O Embaixador da Afro-music na Guiné-Bissau, Sambalá Kanuté, afirmou na entrevista ao semanário “O Democrata” que poderia estar na lista dos artistas mais ricos de África, se o Estado guineense o tivesse apoiado no lançamento do seu primeiro disco “Baden Tonoma”, gravado em 1993.
O músico lembrou ainda que seis meses foram suficientes para que se transformasse num dos músicos africanos mais conhecidos em toda a França, ganhando logo a confiança da distribuidora francesa “Sono Disco” que assumiu a distribuição do seu álbum de estreia “Baden Tonoma”. Sambalá foi na história da Rádio França Internacional (RFI) um dos artistas que mais tempo durou no topo musical daquela emissora internacional. Conquistou ainda o “Trophée d’or” (Troféu de ouro).
Para o representante do afro-mandinga no país, viver da música na Guiné-Bissau é semelhante a de quem vive no deserto. Contou ainda que com apenas 15 anos de idade animava no hotel “24 de Setembro”, no GRIL, no Kora Club e no ponta Neto.
“A minha inspiração é muito natural e complicada, porque quando chega o momento, tenho que a concluir, por isso, as vezes alguém pode ver um Sambalá silencioso e de olhos fechados por uns instantes em qualquer lugar, é porque estou a sentir-me inspirado. Mas o momento ideal para mim é quando estou sozinho à noite. Isto influenciou bastante na realização do meu casamento”, explicou o músico.
O Democrata (OD) : O senhor é Embaixador de Afro-música do país, especialista em Korá, guitarrista, cantor e intérprete. Faz-nos um pequeno resumo do seu percurso musical.
Sambalá Kanuté (SK) : Sou de uma família de “djidius”. O meu pai é Mamadu Kanuté e minha mãe, Adja Massa Só, nasci em Bafatá, mas a minha raiz é de Gabú, concretamente em Madina Manna e para outros Madina Djundjughadji, terra dos meus avós – “Djundjughadji” que significa aquele tambor grande que os djidius tocam.
O meu pai era um artista muito influente e participou na Guerra de Pacificação. Quase fora conselheiro de todos os régulos nacionais na altura. Facto que motivou a sua mudança para Bafatá, onde nasceu Sambala Kanuté. Com oito anos houve uma descoberta, num evento em Ponta Nobo, onde um metalúrgico desafiou o meu pai que se eu tocasse “balafón” ia me oferecer ouro. Os meus pais não sabiam que tocava às escondidas o “balafón”.
“Não se fala desse jeito com um filho de “djidiu”, mas acredito que se pedisse que ele tocasse, tocaria mesmo”, disse o meu pai ao homem que não acreditava que sabia tocar “balafon”. E de seguida o meu pai ordenou-me que me levantasse e tocasse. Felizmente toquei muito bem e foi uma emoção muito grande no seio da nossa família. A partir daquele momento o meu pai mandou-me estudar Kora sob os cuidados de Moro Soso em Djabicunda.
Permaneci em Djabicunda sem fazer viagens para Bafatá, mesmo estando as duas localidades separadas por poucos quilometros, mas numa dada altura decidi pedir ao meu professor autorização para visitar os meus pais em Bafatá. Ele disse-me que isso só aconteceria com o consentimento dos meus pais. Quando consultou o meu pai, ele aceitou que eu fosse de ferias à Bafatá.
À minha chegada a Bafatá, encontrei ali o balafonista Djalimar Djabaté, solista de uma banda afromandinga, com o quem fiz boa amizade no sentido de ele me ensinar às escondidas, no seu quarto, a tocar “balafón”.
Durante as minhas férias em Bafatá, organizou-se uma grande festa no Comité do Estado. Havia uma multidão a assistir, mas meu pai estava atento para que não me fosse permitido tocar qualquer instrumento. Mas já tinha combinado com Djalimar Djabaté para que me dispensasse o seu balafón em pleno evento. Djalimar controlou o meu pai. Enquanto este falava com meu tio, Djalimar levantou-se e deixou-me o seu lugar. A minha forma de tocar balafón encantou as mulheres e niguém ficou sentado. As mulheres pediram depois ao meu pai para que eu continuasse com elas, porque a minha maneira de tocar dava-lhes mais inspiração para cantar. O meu pai desistiu de me mandar de volta à Djabicunda. Fiquei em Bafatá, aos 12 anos de idade e entrei na lista dos melhores balafonistas.
Começamos a fazer as digressões anuais com nossos pais para as diferentes regiões do país. Fomos ao sul, descemos de carro em Bambadinca andamos até Sansalé, uma aldeia da Guiné-Conacri. Às vezes levávamos oito a nove meses na excursão ao sul da Guiné-Bissau, dividindo as actividades entre pesquisas e animações. Em cada ano escolhemos uma região do país para a nossa digressão.
Nessas andanças emergiu a minha irmã Fatu Kanuté. E os membros do Governo na altura acharam que ela era excelente e que devia passar a viajar para Bissau para animar cerimónias. Como o balafón era muito pesado, fui obrigado a mudar para guitarra, assim poderia ajudar a minha irmã. Com o apoio de Malam Bacai Sanhá e Samba Lamine Mané, os nossos pais aceitaram a nossa mudança para Bissau.
