
Foi o então primeiro Ministro, o comandante Manel Saturnino Costa, que em 1997, pronunciou esta curta memorável frase: “Nô na entra si bim ka da, nô ta sai” (Vamos aderir, se não der certo sairemos). Referindo a entrada da Guiné-Bissau na comunidade dos países que usam o franco CFA. Aplicando com esta frase, sem o saber, o método científico recomendado por Karl Popper de ensaios, erros e acertos para qualquer abordagem de um empreendimento científico. O que o comandante ignorava era que entrar era muito mais fácil de que sair, porque sair do franco CFA custaria muito a Guiné-Bissau. Na mesma linha de pensamento cético, o nosso grande artista, Justino Delgado cantou o franco CFA pelas seguintes palavras: “cfa entra bu ba bota bu sorte também…”
De 2 de maio de 1997 até hoje, 2022, passaram 25 anos que a Guiné-Bissau faz parte da zona do franco CFA. Um quarto de século nesta caminhada, faz sentido que se faça balanço e tirar as ilações, como fizeram aqueles que nos precederam nesta comunidade, cuja boa parte da sua camada intelectual e juvenil chegaram a conclusão que não haverá desenvolvimento significativo com o franco CFA. Para nós, importa questionar se houve avanço no desenvolvimento do país desde a sua entrada na UEMOA?
Os autores tais como Joseph Tchundjang Pouémi, na sua obra clássica : Monnaie Servitude et Liberté : la repression monétaire de L´Afrique ; Mamadou Koulibali : La souveraineté Monétaire des Pays Africains ; Nicolas Agbohou : Le Franc Cfa et L´Euro contre l´Afrique ; Koko Nubukpo : Sortir l’Afrique de la servitude monétaire : À qui profite le franc Cfa ? E o grande economista Bissau Guineense Carlos Lopes que tratou o franco cfa, como uma moeda obsoleta,, concordaram, unanimemente que não haverá um desenvolvimento económico real em nenhum país que utilize o franco cfa.
Para além destes autores Africanos, presentemente são os franceses, que ocupam ou ocuparam posições de destaque na vida política do seu país que condenam a política neocolonial francesa, sobre tudo a famosa Françafrica, um instrumento composto pela ocupação militar, imposição e manutenção de ditadores na governação e a imposição do uso da moeda franco cfa nos países que constituem as suas antigas colonias. É o caso do antigo presidente francês, Jacques Chirac, que antes de morrer reconheceu, numa emissão televisiva, que grande parte da riqueza da França é o produto da exploração do continente africano. Recentemente numa entrevista, o jornalista de investigação Jean François Mattéi nos explicou o mecanismo da gestão da França sobre o franco cfa ao seu proveito. A luz do supra exposto, pergunta-se: porquê se diz que cfa nenhum país que utiliza franco CFA como moeda oficial não pode desenvolver-se? É esta questão fundamental que vamos analisar nas seguintes paginas e para isso começamos pela história do franco cfa.
Um olhar histórico do Franco CFA. O que é esta moeda?
Segundo a conclusão de muitos estudos o franco cfa foi criado em 1939. Nas vésperas da segunda guerra mundial as autoridades Francesas de então sentiram a necessidade de criar um sistema monetário especial para facilitar sua exploração no continente africano. Mas oficialmente o franco cfa foi criado no dia 26 de dezembro de 1945, no final da segunda Guerra Mundial, por um decreto assinado pelo General De Gaulle. Esta moedafoi gerida pela caixa central da França ultramarina e significava na origem da sua criação, Franco da Comunidade Francesa Africana (FCFA), sendo assim uma propriedade do Banco Central da França. Não é por acaso que foi denominada “franco. Na história do continente africano nunca houve uma etnia que se chama de franco. Os Francos são uma etnia germânica do continente europeu que contribuíram na composição do povo francês e o nome mesmo de França vem desta etnia de origem germânica. De 1945 a 1958, esta moeda chamava-se de Franco das Colônias Francesas da África e de 1958 a 1960 mudou de apelação para adquirir o nome de Franco da Comunidade Francesa Africana. Estas duas apelações demostram bem claramente que esta moeda cfa é uma propriedade da França. Mesmo quando esta moeda foi chamada de moeda francesa de África não foi aos serviços dos africanos, mas dos colonizadores e tinha como propósito facilitar as transações entre os colonizadores franceses de África e sua metrópole.
