Opinião: A DECADÊNCIA DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS – O CASO DA CPLP NA SUA XV CIMEIRA

As organizações internacionais têm enfrentados nesta década, talvez, a maior crise desde o início do processo de criações das organizações internacionais modernas a partir do século XIX. esta crise parece universal, atingindo as organizações da África, Europa, América e Asia e há dois asptos que ela tem atingido, primeiro, os valores e princípios que elas (as organizações internacionais) defendem; e segundo, os objetivos traçados por elas. 

Trazemos a memória do leitor, de forma rápida e breve, o que tem acontecido em algumas organizações internacionais:

A ONU – começamos essas breves notas naquela que é a maior organização global dos Estados, a Organização das Nações Unidas. A ONU tem enfrentado críticas e exigências à sua reforma já décadas, mas parece que cada vez se torna notável a sua incapacidade de cumprir o seu papel para qual foi criada, a manutenção de paz a nível global e assegurar o cumprimento do Direito Internacional. Além das crescentes guerras entre os vários países por todo o mundo e ela (ONU) não consegue parar, e em alguns casos, com posições muito equivocadas ou quase nulas, mas nos últimos tempos, tem acontecido casos que elucidam o quão esta organização está fragilizada e há quem entende que já não justifica a sua existência. São exemplos da guerra de Ucrânia-Rússia, em que a ONU foi simplesmente posta de lado, nem nas negociações para buscar a saída do conflito ela não tem tido chamada; a barbaridade de Israel em Gaza e ataque dos EUA ao Irão são também outros casos que a ONU não consegue ter a voz de apontar a esses Estados do que estão a violar o Direito Internacional e Direito Internacional Humanitário. A observância do Direito Internacional e inviolabilidade das fronteiras entre os Estados deram lugar a lei de quem tem mais força e a ONU nada faz para travar essa nova tendência.

A Europa – não escapou esta crise aquela que tida como a melhor organização internacional de integração regional, a União Europa (UE). A guerra entre a Ucrânia e Rússia expõe tanto as fragilidades da UE e da Europa e acabamos por descobrir que afinal esta organização e este continente não são assim tão perfeitos e fortes como aparentavam ser aos nossos olhos. Esta guerra fez tremer a UE e expõe a sua impotência militar perante a Rússia, em que os 27 Estados da UE e mais o Reino Unido, apesar de não concordarem com ataque da República Federal Russa, mas juntos não conseguem apoiar militarmente a Ucrânia com os equipamentos para esta poder enfrentar a Rússia.  Mas talvez, a maior a exposição da fragilidade da UE e da Europa tenha sido ilustrada com este segundo mandato do Presidente Americano Donald Trump. A política de “America first” e a personalidade de Trump têm feito a UE como um bebé, esta não consegue reagir perante decisões que tenha discordado com a Administração Trump, são casos das tarifas comerciais, de guerra de Israel e Irão e de guerra Israel em Gaza. Este último caso, colocou a UE em contraste com os valores que ela diz que defende, em que não consegue ter uma posição clara sobre as atrocidades e crimes de guerra que Israel tem cometido em Gaza.

África – a África sendo um continente em construção, já caracterizada com várias fragilidades internas com muita influência externas, não podia escapar essa onda de decadência das organizações internacionais.

Desde logo, a maior organização regional africana, a União Africana (UA), está bem longe de afirmar o seu papel como a organização que une os países e os africanos a nível continental, em certos aspetos, até é mesmo suplantada por algumas organizações sub-regionais do continente. Destacam como algumas das maiores fragilidades, a falta de uma agenda comum para o continente (não falo de uma agenda formal, como existe com Agenda 2063, mas sim uma agenda prática e exequível) e a descoordenação das políticas africanas em vários níveis, em alguns casos, a falta ou desprezo dos instrumentos da UA pelos seus membros.

Além da UA, podemos citar outras duas organizações sub-regionais do continente, a Comunidade Econômica dos Estados da África Central (CEEAC) e a Comunidade Económica dos Estados da Africa Ocidental (CEDEAO). A primeira, já caracterizada por pouca evolução de integração económica e as instabilidades políticas (são não só dela, mas de todo o continente), neste ano a organização foi abalada com o conflito entre Ruanda e República Democrática de Congo, em que ela não soube resolver (também nem a UA conseguiu resolver) e teve que ser mediado fora do continente e no fim, infelizmente, levou a saída da Ruanda na CEEAC, no mês de junho passado.

Já a nossa CEDEAO, que outrora, era tida como exemplo de integração africana, em algumas matérias, era até fonte de inspiração da UA e de outras organizações sub-regionais do continente, agora parece que está numa velocidade de regressão sem precedente. Tem tido dois pesos e duas moedas perante os Estados membros, tomando posições nas situações de golpes de Estados, mas fechando os olhos perante abusos e atrocidades dos Chefes de Estados e os golpes institucionais que estes têm feitos nos seus países. No nosso caso, teve atitudes poucas sérias que eram esperadas que uma organização como aquela não tivesse. Além do silêncio total perante as atrocidades constitucionais do atual regime, enviou uma missão para Guiné-Bissau que foi expulsa pelo Presidente Sissoco Embaló, e que até hoje a organização nem reagiu e nem divulgou o relatório dessa missão. E por cima, o Presidente da Comissão veio ao país e nem teve a coragem de reunir com outros atores além dos atuais detentores do poder. A organização está totalmente descredibilizada perante os cidadãos comunitários.

