Bastonário de Advogados: “VICE-PRESIDENTE LIMA DEVE ASSUMIR A FUNÇÃO DO PRESIDENTE DO SUPREMO PARA REALIZAR ELEIÇÕES”

O Bastonário da Ordem dos Advogados da Guiné-Bissau, Januário Pedro Correia, afirmou que, perante a renúncia do conselheiro José Pedro Sambú da função do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o vice-presidente, o conselheiro Lima António André, assume, interinamente, a função de presidente com o objetivo primordial de realizar as eleições daquele órgão da instância máxima da justiça guineense, dentro de um prazo que não ultrapasse os sessenta dias. 

Este responsável da ordem dos advogados fez essas observações na entrevista ao semanário O Democrata para falar da crise instalada no Supremo Tribunal de Justiça e no Conselho Superior da Magistratura Judicial da Guiné-Bissau, que acabou por provocar a renúncia do Juiz Conselheiro, José Pedro Sambú, da função do presidente do Supremo Tribunal, alegando falta de condições humanas e da segurança para trabalhar, dado que a sua residência foi invadida por homens armados e a própria sede do Supremo Tribunal também foi ocupada pelos elementos de segurança que o próprio governo diz desconhecer. 

“CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA REÚNE-SE APENAS PARA A PROMOÇÃO E MOVIMENTAÇÃO DO PESSOAL”

Em entrevista, Januário Pedro Correia afirmou que é fundamental que se faça uma reforma profunda no setor da justiça, sobretudo proceder à revisão e a atualização da lei orgânica dos tribunais.

O Bastonário da Ordem dos Advogados da Guiné-Bissau disse acreditar que a adoção de uma nova lei do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), em voga neste momento no país, poderá vir a resolver “alguns embroglos relacionados com o Supremo Tribunal de Justiça, enquanto gestor do poder judicial administrativo, disciplinar e jurisdicionalmente que funciona em plenário”.

“Isto tem a ver com a definição do verdadeiro regime do Conselho Superior da Magistratura Judicial, que acho não tem prestado serviço em prol da justiça. Naquele conselho apenas se ouve barulho quando a questão traz à tona outros assuntos que não interessam verdadeiramente a nossa justiça”, criticou.

Afirmou neste particular que em todas as partes do mundo e no caso concreto da Guiné-Bissau, os conselhos deveriam ocupar-se da elaboração de dados estatísticos para saber qual foi a produção dos magistrados no ano que agora termina, projetar o próximo, o número de processos pendentes, as causas e o que se deve fazer para melhorar esse quadro de produtividade, afirmando com toda a propriedade que “o conselho nesse aspeto está inativo, nunca funcionou.

“Nos diferentes conselhos superiores da magistratura judicial, do STJ e do Ministério Público, o que fazem acho que apenas convocam reuniões para promoções, movimentações do pessoal e instauração de processos disciplinares, não se reúnem efetivamente para analisar e debater assuntos essenciais”, disse.

Segundo o Bastonário os conselhos não fazem praticamente nada no concernente à organização do poder judiciário do país, neste aspeto deixam muito a desejar.

“Quem deve aprovar o calendário judicial e o plano estratégico do nosso sistema judicial são os conselhos, o do MP e do STJ. A Ordem, por exemplo, tem tudo engendrado no seu plano estratégico.   Existem milhares de processos pendentes desde a primeira à última instância. A questão que não se quer calar é: o porque desses processos pendentes, não fluem e os tribunais não decidem? E quem deve responder por eles são os conselhos, porque têm poderes de avaliar e decidir”, insistiu.

O Bastonário da Ordem dos Advogados criticou a falta dos tribunais   nas regiões   e relembrou que num dos encontros realizados pela Ordem no sul do país, setor de Buba, uma das recomendações foi exatamente a falta de tribunais, que apenas alguns serviços dos tribunais existem nas regiões para gerir problemas e litígios sem as mínimas condições para atender os utentes dessas localidades.

Denunciou que na zona leste do país os casos de crimes têm aumentado bastante e defendeu que   as autoridades devem lutar para travar esse “aumento exponencial”, tanto no leste como no norte da Guiné-Bissau, onde nos últimos tempos se registaram novos casos de furto, crimes contra a integridade física e a vida humana.

“Intervir não se resume em colocar apenas uma meia dúzia de polícias nos tribunais. É preciso que funcionem plenamente, caso contrário pode potenciar esses crimes em todo o território nacional”, disse.

