Opinião: POR QUE A ÁFRICA DEVERIA ABANDONAR O MODELO NEOLIBERALISMO ECONÔMICO E OS RECEITUÁRIOS DE CONSENSO DE WASHINGTON?

A pergunta acima nasce de uma certa frustração com os resultados do neoliberalismo no continente. Principalmente, com a implementação de receituários de Consenso de Washington que tinham como um dos seus principais pontos centrais – Estado mínimo, privatizações, liberalização comercial, austeridade fiscal, etc., cujas consequências foram “desindustrialização precoce”, perda de soberania sobre setores estratégicos e dependência acelerada de exportações e importações. A crítica ao modelo econômico neoliberal na África é fundamentada em décadas de resultados contraditórios, impactos sociais negativos profundos e contradições estruturais.

Na África, o neoliberalismo foi introduzido, em larga medida, por meio dos Programas de Ajuste Estrutural (PAEs) impostos pelo FMI e Banco Mundial a partir dos anos 1980. Em troca de crédito, os países africanos foram “obrigados” a adotar reformas neoliberais, sob a justificativa de “corrigir desequilíbrios macroeconômicos” e “modernizar” suas economias.

Reuniam-se na capital dos Estados Unidos funcionários dos organismos financeiros internacionais ali sediados – FMI, Banco Mundial e BID – especializados em assuntos africanos. O objetivo do encontro, era proceder a uma avaliação das reformas econômicas empreendidas nos países da região, dentre eles haviam os representantes de países africanos, economistas ortodoxos.

“A mensagem neoliberal que representa ideologicamente o Consenso de Washington, tendo como um dos seus maiores protagonistas, Margaret Thatcher e Ronald Reagan, era absorvida por substancial parcela das elites políticas, empresariais e intelectuais do continente, como sinônimo de modernidade, passando seu receituário a fazer parte do discurso e da ação dessas elites, como se fosse uma mensagem salvadora do contexto vigente”.

A falácia de que ao promover as políticas econômicas seguindo os receituários de Consenso de Washington, gerariam o crescimento econômico e consequentemente, resultaria na melhoria das condições de vida dos povos africanos porque acreditava-se que, com essas políticas econômicas, os resultados teriam como consequências a melhoria da base social, Não se materializou.

Os dados apresentados no relatório do PNUD de 2003, evidenciam que a África Subsaariana viu a pobreza aumentar em 14% durante os anos de ajuste estrutural. Indústrias nascentes foram dizimadas pela concorrência desleal de produtos subsidiados do Ocidente, principalmente, produtos agrícolas. Ou seja, a abertura comercial imposta enfraqueceu a indústria nascente africana. Sem políticas de proteção ou subsídios, muitas indústrias locais não conseguiram competir com produtos importados mais baratos, o que precipitou o processo de desindustrialização, tendo como consequências, perdas de empregos qualificados e atraso na construção de cadeias produtivas internas.

O discurso do Estado mínimo da época e atual tem como único objetivo entregar ativos do Estado nas mãos das corporações internacionais, sucatear as políticas públicas e as empresas estatais, fragilizar o Estado e dos serviços públicos. Os cortes exigidos pelos PAEs reduziram drasticamente o investimento em educação, saúde, infraestrutura e serviços públicos essenciais (década perdida). Consequências foram o colapso de sistemas públicos em vários países, dificultando o combate à pobreza e à exclusão social, aumento da desigualdade social, pois poucos se beneficiaram da abertura financeira e do livre comércio e a maioria da população, especialmente no campo e nos bairros periféricos, ficou mais pobre e vulnerável.

As políticas de Ajuste Estrutural, além de deixar os países reféns de corporações multinacionais, muitas vezes eliminaram mecanismos de proteção social, ampliando a pobreza estrutural e a marginalização econômica. Ou seja, além de não ter conseguido entregar o prometido, o neoliberalismo aprofundou o modelo colonial de exportação de commodities (petróleo, minerais, etc.), deixando economias vulneráveis a choques de preços internacionais.

Há vários exemplos de privatizações cujas consequências não são benéficas aos países africanos, é o caso da privatização da mina de cobre da Zâmbia (Konkola) à Vedanta Resources, com perdas estimadas em US$ 8 bilhões em 10 anos; vendas de ativos estratégicos (minas, infraestrutura) a preços irrisórios para multinacionais.

