Affaire de gelo em Ramadão: BIDEIRAS DE GELO COM “ANTÍDOTO DE DOR” LUTAM PELA SOBREVIVÊNCIA COM LUCRO DE CINQUENTA FCFA 

Dezenas de mulheres saem todos os dias do interior da Guiné-Bissau para vir comprar pedras de gelos e revender nas respetivas regiões para os fiéis muçulmanos que preferem água fresca para cortar o jejum. As mulheres bideiras saem, às vezes, duas ou três horas de madrugada nos transportes públicos e algumas em camiões de cargas para que possam chegar a Bissau às seis ou sete horas de manhã para comprar gelo e voltar no mesmo dia para revenderem os produtos.

As atividades de comercialização de pedras de gelos são feitas com mais frequência neste período do mês de jejum praticado pela comunidade muçulmana, que, na sua maioria, prefere a água fresca à tarde para cortar o jejum ao pôr do sol e no jantar à noite.

As regiões do país deparam-se com a falta da corrente elétrica e algumas não têm a fábricas de gelo. As regiões que detém a fábrica, como Bafatá, Gabú e Buba, não têm grande capacidade da produção e para a maioria das videiras, o formato do gelo produzido por estas fábricas (gelo de barra ou da escama) não é resistente ou derrete-serápido e a pessoa (bideira) acaba por prejudicar-se, pelo que preferem deslocar-se a Bissau para comprar pedras de gelos que tenham mais resistência.

As pedras de gelos são feitas, através da água de torneira na sua maioria que é colocada em sacos plásticos de um quilograma, para formar gelo, que são vendidas entre 150 a 200 fcfa por saco e as bideiras, de acordo com as zonas (regiões) revendem cada pedra de gelo entre 400, 450 e até 500 francos cfa. As bideiras abordadas pela nossa reportagem alegam que são obrigadas a vender a pedra de gelo naqueles preços, porque pagam um preço exagerado para transportar gelos para as suas regiões, bem como gastos feitos na compra de sacos e cartões para embalagem dogelo.

“ARRISCAMOS VIDAS ATRÁS DE LUCRO DE 50 E 100 FCFA PARA A SOBREVIVÊNCIA DA FAMÍLIA” – BIDEIRA DE QUEBO

Bula Baldé, uma bideira de aproximadamente de 45 anos de idade, exerce a atividade de comercialização de pedras de gelo há 12 anos na cidade de Quebo, região de Tombali, no sul da Guiné-Bissau, é vista agora como a maior distribuidora de gelo no setor de Quebo, dado que diariamente consegue comprar entre oito a dez sacos de pedras de gelos que distribui para diferentes aldeias que constituem aquele setor.

“Saio de Quebo às duas ou três horas de madrugada por causa da estrada que não está em boas condições para que possamos chegar a Bissau às 6 horas de manhã, porque se não, não vamos conseguir gelo. Compramos gelos nas mãos das pessoas que também compram junto de moradores em diferentes bairros para nos venderem, então se não chegar cedo a Bissau corre-se o risco de não conseguir o gelo, sobretudo para nós que compramos grandes quantidades”, assegurou.

Baldé explicou à nossa equipa de reportagem que diariamente compra 8 a 10 sacos de pedra de gelo, mas depende do preço de transporte e sobretudo da capacidade dos seus fornecedores que saem de madrugada à procura de gelos nas casas dos seus vizinhos.

“Desde o ano passado e este ano também cobram 5 mil francos cfa por cada saco de pedra de gelo e às vezes cobram até 6 mil francos cfa. Compramos sacos para colocar o gelo e cartões para embalagem de sacos. Saco bruto custa 1500 fcfa e saco normal de farinha é vendido a mil francos cfa, como também pagamos aos jovens que nos ajudam colocar direito os gelos no saco e fazer embalagem para que o gelo não derreta durante a viagem. Pagamos 500 francos para cada saco aos jovens que nos ajudam”, disse, para em seguida avançar que as mulheres que levam gelos para interior de tabancas e são obrigadas a alugar o moto-carro, que também cobra cada saco de gelo 2500 fcfa.

Questionada se perante estes gastos e as dificuldades há algum lucro que recompense os seus sacrifícios, respondeu que na verdade correm atrás de lucros de 50 ou 100 francos cfa por cada pedra de gelo, se tomarem em conta o custo de transporte e outras despesas feitas.    

Cumba Baldé explicou ainda que este ano estão a enfrentar muitas dificuldades concernentes ao preço exagerado de transporte, degradação da estrada que, às vezes, danificam as viaturas e que se não conseguirem outra viatura, correm o risco de ver o gelo acaba por derreter-se.