Instado a pronunciar-se sobre a alegada obstrução da justiça, usurpações de funções, insubordinação e o envolvimento de um alto dirigente do Supremo Tribunal de Justiça no processo nº25/2022, que está a desacreditar a justiça guineense, Januário Pedro Correia afirmou que a Procuradoria-Geral da República deveria ter desencadeado, neste momento, um inquérito criminal porque “do ponto de vista processual e jurisdicional o juiz não tem chefe, não há hierarquia possível. Porque não tem como não punir alguém nesse processo. Houve acusações de parte a parte. Aquele que acusa, mas acusa falsamente tem de ser punido, a não ser que apresente elementos probatórios para que a parte acusada possa ser punida de acordo com a gravidade das suas acusações”.

“A hierarquia de que se fala de ponto de vista do tribunal é meramente para o efeito jurisdicional de recursos”, esclareceu, lembrando que quem deve esclarecer todas as acusações de parte a parte, de obstrução e insubordinação jurídica, é o Ministério Público.

“O fato de ser presidente do STJ, juiz conselheiro e desembargador nada lhe dá o direito a avocar o processo que corre os seus trâmites normais na primeira instância e substituir o juiz nesse processo. Mesmo que o processo chegasse ao Supremo nada nos diz que tem de ser o fulano ou beltrano, tem que ser mediante um sorteio, um ato que se faz na secretaria para os efeitos de aferição de quem irá calhar um determinado processo, para garantir uma certa objetividade e segurança jurídica da decisão que se vai tomar num processo”, assinalou.  

Januário Pedro Correia disse que o envolvimento dos atores políticos nos assuntos da justiça ameaça, “de que maneira”, o princípio de separação de poderes, porque “a interferência e a forma como foi definido todo o sistema acabam por consentir a um respaldo dessa interferência”.       

“Tem até poder disciplinar sobre os magistrados, condicionando as decisões destes no exercício das suas funções. Assistimos a vários casos na Guiné-Bissau de magistrados que foram castigados até corridos da magistratura, por perseguição política, ou por o magistrado ter decidido e gerido um processo com uma certa dose judicial. Seria justo, se fossem os sindicatos dos magistrados a reclamarem esse assunto e a dizer basta, porque temos atribuições que não se confundem com a política”, desafiou.  

Frisou que a decisão de José Pedro Sambú de se renunciar do cargo do Presidente do Supremo Tribunal é um ato soberano e pessoal que apenas ele pode justificar, mas não deve merecer uma apreciação vinculativa de ninguém.

“Vi a carta, também os motivos. Poderia aceitá-los, porque quando não me sinto seguro para exercer uma determinada função e quando precisava de segurança ninguém ma concedeu, de repente aparecem pessoas estranhas na minha casa que não requisitei nem o estado as mandou para me protegerem, não tinha condições para continuar”, indicou.    

GOVERNO DEVE ESCLARECER A PRESENÇA DE FORÇAS NO STJ E NA RESIDÊNCIA DE JOSÉ PEDRO SAMBÚ

Questionado sobre qual deveria ter sido o papel do governo, que neste caso tem a responsabilidade de garantir a segurança aos cidadãos e aos edifícios públicos, respondeu que o governo tem o dever de esclarecer a situação, acrescentando que acompanhou pelos médias nacionais e internacionais que noticiaram a presença de forças de segurança nas instalações do Palácio da Justiça e na residência do juiz conselheiro, José Pedro Sambú.

 “Ninguém soube explicar a proveniência desta força, todos dizem que desconhecem. Não sei se falaram também com o Chefe de Estado-Maior ou as forças armadas para ver se alguém reclama, de certa forma, algum ofício neste sentido. Assim, eu acho que o governo se coloca na posição de esclarecer esta situação, através do ministério do Interior. Porque, na verdade, a Polícia da Ordem Pública existe para garantir a segurança aos seus cidadãos e dos que servem o Estado, sobretudo a segurança essencialmente dos titulares de órgãos de soberania. O presidente José Pedro Sambú é titular de um órgão de soberania”, notou.

 Interrogado se o vice-presidente, Lima António André, reúne as condições legais e morais para assumir a liderança do Supremo Tribunal de Justiça até o fim do mandato e depois organizar eleições ou existe um procedimento legal a seguir, explicou que há uma limitação de ponto de vista legal, tendo frisado que faltava ao presidente José Pedro Sambú mais de um ano para terminar o seu mandato.