A questão da paridade do franco cfa e o franco francês
A paridade quer dizer a equivalência estabelecida, a relação estabelecida entre a moeda francesa da metrópole e a moeda francesa das colonias. A primeira paridade estabelecida logo à criação do franco cfa e o franco Francês era vantajosa para as colônias Francesas da África. Porque na época para ter uma unidade do franco cfa devia se pagar 1, 7 franco francês. Isto é: 1f cfa= 1,7 franco francês. Os colonizadores Franceses Africanos eram mais ricos de que os seus compatriotas da metrópole, por que são eles que abasteciam de matérias primas as indústrias francesas. Em 1948 a paridade foi de 1 franco cfa para 2 francos franceses. Uma unidade de franco cfa para 2 unidades do franco da metrópole.
Em 1960, década das independências falsas dadas às, agora, antigas colônias francesas, a situação da paridade foi mudada dando mais vantagem a França como também foi mudado o nome da moeda que será chamada de “Comunidade Financeira Africana”. A partir desta data, a paridade ficou de 1 franco cfa = 0,02 franco Francês. É esta paridade que vigorou até o dia 11 de janeiro de 1994 quando a França tinha imposto uma desvalorização de 50% do franco cfa e a paridade passou a 1f cfa= 0,01 franco Francês. Esta caída do cfa imposta pela França permitiu esta potência comprar as matérias primas do continente africano a um preço insignificante.
O sistema, assim, estabelecido pela França, incluiu uma cláusula chamada de paridade fixa com um depósito de 50% das reservas de divisas dos países que utilizam esta moeda numa conta chamada de conta de operação no Banco da França. Mas antes de continuar, explicamos: o que é esta paridade fixo? Isto quer dizer que, a moeda dos países que usam o franco cfa não flutua qualquer que seja a evolução da economia mundial, ela fica na mesma taxa de câmbio. Esta situação lhes permita ter a mesma quantidade ou valor nos cofres franceses. Mas o problema é que a moeda Francesa flutua em relação a toda economia mundial, ela sempre se adapta a economia do mundo. Daí que quando a economia mundial é favorável a variação, a moeda cfa não varia, ela não ganha com a lei da demanda e da oferta, porém a França ganha. Diz-se que é a França quem garante a paridade, mas faz flutuar a sua moeda. O que se ignora é que a garantia é assegurada pelos 50% da divisa dos países Africanos retidos em França.
A ação mais devastadora do franco cfa foi em 1999, quando a França entra na zona Euro e arrastou com ela os países da zona cfa, a partir desta data uma unidade de Euro vale 655.5 cfa permitindo que, com esta situação, todos os países da zona Euro comprem matérias primas dos países africanos a preços nulos.