Outras dificuldades referidas, segundo a explicação da maior distribuidora de gelo da cidade de Quebo, deve-se à subida de preço deste produto que agora está a ser vendido por seus fornecedores no valor de 200 francos cfa, que, de acordo com a bideira, seria difícil e que prejudicam muito em comprar o gelo a 200 fcfa por cada pedra, dado que os seus clientes não terão a capacidade de comprar o gelo no valor de 600 ou 700 francos cfa por cada pedra.

“Estamos a negociar com os nossos fornecedores, que também justificam que os moradores recusaram vender o gelo 150 francos cfa como no ano passado, alegando o alto preço da corrente elétrica e que o contador agora é pré-pago, e também gasta muito”, contou, implorando na ocasião ao governo a ajudar as populações que vivem no interior com a abertura de fábricas de gelo de maior capacidade e o fornecimento da corrente elétrica.

Interrogado se não existe a fábrica de gelo em Quebo ou Buba, disse que existem fábricas nestas cidades, mas as fábricas fazem o gelo de escama. Acrescentou que os clientes não gostam de gelo de escama, porque derrete rápido e, por isso, deslocam-se a Bissau para comprar o gelo de pedra.     

Baldé informou que abastece algumas grandes aldeias daquela zona com pedras de gelo, designadamente, Guiledje, Mampatá, Medjo e entras aldeias mais distantes. Enfatizou que vendem igualmente, para outras pessoas que também vão vender nas suas aldeias.

Lembrou que no ano passado investiu 200 mil francos cfa na compra e venda de pedra de gelo e que obteve muitos prejuízos, levando-lhe uma perda de 80 mil fcfa. Contudo, mostrou-se esperançada que este ano pode ser diferente e que há sinais que as coisas podem ser diferentes de 2023. 

“TRABALHAMOS POR CONTA PRÓPRIA. AS NOSSAS COLEGAS MORRERAM NESTA ATIVIDADE” – CUMBA GABÚ

Cumba Camará, bideira de Gabú e Bafatá, explicou na entrevista que esta é uma atividade exercida ocasionalmente, ou seja, somente no período de jejum e depois praticam outras atividades geradoras do rendimento. Informou, neste particular, que compra sacos de gelo para vender na cidade de Gabú e que deixa uma parte em Bafatá.

“Somos, no total, cerca de 60 mulheres que saem todos os dias de Gabú e Bafatá neste período para vir comprar o gelo e vender nas nossas regiões. Muitas vezes levamos num dia entre 60 e 70 sacos de gelo para Gabú, como também as bideiras de Bafatá e Bambadinca levam o mesmo número ou mais”, disse, esclarecendo que não têm um fornecedor oficial e que compram das mãos das mulheres e jovens raparigas, que também vão comprar nos bairros para revenderem.  

Camará explicou que pagam cada saco no valor de cinco mil francos cfa no transporte público o que, no seu entender, “é muito exagerado”, razão pela qual apela à intervenção das autoridades competentes no sentido de resolver a questão do transporte público.

“Passamos muitas dificuldades, desde a má condição da estrada e a subida do preço de gelo por parte de fornecedor de um momento para outro, mesmo assim somos obrigadas a comprar para continuar a exercer a atividade. As nossas colegas fizeram acidentes de aviação nesta atividade, alguns perderam a vida. Isso podia-nos fazer desistir, mas continuamos e sem nenhuma ajuda”, lembrou, lamentando a degradação da estrada que lhes causa prejuízos, porque muitas vezes a viatura avaria devido aos problemas de motor e o gelo fica no carro até dia seguinte.

Segundo o correspondente da estação católica, Rádio Sol Mansi em Bafatá, Iaia Quadé, a cidade natalícia de fundador da nacionalidade guineense, Amílcar Cabral, neste momento tem a corrente elétrica 24 horas disponíveis, mesmo assim nota-se um déficit de gelo, o que obriga as mulheres bideiras deslocarem-se a Bissau para comprar gelo e revender. 

Em conversa telefónica a partir de Bissau, o jornalista explicou que a cidade de Bafatá conta com duas fábricas de gelo, uma nacional e outra de um cidadão chinês.

Avançou que a fábrica daquele cidadão nacional tem a capacidade de produzir mais de mil barras de gelo diariamente e também o gelo de escama, afirmando que a fábrica do cidadão chinês tem maior capacidade de produção, contudo não adiantou com pormenores sobre a capacidade de produção, informando que as duas fábricas funcionam apenas no período de jejum e que neste momento não estão a funcionar, frisando que desconhece a razão daparalisação das duas.

O Democrata soube que a cidade de Gabú dispõe de uma fábrica de gelo que tem a capacidade de produção de mais de 800 barras de gelo diariamente também faz o gelo de escama. 