 “A lei orgânica e a lei que rege o regulamento eleitoral do Supremo Tribunal De Justiça prevê um certo período de tempo. Acho que não se observou ainda, se fosse observado este período de tempo de duração de mandato e o presidente vier a ser impedido ou a renunciar o seu mandato, então o vice-presidente pode continuar o mandato. Acho que neste preciso momento não se coloca esta questão, porque está a faltar muito tempo para terminar o mandato do presidente renunciante”, disse, avançando que neste momento o vice-presidente assume-se como presidente interino com o objetivo primordial de realizar eleições no Supremo, dentro de um prazo que não pode ultrapassar sessenta dias.

 “Acho que a lei prevê que o conselheiro Lima António André terminaria o mandato de José Pedro Sambú, se este tivesse ultrapassado pelo menos dois terços do seu mandato. Acho que o conselheiro Sambú não completou a metade do seu mandato. A lei diz neste sentido que não se pode completar o mandato e recomenda-se a realização de eleições no Supremo Tribunal de Justiça”, notou.

 Sobre a influência do poder político na escolha do presidente do Supremo Tribunal de Justiça e até no funcionamento daquela instituição judicial que acaba por se tornar refém dos atores políticos, assegurou que a ordem defende sempre a despolitização do Supremo, tendo lembrado que pessoalmente defendeu no meio académico e profissional a despolitização daquele órgão judicial.      

 Lembrou que está em voga a adoção de uma nova lei orgânica do Supremo Tribunal de Justiça, assegurando que tiveram a ocasião de discutir um aspeto fulcral da legislação, “um novo rumo que estamos a dar ao nosso poder judicial para se livrar dessa carga política”.

 “O presidente do supremo neste novo projeto de lei que eu espero que a assembleia considere a sua aprovação nesta legislatura… porque quando se fala da reforma estruturante do judiciário na Guiné-Bissau, esta reforma tem que ser eficaz e a sua eficácia passa necessariamente por identificar o estrangulamento que existe. Neste momento, o estrangulamento que estamos a registar tem que ver com o comportamento do Conselho Superior da Magistratura Judicial que já está a influenciar negativamente o funcionamento do Plenário do Supremo, a instância máxima na Guiné-Bissau que decide o processo e depois influencia também de certa forma, toda a aquela cadeia jurisdicional que nós temos na Guiné-Bissau”, referiu.

“Para acabar com a eleição do presidente e do vice-presidente do Supremo Tribunal de Justiça, de acordo com o projeto de lei, a função do presidente do Supremo Tribunal é assumida pelo juiz conselheiro mais antigo e o seu vice-presidente, também deve ser o segundo juiz mais antigo. A proposta do projeto de lei integra dois anos de mandato e se terminar sai. Atenção, essa possibilidade não está totalmente aberta. A lei prevê, por exemplo, que se um juiz conselheiro está a exercer uma função ministerial há um ano ou trabalha nas Nações Unidas há seis meses e em caso de eleições no supremo não pode concorrer, para evitar que quem esteja nessas condições não abuse do privilégio de abdicar da sua função para concorrer, porque entende que é mais antigo, não. Essa pessoa não pode concorrer, porque a lei prevê que a pessoa tem que estar em funções por um tempo determinado”, explicou. 

Solicitado a pronunciar-se sobre os suspeitos da tentativa de golpe de estado no dia 01 de fevereiro de 2022, transferidos agora das celas da segunda esquadra para o quartel da base aérea, que na voz de analistas jurídicos já ultrapassaram os prazos legais, revelou que os seus colegas advogados reuniram-se na ordem e já se fez muita pressão, lembrando que a última diligência feita foi uma carta aberta dirigida ao Presidente da República, Umaro Sissoco Embaló, enquanto a pessoa que exerce aquela magistratura de influência no sentido de chamar atenção relativamente a algo que vai mal e chamar atenção enquanto o principal apaziguador do estado que se pretende do direito democrático.

 “Mais do que isso, do ponto de vista jurisdicional, existem várias providências de habeas corpus no Supremo Tribunal de Justiça por decidir. Perante estas situações, naturalmente não vão ver analisar os habeas corpus. Aliás, outros colegas tiveram que esclarecer junto de pessoas conhecedoras desta matéria, se é possível entrar-se com uma providência de habeas corpus sobre as providências de habeas corpus já existentes no Supremo. Ou seja, eu entro com habeas corpus e se não for decidido, entro com outro habeas corpus e mais outro. É possível entrar com mais habeas corpus, enquanto o juiz não decidir. Portanto é uma forma de pressionar o juiz”, contou. 

Por: Filomeno Sambú

Foto: FS

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