Opinião: IMPLICAÇÕES JURÍDICAS DA (POSSÍVEL) INSCRIÇÃO DO ARQUIPÉLAGO DOS BIJAGÓS NA LISTA DO PATRIMÓNIO NATURAL MUNDIAL

[Reflexões a quente]O Instituto da Biodiversidade e das Áreas Protegidas, Dr.º Alfredo Simão da Silva, informou ao país e ao mundo, no pretérito dia 27 de maio de 2025, de que o dossier de candidatura do Ecossistema Marinho e Costeiro do Arquipélago  Bolama Bijagós intitulado “ OMATI MINNHÕ”, beneficiou do parecer favorável da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), um dos órgãos consultivos do Comité do Património Mundial, que recomendou  a sua inscrição direta na lista de Património Natural Mundial da UNESCO.  A Lista do Patrimônio Mundial compreende, atualmente, 1223 bens que constituem o patrimônio cultural e natural que o Comité do Património Mundial considera de valor universal excepcional.

Um primeiro dossier de candidatura foi preparado e apresentado nos anos de 2012-2013, tendo o Comité do Património Mundial da UNESCO deferido a proposta de inscrição, formulando as seguintes recomendações:

  • reforçar o estatuto de proteção legal do Arquipélago com vista a garantir uma proteção adequada;
  • velar para que seja estabelecido um plano de gestão global com meios e medidas institucionais e financeiros adequados;
  • velar para que o plano de gestão integre uma estratégia para o turismo sustentável;
  • velar para que não sejam estabelecidas novas rotas de navegação no Arquipélago;
  • assegurar que as operações petrolíferas não sejam permitidas dentro do bem proposto para inscrição e que as operações que tenham lugar fora do local não tenham um efeito significativo no bem proposto para inscrição.

Nos termos da Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural de que a Guiné-Bissau é signatária desde 28 Janeiro de 2006, e ao abrido da qual os Estados partes devem submeter ao Comité do Património Mundial um inventário dos bens do património cultural e natural situados no seu território e susceptíveis de serem inscritos na lista, são considerados Património natural: i.) Os monumentos naturais constituídos por formações físicas e biológicas ou por grupos de tais formações com valor universal excecional do ponto de vista estético ou científico; ii). As formações geológicas e fisiográficas e as zonas estritamente delimitadas que constituem habitat de espécies animais e vegetais ameaçadas, com valor universal excecional do ponto de vista da ciência ou da conservação; iii.) Os locais de interesse naturais ou zonas naturais estritamente delimitadas, com valor universal excecional do ponto de vista a ciência, conservação ou beleza natural.

Para que um determinado sítio possa ser inscrito na lista de Património natural deve possuir um valor universal excecional, satisfazer as condições de autenticidade, possuir um sistema de gestão e proteção, e cumprir os critérios definidos pelo Comité de Património Mundial. O processo de inscrição comporta várias etapas das quais se destaca o parecer dos órgãos consultivos: UICN (União Internacional para a Conservação da Natureza) para o património natural e ICOMOS (Conselho Internacional de Monumentos e Sítios), para o património cultural. Os pareceres destas duas organizações podem: i) recomendar a inscrição; iii.) não recomendar a inscrição; deferir e devolver o dossier para revisão de acordo com as recomendações.

Enquanto parte da Convenção, a Guiné-Bissau tem as seguintes obrigações principais:

  • Contribuir para a identificação, proteção, conservação e valorização do património cultural e natural, e a não tomar deliberadamente qualquer medida suscetível de danificar direta ou indiretamente o património cultural e natural (artigo 6º);
  • Pagar, de dois em dois anos, ao Fundo do Património Mundial, contribuições, cujo montante, calculado segundo uma percentagem uniforme aplicável a todos os Estados (artigo 16º);
  • Estabelecer ou promover a criação de fundações ou de associações nacionais, públicas e privadas, cujo objetivo seja o encorajamento da proteção do património cultural e natural (artigo 17º);
  • Elaborar e indicar nos relatórios a apresentar à Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura, as datas, as disposições legais e regulamentares, e as demais medidas que tenham sido adotadas para aplicação da Convenção, bem como a experiência que tenha adquirido na matéria (artigo 29º).

Olhando para as obrigações acima referidas, bem como para o edifício jurídico guineense em matéria de conservação da diversidade biológica, ambiente e recursos naturais, a Guiné-Bissau deve iniciar, sem delongas, o processo de revisão da  Lei Quadro das Áreas Protegidas ( Lei nº 5-A/2011, de 1 de março) visando, entre outros, domesticar as obrigações procedimentais e substantivas resultantes dos compromissos internacionais, in casu, da Convenção sobre Património Mundial, definir o mecanismo de articulação das áreas protegidas nacionais, sobretudo as que se encontram no interior do Arquipélgo dos Bijagós ( Parque Nacional Marinho Joao Vieira e Poilação, Parque de Orange e Área Marinha Protegida de Comunitária das Ilhas Urok) com as internacionais e o respetivo modelo de governança. Outro desafio a enfrentar prende-se com a necessidade de articular as legislações setoriais (pescas, florestas, minas, hidrocarbonetos, turismo, terra, etc) com o quadro jus ambiental que estará claramente reforçado com a inscrição dos Bijagós como bem do Património Naturlal Mundial. Refira-se, a este propósito, que novos instrumentos jurídicos e de planificação foram adotados, nomeadamente, o Plano de Ordenamento e de Gestão Integrada da Reserva do Arquipélago Bolama-Bijagós (RBABB), o Plano de Ação da Reserva de Biosfera do Arquipélago Bolama Bijagós (detalhes para a implementação), cronograma e Plano Financeiro, e os projetos de Decreto de criação da RBABB incluindo o modelo de governança e gestão.

O Arquipélago dos Bijagós está em vias de obter o seu quarto reconhecimento internacional depois de em 16 de abril 1996 ser reconhecido pela UNESCO como Reserva de Biosfera, no âmbito do programa Homem e Biosfera. Como Dom à Terra, pela WWF, em 2001, integrando a lista das 200 ecorregiões, devido a sua importância na proteção da vida na Terra; e como sítio RAMSAR, em 2014, no âmbito da Convenção sobre Zonas Húmidas de importância internacional.

A celebração do quase-certo reconhecimento do Arquipélago dos Bijagós como património natural mundial deve estar necessariamente associada à tomada de medidas que se impõem para que o nosso arquipélago continue a merecer a referida distinção.

Por: WELENA DA SILVA, jurista

Diretor Geral da Autoridade de Avaliação Ambiental Competente

Investigador Colabador do Centro de Estudos de Direito Público da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

welenasilva@gmail.com

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