A fonte informou ao nosso semanário que atualmente algumas unidades da fábrica não estão a funcionar, por isso produzem entre 400 a 500 barras do gelo diário, que de acordo com a sua explicação são vendidos cada barra 1800 fcfa e que um balde de dez litros, contendo gelo de escama,custa 500 fcfa.

A nossa fonte diz que desconhece a razão de as mulheres bideiras se deslocaram até Bissau a procura de pedras de gelo, uma vez que a fábrica trabalha, embora reconheça que a produção pode não satisfazer a necessidade das bideiras. Enfatizou, neste particular, que na região de Gabú vê-se senegaleses com motorizadas a vender pedras de gelo a nível de alguns setores e até na cidade de Gabú.

Um alto funcionário de administração setorial na cidade de Gabú, disse que a cidade dispõe de dois fornecedores da corrente elétrica, um trabalha 12 horas, das 19 horas e às 07 horas de manhã. Outra empresa fornece a energia elétrica 24 horas, mas não são suficientes para a demanda da população sobretudo neste aspeto.

Para a bideira de Bissorã e Farim, região de Oio, norte do país, a comercialização de pedra de gelo é uma “atividade de risco aceitável” para garantir as suas sobrevivências e da família em geral, dado que através desta atividade conseguem pagar escolas e dar comida para os filhos.

Djuco Baio, residente na cidade de Bissorã, mas leva o gelo para vender na cidade de Farim, através de seus colaboradores, explicou que são obrigadas a levantar-se de madrugada para chegar a Bissau nas primeiras horas e conseguir pedras de gelo, de forma a voltar mais cedo e chegar ao destino às 16 ou 17 horas.

“Consigo comprar diariamente dois sacos, que correspondem a cem pedras de gelo. Nós pagamos um saco 1500 fcfa para Bissorã e 2500 fcfa para a cidade de Farim, onde pagamos a canoa para atravessar o rio e pagamos o moto-carro para chegar ao mercado. É uma atividade que fazemos mais neste período e ganhamos uma coisa que nos ajuda sustentar as nossas famílias”, revelou a bideira, acrescentando que vende uma pedra de gelo a 350 a 400 francos cfa, afirmando que o preço depende essencialmente do valor em que foi comprado nas mãos dos fornecedores, que vendem o gelo entre 150 a 200 fcfa.

AMAE DIZ QUE A VENDA DE GELO É ATIVIDADE OCASIONAL E PEDE ORGANIZAÇÃO DAS BIDEIRAS

Contactada por telefone para debruçar-se sobre falta de ajuda reclamada pelas mulheres bideiras de gelo neste período de jejum, a presidente de Associação das Mulheres de Atividade Económica (AMAE), Antónia Adama Djaló, começou por dizer que essas bideiras não são associadas da sua organização e pediu que devem organizar-se em cooperativas para que possam beneficiar de alguma ajuda, dado que os próprios parceiros exigem a organização de diferentes fileiras em cooperativas.

Djaló disse que as próprias bideiras devem deslocar-se à sede da AMAE para se inscreverem, depois receberão ajuda como organizar para criar uma cooperativa, o que lhes permitirá ter maior capacidade e apoios para trabalhar.

“Quero apelar a todas as mulheres bideiras e não apenas de gelo, que precisam de organizar-se para receber ajuda da AMAE, porque é uma exigência dos parceiros. Para receber apoio dos parceiros, bancos ou do governo é só quando está estruturado, portanto é importante que estas mulheres se enveredam no caminho da cooperativa ou associações para que possam conseguir alguns apoios ou orientações. Isso é para as bideiras de bananas, óleo de palma, gelo e entre outros produtos”, exortou. 

Convidado a analisar o impacto de atividades das mulheres que vendem gelo sobretudo neste período de Ramadão, o economista, Santos Fernandes, afirmou que, de forma direta, as atividades das mulheres têm impacto no rendimento e poupança das famílias, e, de forma indireta, na economia nacional, através do consumo das famílias, ou seja, o consumo privado.

“Do ponto de vista conceptual não são empreendedoras, mas sim são comerciantes ambulantes informais. Contudo há “confusão” nas interpretações dos conceitos, que leva muitos teóricos a considerá-las empreendedoras que lutam sobretudo, pela sobrevivência” disse Santos Fernandes. 

O economista defende que haja políticas públicas voltadas à promoção das mulheres que exercem atividades geradoras de rendimento.

Lembrou que há vários tipos de apoios possíveis, desde logo, no sistema financeiro descentralizado (SFD), MICROCRÉDITO e apoios em termos de gestão dos seus pequenos projetos e negócios.

Por: Assana Sambú

Author: O DEMOCRATA

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