Caro leitor, vamos agora ver a Comunidade dos Países da Língua Portuguesa (CPLP), que é alvo principal desta nossa abordagem.

A CPLP tem como um dos princípios orientadores “Primado da Paz, da Democracia, do Estado de Direito, da Boa Governação, dos Direitos Humanos e da Justiça Social”, os nºs 1 e 2, do artigo 6º, dos seus estatutos estatuem que 1. Em caso de violação grave da ordem constitucional num Estado membro, os demais Estados membros promoverão consultas visando a reposição da ordem constitucional. 2. O Conselho de Ministros decidirá, com carácter de urgência, sobre as medidas sancionatórias a aplicar, que podem abranger desde a suspensão de participação no processo de decisão em órgão específico à suspensão total de participação nas atividades da CPLP. Ora, no caso da Guiné-Bissau, de algum tempo para cá, tem havido e sistematicamente, violações gravíssimas da ordem constitucional guineense, até ao ponto de, através de simples ordem do Presidente, que manda substituir o Presidente da Assembleia Nacional Popular e que a nova Presidente é empossada pelo Secretário do Estado da Ordem Pública (coisas que só podiam acontecer no sonho), e com tudo isso, não houve pelo menos, um simples pronunciamento da CPLP e por cima ela vem premiar todos esses violadores da ordem constitucional, que não querem saber nada de democracia e dos direitos humanos, com a organização da XV Cimeira entregando-lhes a presidência para serem espelhos da organização nos próximos dois anos!

Mas a minha maior inquietação com a XV Cimeira da CPLP em Bissau tem a ver com o lema da cimeira e temas a serem abordados. O lema como sabemos é: “A CPLP e a Soberania Alimentar: Um Caminho para o Desenvolvimento Sustentável”. E a questão não tem a ver com a não importância do lema, até porque é muito importante, visto que na maioria dos países da CPLP as suas populações enfrentam a fome e é tão importante que esses países tenham a soberania alimentar a fim de suprirem a necessidade alimentar dos seus cidadãos.

A questão é: será que não salta a vista um tema importante que a CPLP podia e devia discutir neste momento? Há fuga ao debate deste tema ou a sua ignorância foi por lapso ou mesmo a CPLP entende que não é pertinente o seu debate?

Na nossa opinião, o tema de imigração não podia faltar no debate da Cimeira da CPLP neste momento, ainda que seria debate outros assuntos, como a soberania alimentar, mas o tema da imigração devia saltar a vista na Cimeira. Pelo que temos acompanhado, não parece que este assunto será debatido, nem em segundo plano. Num momento em que o tema de imigração é assunto mundial, particularmente em Portugal, em que a maioria dos imigrantes ali residentes são provenientes dos países da CPLP e tem crescido companha contra os imigrantes, neste momento são vistos como razões de todos os males da Europa. Neste pleno momento da organização da cimeira, Portugal aprovou uma lei dos Estrangeiros, está a discutir no parlamento português a alteração da lei de nacionalidade e de mudanças do regime de reagrupamento familiar, tudo isso, com claros objetivos de atingir os imigrantes, a maioria deles são dos países da CPLP.

Não seria o momento de chamar a responsabilidade histórica da Europa, especialmente, Portugal que ocupou e explorou esses países que fazem parte da CPLP e que agora parece que não quer ver os seus cidadãos em Portugal? Não seria oportuno discutir as outras vias alternativas a imigração, discutir os mecanismos de solidariedade entre os países da CPLP ou de financiamento entre os países, que podiam até ajudar em atenuar grande fluxo de imigração em países como Portugal? Não seria momento ideal discutir ou avançar para próxima fase do Acordo de Mobilidade da CPLP assinado em 2021, na cidade de Luanda, Angola, aquando da XIII Cimeira da CPLP? Não seria pertinente discutir não só os problemas da insegurança e outros, que dizem que os imigrantes criam na Europa, mas também os abusos, explorações, até mesmo a escravatura moderna que os imigrantes são alvos? São questões que podemos refletir e indagar a CPLP sobre as suas pertinências neste momento.

A título de conclusão, dissemos que as organizações internacionais têm enfrentado crises internas, sobretudo, na dificuldade de afirmação dos valores e princípios que defendem, e no cumprimento dos objetivos que nortearam as suas criações, isso tem levado ao desmembramento dos países constituintes, e nos ziguezagues de algumas perante situações similares, mas com posições contraditórias. E a CPLP faz parte desta lista das organizações internacionais que estão a ser abaladas com esta decadência. A XV Cimeira desta organização em Bissau ilustra isso, na falta de posicionamento claro perante a falta de democracia e de respeito aos direitos humanos a um dos seus membros, onde curiosamente, está a realizar a cimeira, e na fuga ao debate dos temas atuais que deve interessar a organização para proteger os cidadãos dos seus Estados Membros, como são caso dos temas da imigração e da mobilidade entre os cidadãos dos países da CPLP.

Por: Ericson Ocante Ié

Cidadão guineense

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