Na verdade, a leitura desta narrativa cabralista, leva-nos a um sentimento de pertença, de exclusão e de afastamento, mesmo que fosse temporário, de algo que nos é comum, seja um partido, seja uma nação, talvez seja uma identidade. Pese embora, o ritmo com que as metamorfoses políticas atuais, na Guiné-Bissau, têm influenciado o “modus operandi” dos atores políticos guineenses, em pleno ano 2024, em aproximadamente ¼ do Século XXI volvidos, o que nos convida a releitura da máxima cabralista: NEM TODA A GENTE É DO PARTIDO.
Até porque, Ele, o próprio – Amílcar Lopes Cabral – continua sendo atual, moderno e contemporâneo, uma vez que Ele vai dialogando connosco (e com o presente), perspetivando o futuro (mais recente e cada vez mais presente).
Dizia o Cabral, “que os camaradas sabem o que é a luta. Compreenderam já que a luta é condição normal de todas as realidades em movimento. Em tudo aquilo que se move, que existe, se quiserem, porque tudo o que existe está em movimento, há sempre uma luta. Há forças contrárias que agem umas contra outras. A cada força agindo num sentido corresponde uma outra força agindo em sentido contrário. Tomemos por exemplo uma árvore. Para uma árvore crescer, viver, dar fruto, semente, ou outra árvore, é uma grande luta. Primeiro, para a sua raiz atravessar o solo e encontrar alimento no terreno, é uma luta grande entre a raiz e a resistência do terreno. Mas é preciso uma certa capacidade, uma certa força para extrair do solo molhado o alimento que entra na raiz da planta. Depois de extrair o alimento, é preciso levá-lo para outras partes da planta. Sempre resistência contra resistência. Mas, além disso, há a resistência contra a chuva, contra as tempestades. E com uma desvantagem grande para a planta: é que a planta não pode sair do lugar onde está. Tanto as plantas como os animais (e até mesmo um pedaço de pau ou de ferro) têm em si uma luta, podem até mesmo ter milhares de lutas. Mas a luta fundamental[1], por exemplo, o ferro enferruja-se, o pau apodrece, a marca do tempo fica sobre as coisas, desde o homem até à coisa mais insignificante. Tudo isto traduz uma luta. Mas a luta é mais clara, evidente, quando uma coisa faz força sobre outra coisa, quando ela se trava entre duas coisas distintas. A nossa luta é o resultado da pressão (ou opressão) que os colonialistas portugueses exercem sobre a nossa sociedade. Quem adquire uma certa consciência ou que foi testemunha de algum fato, ou que tem algum interesse em relação ao colonialismo português, pode adaptar a seguinte posição: fazer a sua própria luta ou não fazer luta nenhuma. Na nossa terra havia muita gente que lutava, tanto na Guiné como em Cabo Verde e às vezes até mesmo fazendo versos ou outra coisa qualquer, como sinal de luta. Fechar as janelas, as portas, o quarto e descompor os tugas: ele não ouve, mas é uma maneira de lutar. Em Canhabaque, uma mulher bijagó vem com a sua água para vender. O chefe de posto tuga diz-lhe: “um peso, não, cinco tostões” e dá-lhe os cinco tostões, mas ela derramou a água no chão — é uma maneira de lutar. Muitas vezes, a subserviência (ato de aceitar humilhações) é também uma forma de lutar. Mas outras formas de luta são as revoltas. Uma coisa, por exemplo, de que tive uma consciência e de que nunca me esqueço, passou-se em Angola, nas roças. Eu pensava que os contratados eram uns pobres diabos, que nunca se revoltavam; mas eles se revoltam, um a um, raras vezes se sente que se revoltam, mas cada um procura fazer a sua revolta. Uns fazem-se passar por doidos, saem com catanas e cortam todas as palmeiras novas plantadas pelos colonialistas. É uma maneira de lutar. Mas quando um, dois, três, quatro, se juntam, comungam nos seus interesses, podem fazer uma revolta. Quantas revoltas caladas na Guiné, que talvez ninguém tenha visto, quantas revoltas em Cabo Verde: luta contra o colonialismo português”.
E agora, eu perguntaria QUAIS são as CAUSAS atuais das nossas lutas? Os partidos, os Líderes, os Movimentos Sociais ou as Causas Nacionais?
Os desígnios nacionais (as Causas Nacionais), que deviam merecer as nossas lutas, mas, entretanto, estes continuam a constituir ainda uma miragem, pois andamos a lutar por interesses (particulares), problemas (mesquinhos de barriga), problemas de (tachos), problemas de (facções) desavindas, em desencontros constantes, mesmo estando (nós), lado a lado, outrora, algures. Os partidos políticos públicos funcionam com se fossem propriedades privadas ou sociedades empresariais, quem dá mais é escolhido, quem tem património líquido é o preferido em detrimento das outras valências (competência e profissionalismo). Os espaços públicos ministeriais são campos de batalha a todo custo, custa o que custar. Canalizamos energias para lutas (intestinais e domésticas), que produzem enorme desinvestimento em setores estruturantes da nossa economia, isto é, em setores reais da nossa economia (Energia; Agricultura; Infraestrutura; Turismo; Serviços, etc.; porém, os ditos “estrangeiros” de Mauritânia, Líbano, Senegal, la Guiné, Mali têm-se aproveitado da nossa debilidade para constituírem seus patrimónios, graças à anarquia que carateriza o nosso mercado, que nós mesmos sustentamos.
Portanto, em cada momento, surgem homens que vão lutando, seja pelo Poder efetivo, seja pelos Partidos, seja pelas Causas Nacionais. É da natureza humana, lutar, lutar e lutar. Mas, é preciso ter uma causa para lutar. E, no entanto, o que a “nossa” atual classe política tem feito, teimosamente, e, desde logo, no início do ano 2024, é tudo menos lutar pelas Causas Nacionais.
Na medida em que não há mínimos consensos – respeito à nossa Constituição. Não há democracia interna nos próprios partidos. Assiste-se, cada vez mais, a uma luta por protagonismo a todo custo, em prejuízo do Plano de Desenvolvimento Nacional (PND). Não há estratégias voltadas para o desenvolvimento económico, no curto, médio e longo prazo. Tem sido extraordinariamente difícil ser um simples cidadão isento e conformista, e, também, custa muito ser técnico acomodado apenas em seu gabinete, com alguma qualificação, no meio desta situação que teima em persistir teimosamente, passa a redundância.
Até quando?
Afinal, para que serve isto, que designamos de DEMOCRACIA.
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Por: Santos Fernandes
Bissau, 14 de Fevereiro 2024
[1]Texto originalmente publicado no livro “Unidade e Luta” de Amílcar Cabral, lançado em 1976. Transcrição por Andrey Santiago. 11 Organização Política – Textos Selecionados entre a capacidade de conservação e os estragos que o tempo causa nas coisas.



