Na altura com 15 anos de idade, Sambala já era um pivô aqui em Bissau, tocava no Hotel “24 de Setembro”, no GRIL, no Kora Club e no Ponta Neto. As pessoas faziam de tudo para presenciar os concertos que faziamos no salão do IIIº Congresso. Quem se atrasasse na compra dos ingressos perdia o espectáculo. Porque os bilhetes sempre esgotavam-se dois dias antes do show. Tudo isso foi nos anos 1982, 1983 e 1984. Também toquei no aniversário do Liceu Nacional Kwame Nkrumah.
Portanto, é assim que surgiu Sambalá Kanuté no panorama musical guineense, no estilo afromandinga.
OD: De onde se inspira Sambalá Kanuté para cantar?
SK: A minha inspiração é muito natural e complicada, porque quando chega a inspiração tenho que a concluir. Por isso, às vezes alguém pode ver um Sambala silencioso e de olhos fechados por uns instantes em qualquer lugar. Quando assim acontece, é porque estou a meditar. Mas o momento mais ideal para mim é quando estou sozinho, à noite. Isto influenciou bastante na realização do meu casamento.
Em Bafatá costumava passar mais tempo em Boma, que tinha cobras e demais coisas, até algumas vozes disseram que tinha um “Irã”, mas não era nada disso. Era apenas curiosidades de criança. Esta é a minha fonte de inspiração, por isso, as minhas músicas têm grandes significados e são bem acolhidas a nível de África e do Mundo.
OD: Qual foi o disco que projectou Sambalá Kanuté internacionalmente? Pode falar-nos como isso aconteceu?
SK: Isso aconteceu quando esteve cá em Bissau um grande empresário da Guiné-Conacri, Mamadu Tuncará, que também passou como embaixador do seu país no solo pátrio de Amílcar Cabral, assim como desempenhou funções do ministro da Cultura e Desportos na era do presidente Seco Turé.
Tuncará viu-me e disse que gostou de mim, despois transmitiu essa ideia aos meus familiares, oferecendo-me uma peça de roupa como recordação que hoje tenho comigo. Guardei-a bem desde 1991. Foi nessa mesma altura que consegui um financiamento, através do Banco Central para comprar os instrumentos para formar uma orquestra.
Mamadu Tuncará convidou-me depois para assistir as cerimónias de casamento dos seus filhos em Conacri, concretamente em Máli Iemberé, onde fomos descobrir que afinal somos parentes. Descobrimos que a mãe de Tuncará – Fanta Koyaté, é prima irmã da minha avó, cujo nome é também Fanta Koyaté. Por outro lado, a mãe de Tuncará é prima irmã da mãe do meu pai que é Nhalén Koyaté, assim descobrimos que somos de uma família.
Em finais de 1993 convidou-me para ir gravar meu primeiro disco intitulado – “Baden Tonoma” em França. Se não fosse pela pobreza, hoje teria uma projeção enorme internacionalmente, porque foi um caso inédito entre músicos africanos. Cheguei a França e em menos de seis meses já me conheciam em quase toda a França. E na altura Salif Keita, Seco Bá Bambino e Carfala já viviam há muitos anos em Paris para serem conhecidos no solo francês.
Em França ganhei “Trophée d’or” (Troféu de ouro), fui considerado como o artista africano que permaneceu mais tempo no topo da Rádio França Internacional (RFI), na altura Muniro Conté estava num estágio naquela estação de rádio francesa, sendo ele um dos testemunhos do momento, assim como os meus colegas artistas que se encontravam no solo francês.
Só para mostrar a dimensão daquele disco, em relação ao estilo afromandinga, fui um dos primeiros músicos que a empresa “sono disco”, com mais de quinhentos analistas de música, decidiu abraçar a distribuição do meu disco. Enquanto os discos de Salif keita, Bambino eram Silert, por exemplo, como no mercado de Bandim.
Foi uma grande surpresa para Salif Keita pela forma como foi a própria “sono disco” quem foi ao encontro da minha música, no estúdio onde estava a gravar, pesquisando as minhas músicas para depois assumirem a distribuição do meu álbum. Imagine se tivesse apoios naquele momento, ou se a Guiné-Bissau fosse um país onde os artistas são apoiados, claro que poderia estar noutro patamar, mas o sucesso do disco colocou-me em pé de igualdade com os grandes artistas no que refere as minhas actividades como músico, mas não em termos económicos e nas deslocações para concertos internacionais.
Mesmo assim, com ajuda, sobretudo do falecido Presidente Nino Vieira, consegui viajar para quase todos os cantos do mundo, divulgando os meus trabalhos. Há uma carência de empresários que assumam a projecção de músicos nacionais internacionalmente. As pessoas precisam de mim, mas não sabem onde podem encontrar-me, o exemplo disso foi no passado “24 de Setembro”. Tocava eu no hotel Azalai e o Embaixador dos Estados Unidos da América para a Guiné-Bissau apertou-me as mãos e perguntou-me assim – “Como é que alguém pode te encontrar, onde estão os teus contactos?” – Temos que ter agentes, como acontece noutros países como Senegal e Cabo Verde.