Igualmente, a dependência financeira perpétua também foi uma das formas de neocolonização dos países africanos. A adesão aos dogmas neoliberais significa, na prática, renunciar à política econômica na qual as austeridades e as políticas de metas de inflação promovidas pelos bancos centrais priorizam exclusivamente, o controle da inflação em detrimento do crescimento econômico e da geração do emprego e renda. Os países perderam a autonomia de exercer políticas monetárias, manipulação de taxa de câmbio, fluxos de capital e  políticas de subsídios e investimentos públicos estratégicos. Essas consequências reforçam a dependência financeira internacional, especialmente das agências de rating, do FMI e dos investidores estrangeiros.

Países passaram a gastar mais com serviço da dívida externa do que com educação, saúde e políticas sociais, além de incentivar a informalização da economia, favorecendo a corrupção ligada às privatizações e ao clientelismo, aumentando o desemprego estrutural e o trabalho precário. Portanto, as políticas econômicas neoliberais tiveram como consequências, conflitos sociais, crises políticas e até instabilidades regionais.

Os países africanos têm razões estruturais, históricas e conjunturais para reconsiderar ou mesmo abandonar os receituários econômicos neoliberais. Essa questão não é apenas econômica, mas também política e social, já que o neoliberalismo, enquanto paradigma dominante desde os anos 1980, impactou profundamente a trajetória de desenvolvimento do continente.

Dessa forma, o cenário atual da conjuntura geopolítica mundial com o multipolarismo se fortificando e a nova ordem mundial multipolar se desenhando, representam momentos oportunos para abandonar o receituário neoliberal, isso não significa fechar as economias ou negar a globalização, mas sim recuperar o protagonismo do Estado no planejamento econômico e social, Implementar políticas industriais ativas, com proteção temporária e fomento à produção local – reindustrialização e diversificação produtiva, criar mecanismos para geração de receitas – desenvolver sistemas tributários progressivos e justos, visando mitigar e reduzir a dependência de financiamento externo.

Fortalecer o comércio intra-africano é indispensável na criação de escala de produção e circulação de mercadorias produzidas nos mercados africanos, integração de rede de produção e distribuição locais e regionais, são necessárias para o investimento em cadeias de valor agregado (processamento de minerais, agricultura, etc.). Obviamente, recuperar os ideais dos fundadores das nações africanas, que tinham como objetivos primordiais, investimento em saúde universal e educação gratuita como base do capital humano.

O exemplo dos países do leste asiatico é uma referência de que quando uma nação resiste  aos seus objetivos políticos de desenvolvimento e à mudança de suas raízes culturais e tradicionais institucionalizadas (não aceita abandonar sua cultura em detrimento a cultura do opressor), quando resiste a todo tipo de dominação culturalmente (a China é um exemplo), será difícil implementar receituários incompatíveis com suas realidades estruturais. O pragmatismo desenvolvimentista é o caminho a seguir.

Concluo citando dois dos principais formuladores do pensamento econômico latinos-americano do século XX, Celso Furtado e Raúl Prebisch. Furtado no livro clássico “Formação econômica do Brasil” (1959), define que “o desenvolvimento econômico é essencialmente um processo de transformação estrutural da economia, no qual o setor industrial desempenha papel de liderança. A simples expansão da produção primária não é suficiente para sustentar o progresso técnico nem para absorver os aumentos da população economicamente ativa.” Ainda segundo este autor, “o subdesenvolvimento não é uma etapa pela qual os países hoje desenvolvidos passaram, mas uma situação específica dos países periféricos no sistema internacional. Superá-lo implica modificar a estrutura produtiva, rompendo com a dependência de produtos primários e promovendo setores industriais mais complexos.” Ambos os autores “atribuíram papel central à sofisticação produtiva e à industrialização como fundamentos do desenvolvimento econômico”. Também, cito aqui um dos maiores economistas africano, Carlos Lopes que se esforça enfatizar em suas obras, a importância e a necessidade da transformação estrutural da economia africana para superar gargalos estruturais.

A crítica deste artigo de opinião é essencialmente direcionada ao fundamentalismo de mercado e seus dogmáticos. Os receituários do neoliberalismo não são compatíveis à estrutura econômica da maioria dos países africanos, e eles tendem a beneficiar majoritariamente as elites locais e os interesses financeiros internacionais. Portanto, insistir nesse modelo significa perpetuar a dependência econômica, a desigualdade, cujo destino é o eterno subdesenvolvimento.

Por: Rafael João Dias

Economista

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