A França não seria a segunda potência económica da União Europeia sem o dinheiro da África
Até a década de 1990, precisamente em 1994, todas as reservas em divisas de trocas comerciais dos países da zona de franco cfa foram retidas pela França, numa conta de operação. Desde a criação desta moeda, cujo uso foi imposto às antigas colônias francesas, 100% destes montantes de divisas foram guardados no tesouro francês. Hoje são 50% destes montantes que ainda continuam a ser retidas nos cofres franceses. Para uma melhor compreensão vamos dar um exemplo do funcionamento deste mecanismo: A Guiné-Bissau exporta a sua matéria prima que é a castanha de cajú e a exportação é paga em dólar porque a moeda de comércio internacional é o dólar americano. 50% desta troca vai ser transferida na sua conta de operação no Banco da França e, por conseguinte, pior, na conta do orçamento francês. Então são 14 contas de operação, porque são 14 países que utilizam o Franco cfa, o que, segundo as descobertas do jornalista de investigação francês, Jean François Mattéi, são 17 bilhões de Euros dos países africanos retidos pela França. Este dinheiro é colocado nos mercados financeiros pela França, que o rentabiliza ao seu benefício, oferecendo um lucro insignificante aos donos deste dinheiro. Explicando o mecanismo de Ajuda Francesa ao Desenvolvimento. Mattéi disse que, há países, como o Costa de Marfim, que sempre tem uma conta de operação com saldo positivo e as contas de outros são sempre negativas. A França toma o dinheiro dos países que têm uma conta positiva que empresta aos que têm uma conta negativa com juro que lhe beneficia. Isto é, a França empresta o dinheiro de África aos africanos e denomina esta manobra de ajuda ao desenvolvimento. Na realidade não há ajuda ao desenvolvimento que vem da França.
A razão pela qual não se pode esperar um desenvolvimento com o Franco cfa
Um país é soberano quando tem sob seu controlo os três elementos que são: a defesa, a moeda e a política externa. Ora no caso dos países da zona cfa, a França conserva o poder excecional que é o fundamento da soberania monetária, aquilo da criação da moeda. É a França quem decida em que momento deve-se injetar o dinheiro novo no interior da economia de qualquer país da zona do franco cfa. Sabe-se que na zona Euro, a produção de riqueza bruta anual da zona é igual a massa monetária em circulação. Por muito tempo na zona Euro a massa monetária vale 100% a produção interior bruto da riqueza. Quer dizer que há uma equivalência entre a massa monetária e o produto (riqueza) interior bruto produzido durante um ano. Mas nos países da zona do franco cfa, a França assegura de tal modo que somente 23% do produto interior bruto corresponde a massa monetária em circulação. A verdade é que a França organiza a raridade da moeda, a raridade de crédito na economia dos 14 países que compõem a zona do CFA. Se compreende porquê os africanos que querem se empreender não têm acesso ao crédito, porque a partida a França garante que o produto interior bruto seja superior de 80% à sua massa monetária, nesta situação não há possibilidade para o empréstimo de dinheiro para os empreendedores africanos. É isso que o Professor Tchundjan Pouémi chamou da “repressão monetária”. Pela “repressão monetária”, isto é, impedindo os países africanos da zona cfa que tenham uma massa monetária em circulação equivalente a 100% da sua produção da riqueza real. A França mantém estes países no subdesenvolvimento, no endividamento e sobre-endividamento estrutural. Ela cria, a priori, uma concorrência desleal da zona do franco cfa e da zona Euro ao seu benefício.
Qual é a solução?
Será uma análise simples dizer que o franco cfa é a única causa do subdesenvolvimento da Guiné-Bissau, mas é uma das causas fundamentais. Sempre há um ponto onde começa e hoje o primeiro ponto de partida é a saída no franco cfa. A Guiné-Bissau lutou para a sua soberania e a moeda é um dos três elementos de soberania e deverá voltar a batalhar para a sua soberania monetária. Estando consciente que a conquista pela liberdade e a soberania vai necessitar de sacrifícios, do suor, de lágrimas e uma solidariedade para todas as provações. Ninguém ensina aquilo que segue aos guineenses. Tem que apertar a cintura para atravessar tempos difíceis, demostrar uma capacidade de resiliência e no final chegará o conforto. É importante notar que ninguém pode ganhar em todas as frentes, temos que escolher a política dos povos e renunciar a das elites se queremos salvar o país da política dos imperialistas e das guerras civis internas. Se as guerrinhas internas continuam não podemos ganhar a guerra. As oposições como os regimes no poder têm interesse de refundar o contrato social africano para escapar das guerras civis e da dominação imperialista.
Por: Abdou Jarju
Docente na Universidade Jean Piaget
Guiné-Bissau
Bissau, 04 dezembro 2022