menos tem valor para os governantes”.

Mussa Sané confessou que ser  humorista na Guiné-Bissau é a coisa mais difícil que pode existir, porque a arte não  é  valorizada, tanto pelos governantes como pela própria sociedade em geral, que veem este setor como algo insignificante, mas “um humorista desempenha quase o mesmo papel que um médico”.

Sokotó disse  que se um humorista fizer bem o seu trabalho, a medicina terá muito pouca coisa para fazer, realçando  neste particular que o humor liberta as pessoas do estresse e funciona  como uma terapia.

Para Mussa  Sané, são esses elementos que motivam os humoristas a continuar a trabalhar  no setor. E tal como Nelinho N´tanhá e Jacinto António Mango  disse  não se pode viver da arte na Guiné-Bissau.

Admitiu que se houvesse uma estrutura forte que apoiasse a cultura, os humoristas teriam tudo para representar muito bem a bandeira nacional e realizar trabalhos de qualidade e até melhores em comparação  a outros países a africanos.

Para completar o cenário, Sané lamentou a forma como a sociedade guineense vê os humoristas, como pessoas cujas cabeças não batem bem, o que se deve à falta de conhecimento do impacto de um trabalho de humor em suas próprias vidas.

“Se um político chamar as pessoas para um comício ou uma campanha política, as pessoas correm sem pensar, mas se um humorista organiza um espetáculo ninguém aparece”, criticou.

Puto Sokotó enfatizou que é necessário industrializar a arte e o humor, para revolucionar a classe e operar mudanças na sociedade.

O vencedor do concurso de humor realizado pela rede de telecomunicação Orange Bissau em 2015 frisou que  desenvolver o sector do humor  não tem nada a ver com a língua, porque os conteúdos podem ser produzidos em qualquer língua, o trabalho terá sempre o mesmo impacto se for bem feito.

O humorista enalteceu os trabalhos e a aderência dos novos humoristas à arte, sobretudo dos jovens. aconselhou-os a seguir as regras de ouro do humor. Apesar de avanços registados neste sector, Sokotó sublinhou que é preciso encarrar mais o trabalho para dar bons resultados e procurar ser humoristas de qualidade.

Por: Djamila da Silva

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