“Baden Tonoma” podia tornar-me num dos artistas mais ricos do nosso continente, tenho essa certeza. Também o meu último álbum “Sila Bá” levou-me a um grande festival – Village d’Afrique, em Marselha, França, e colocou-me num grande “bureau chargée de musique africain” (gabinete engarregué de música africana), com sede em vários países africanos e na Europa, no qual fizeram um disco de compilação onde consta a minha música. Há tudo isso, mas não tenho suporte no país, porque economicamente devia estar muito bem para que quando não houvesse quem me suportasse, eu próprio músico aranjaria os meus agentes para encarregá-los dos contactos e organização dos meus eventos.
Os dois discos – “Baden Tonoma” e “Sila Bá” projectaram-me internacionalmente. Com Sila Bá era para participar num festival nos Estados Unidos da América no ano passado, mas infelizmente atrasei-me na obtenção do visto.
OD: Quantos álbuns Sambala já editou no mercado ao longo da sua carreira musical?
SK: Tenho quatro álbuns no mercado, nomeadamente Baden Tonoma, Kontela, Dunia que fiz com minha falecida irmã Fatu Kanuté, e Sila Bá.
OD: Além dos seus projectos a solo em quantas colectâneas ou outros projectos já participou, sejam eles nacionais ou internacionais?
SK: Além dos grupos que já criei, designadamente – Kanuté Kunda, Apolo Djaz e Siper Boma, este último sob auspícios dos responsáveis do Quartel de Bafatá, participei no projecto do disco de Iva e Iche, também participei num projecto que permitiu-me conhecer grandes artistas como Koffi Olomide, Lutchiana Mobulo 100%, Salif Keita e Mory Kanté. Era um projecto destinado a apoiar as crianças da Etiópia, isso foi quando estava ainda em França.
Mas a orquestra “Kanuté Kunda” foi a escola que instruiu muitos músicos nacionais, como Tony Bat, Sidia Baió, Sanhá, Baifas e demais tocadores que se engajaram num estágio de três meses que fizemos em Bafatá. O encerramento contou com a cobertura jornalística de Muniro Conté e Ladislau, felizmente no final nasceu uma grande banda. Depois disso, houve uma digressão de Dulce Neves a Portugal e a maior parte dos membros do grupo foi com a diva, mas ficaram por lá, quebrando um bocado o ritmo do colectivo.
Actualmente, criei uma organização chamada “SALIGA” (Sambala Lifanti Garandi). Já está legalizada e dará uma força a tudo isso, criando algumas escolas de música tradicionais onde poderemos recuperar os instrumentos como “Djimbé”, Flauta e muitas ferramentas musicais que são nossas, mas que hoje foram parar em mãos alheias aqui em África e a sua recuperação não será fácil.
As pessoas têm que aprender a tocar Kora, Balafón, Djimbé. A verdade é que ficamos apenas a fazer as músicas, mas não fomos curiosos ao ponto de tentar descobrir os nossos intrumentos e como são tocados, através da pesquisa, isto é na maioria dos músicos. Eu se não fosse pelas pesquisas, podia estar neste momento a viver em França ou nos Estados Unidos e a minha condição de vida seria outra. Mas tenho um sonho e quero que as pessoas percebam que sei muito bem do caminho que escolhi.
OD: O seu último álbum lançado no mercado em 2012, foi intitulado de “Sila Bá”. Esse nome “Síla Bá – Caminho grande” é um ditado, ou seja, tem um significado especial?
SK: Sila Bá tem um significado enorme. É caminho grande (o mundo), é nele onde estamos a caminhar. No meu caso, comecei o meu “sila bá” em Bafatá e cabe a cada um de nós definir a sua forma de caminhar nessa estrada. Por isso, para ilustrar o disco, fiz uma fotografia da estrada de Bafatá onde iniciei o meu percurso.
Recebi várias críticas, mas para mim são construtivas. Também tenho que dar respostas positivas às vozes críticas, porque quem não gosta de nós nunca nos criticará. Claro que na Guiné as pessoas levam a mal as críticas, mas os críticos devem, às vezes, tentar perceber junto da pessoa criticada porque está a fazer algo que não lhe agrada.
Sou embaixador da música Afro-Mandinga. Estivemos num grande festival mundial na Coreia do Norte em 1983, onde participaram cantores de renomes internacional, mas a nossa actuação no evento fez o falecido Presidente da Guiné-Conacri, Seco Turé, reconhecer que a Guiné-Bissau possui uma cultura afromandinga muito forte, interrogando-se da sua origem.
Mais tarde, num festival denominado “Djitu Tem Ku Tem” em Bissau, fui considerado Embaixador do Afro-Mandinga. O Presidente João Bernardo Vieira foi quem me deu este título e depois no primeiro aniversário de Timor Leste realizado pelas Nações Unidas, fui distinguido novamente como embaixador de estilo afromandinga. Tudo isto é, porque faço alguma coisa no afromandinga. