Os Coveiros do Cemitério de Antula, arredores de Bissau, o segundo maior cemitério da capital, que nos últimos tempos tem recebido corpos de muitos falecidos, denunciaram que os túmulos são vandalizados frequentemente por pessoas desconhecidas, que levam roupas, partes de membros de corpo e outras pertenças de defuntos para práticas de magia tradicional e outros fins inexplicáveis.
“Essa prática é recorrente. No passado, quando Antula não estava ocupada totalmente, eram os lobos que desenterravam os corpos para comer, mas agora são pessoas que tiram outras pessoas das covas. É desumano o que acontece aqui e está a acontecer. Vandalizam as campas e colocam na boca de defuntos chifres (cornos) ou cartas feitas por djambacosses ou muros”, lamentou o couveiro, Abubacar Queita.
“CORPO DE UMA MENINA SUMIU DE UM DIA PARA OUTRO E NUNCA MAIS FOI VISTO” – ABUBACAR
Segundo Abubacar Queita, “acontecia com os lobos porque as pessoas que eram contratadas para abrir as campas não tinham a preparação requerida para o ofício”. “Os corpos não eram colocados em caixões e não havia o sistema de blocos para construir as campas seguras, iam diretamente para terra e a escavação também não era feita em profundidade. O enterro era realizado de forma desorganizada, sobretudo dos nossos parentes, e os lobos farejavam e desenterravam os corpos para comer. Foi quando a Câmara Municipal de Bissau percebeu e decidiu organizar o cemitério e recrutou a nossa equipa”, disse.
Afirmou que a prática está a ganhar espaço a cada dia em Bissau e noutras localidades do país por causa dos “djambacosses (praticantes de feitiçaria) ou muros (grandes marabus)”, pessoas que julgam que, por seu intermédio, as outras pessoas podem fazer o bem e o mal e saber as causas do bem e do mal dos seus clientes, ou que solicitam a outras pessoas que queiram o seu serviço a fazê-lo, frisando que graças aos esforços dos coveiros “as pessoas compram agora blocos para colocar os corpos dos seus familiares falecidos numa campa organizada e protegida”.
Abubacar Queita, um dos coveiros decanos, lamentou na entrevista que o cemitério, um lugar sagrado onde repousam as almas de muitas pessoas que já não se encontram entre nós, tenha sido transformado numa casa de prostituição e de prática de sexo na calada da noite, bem como uma via de passagem obrigatória para muitos moradores que têm habitações nos arredores do cemitério.
“Somos menosprezados, não nos valorizam. Crianças, jovens e adultos, todas as faixas etárias passam por cá. Apoiam-se em pedaços de paus ou blocos que encostam a parede do muro da vedação para treparem o muro e passarem para o outro lado. Circulam constantemente o cemitério como se de um bairro normal tratasse. Os coveiros são vistos como lixo. Aconselhamos as pessoas a absterem-se de muitas práticas neste sítio, mas ninguém nos dá ouvidos. Fazem-no com razão, porque não há nenhum sistema de segurança montado, nem forças da ordem para proteger os túmulos dos nossos entes queridos enterrados aqui, mas que são vandalizados constantemente”, criticou, lembrando que tanto de dia como à noite, o cemitério está complementarmente despido de qualquer tipo de proteção ou segurança.
Denunciou que em 2019, o corpo de uma miúda enterrada às 17 horas de um dia como qualquer outro foi retirado da sua campa, no calar da noite, mas até ao momento ninguém reivindicou e não se sabe para onde foi levado, nem os motivos são conhecidos, supondo que se trate de mais um caso misterioso como tantos outros que acontecem em Antula e noutros cemitérios.
“Um coveiro, ou sepultador, é a pessoa que trata da parte prática do enterro. Embora seja uma profissão ainda discriminada pela sociedade em geral, e até esquecida, muitas vezes, é essencial para garantir que as pessoas tenham enterros decentes e em cumprimento com as normas e regras impostas pelo setor. Se os nossos pais soubessem que seríamos coveiros, já mais nos estimulariam a seguir uma profissão como esta. Talvez por lidar com a morte, ou por ser uma função que não é valorizada socialmente. Mas é o que escolhemos ser e vamos sê-lo com orgulho”, enfatizou.
Apesar de não serem valorizados ou respeitados, disse que são eles que permitem que as famílias possam despedir-se dos entes queridos da melhor forma, garantindo que todo o enterro seja feito com respeito e profissionalismo.
“Ainda existem, na nossa sociedade, franjas que consideram os coveiros como impuros, o que mostra bem a discriminação que sofremos”, insistiu, para de seguida afirmar que “não é vergonha nenhuma seguir uma profissão como esta”.
“É até de valorizar as pessoas que querem tornar a hora do adeus mais fácil, mais terna, com respeito pelos desejos dos familiares”, afirmou.
O coveiro afirmou que a prática de sexo é frequente nessa localidade e pediu que as autoridades mobilizem forças da Ordem e guardas para estancar a prática.
“Estamos desprotegidos. Sofremos assaltos, mas ninguém é responsabilizado. Uma vez levaram o nosso arroz, os nossos materiais de trabalho. Atenção que não estou a falar apenas de uma vez que isso aconteceu, várias vezes. Não temos guardas e a vedação também não é boa”, disse, afirmando que todos os casos de assaltos e a falta de guardas já foram comunicados à direção da Câmara Municipal de Bissau (CMB).
Criticou a atitude de algumas pessoas que se aproveitam do calar da noite para estacionar em frente ao cemitério para praticar sexo a Céu aberto com as suas amantes ou os seus amantes e num lugar sagrado, uma vez que existem apartamentos e hotéis para essa atividade.
“Uma vez a patrulha flagrou duas pessoas a praticarem ato sexual neste cemitério, onde talvez tenham alma de um familiar a repousar ou que um dia será a sua última morada. É desumano esse comportamento. Às vezes namorados e namoradas agridem-se gravemente, envolvem-se em pancadarias porque talvez uma parte esteja cansada ou não queira fazer sexo neste lugar. Vivo próximo do cemitério e várias vezes tive que intervir, fazendo-me de polícia, para desencorajar essa prática num lugar sagrado, mas é um risco”, explicou.
Aconselhou as pessoas que praticam este ato a terem consciência daquilo que fazem e que a vida é curta, porque “podemos gozar a vida, colocando as nossas emoções em mil e uma maravilhas, acabaremos um dia mortos e enterrados num lugar como este, num cemitério e no chão”.
“Há dias um cidadão foi flagrado pela polícia. Foi abordado, mas queria resistir com o argumento de que se tinha deslocado ao cemitério para se divertir com a esposa no meio de nada e numa escuridão. As pessoas são flagradas nuas nessa prática. Interrompi duas pessoas que estavam encostadas no muro do cemitério a envolverem-se sexualmente, porque a miúda gritava escandalosamente debaixo do rapaz. Os vizinhos podem testemunhar essa cena nociva e vergonhosa em que me envolvi”, revelou.
Abubacar Queita pediu à Câmara Municipal de Bissau e às autoridades ligadas ao setor a trabalharem em sinergia, colocar seguranças no cemitério, reconstruir o muro de vedação, bem como adotar medidas que interditem a circulação, a horas impróprias, de pessoas no cemitério.
“Não temos poderes para travar ou impor ordens às pessoas. Não somos escutados e muitos acham que somos impuros por escolhermos essa profissão e até nos chamam de finados”, disse.
Por: Filomeno Sambú
Cortesia da Rádio Popular



















