O analista em matéria do direito, Fransual Dias afirmou que o ato de lançamento do concurso público para o recrutamento de novos presidentes das Comissões Regionais de Eleições (CREs) é “ilegítimo e inoportuno”, uma vez que o secretariado executivo da Comissão Nacional de Eleições (CNE) se encontra caduco há três anos.
“Aliás, é importante referir que os presidentes das CREs, cujos mandatos já expiraram, continuam a exercer funções, numa espécie de renovação automática informal. Este concurso público está viciado de ilegalidade, pois o próprio secretariado executivo da CNE tentou movimentar os presidentes das CREs, contrariando o princípio da inamovibilidade desses cargos. Isso demonstra que o concurso, além de ilegítimo, inoportuno e ilegal, é também marcado por má-fé”, destacou o jurista, em análise jurídica ao Jornal O Democrata.
SECRETARIADO EXECUTIVO DA CNE NÃO POSSUI LEGITIMIDADE PARA LANÇAR UM CONCURSO PÚBLICO DESSA NATUREZA
Segundo Fransual Dias, trata-se de má-fé porque tudo indica que o secretariado considerou mais conveniente remover os atuais presidentes, em vez de apenas os movimentar. No entanto, alertou o analista, essa iniciativa ocorre num momento em que os partidos continuam a manifestar desconfiança quanto ao recenseamento eleitoral e a introdução deste concurso no cenário atual só contribui para agravar as dúvidas e tensões, o que compromete ainda mais a credibilidade da CNE.
O Secretariado Executivo da CNE lançou, no dia 29 de agosto de 2025, o concurso público para preenchimento das vagas de presidentes das Comissões Regionais de Eleições, com o prazo de candidaturas a terminar a 6 de setembro.
Fransual Dias reforçou que o atual secretariado executivo da CNE não possui legitimidade para lançar um concurso público dessa natureza.
“É também inoportuno porque estamos a apenas três meses das eleições legislativas e presidenciais. Abrir um concurso público neste momento, sem clareza quanto aos seus moldes, levanta naturalmente suspeitas e abre caminho para a desconfiança. A CNE corre o sério risco de que qualquer mínimo erro seja interpretado como ato deliberado de fraude”, advertiu, sublinhando a necessidade de a CNE ponderar cuidadosamente o atual contexto político, caracterizado por forte polarização entre os principais atores.
O analista recordou que o poder raramente cede voluntariamente e tende a utilizar todos os meios, mesmo os mais duvidosos, para se manter no controlo das instituições.
Neste sentido, considerou essencial que se promova um ambiente de calma e transparência para que o processo de retorno à ordem constitucional decorra com legitimidade e estabilidade, permitindo ao país reingressar na normalidade democrática.
Para Fransual Dias, a CNE deve ter consciência de que qualquer democracia é avaliada, sobretudo, pela forma como conduz as suas eleições.
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DEVERIA COLABORAR PARA QUE A CNE FOSSE CHAMADA À RESPONSABILIDADE
“Este é um momento de fortes tensões, e as entidades responsáveis pela condução do processo devem redobrar os cuidados. A CNE deve, portanto, rever esta decisão, sob pena de incorrer em irregularidades graves que podem gerar responsabilizações políticas, sociais e eventualmente criminais. Se se confirmar que toda essa insistência do secretariado se traduz numa fraude planeada, os seus autores estarão sujeitos a processos-crime”, alertou.
Quanto aos possíveis mecanismos de contestação, o jurista considera improvável que os partidos da oposição recorram aos tribunais, dado que continuam a acreditar que as instituições estão capturadas, o que mina a confiança na via judicial. No entanto, frisou que o simples alerta da oposição já é suficiente para colocar o ônus da transparência sobre o secretariado executivo da CNE.
“Entendo que este processo deveria ter sido debatido no plenário da CNE, para que se analisasse o seu enquadramento legal e a sua real necessidade. Na minha opinião, não havia necessidade de realizar este concurso neste momento”, afirmou.
O jurista destacou ainda o papel crucial que deveria ser desempenhado pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ), instituição que exerce simultaneamente as funções de guarda da legalidade e de tribunal constitucional.
“A própria eleição do presidente do STJ ocorreu num clima de grande confusão, e este seria o momento ideal para o tribunal mostrar-se independente e atuar em defesa do Estado de Direito, assegurando que todos os candidatos e partidos, inclusive os da oposição, vejam os seus direitos garantidos. Com base no princípio da interdependência entre os órgãos de soberania, o STJ deveria colaborar para que a CNE seja chamada à responsabilidade, especialmente tendo em conta que os seus membros são juízes e que os conflitos eleitorais acabarão por desaguar nesse tribunal”, insistiu.
Fransual Dias também criticou o modelo atual de composição do secretariado executivo da CNE, adotado desde 2012, segundo o qual os juízes são escolhidos pelos deputados da Assembleia Nacional Popular (ANP).
“Este modelo, que partia do pressuposto de que os juízes são ‘santos’, já demonstrou sinais claros de desgaste. É urgente rever esse sistema e caminhar para uma estrutura de coordenação mais democrática, na qual os partidos representados na ANP tenham um papel direto na escolha, assegurando maior legitimidade e transparência no processo eleitoral”, concluiu.
Por: Tiago Seide






















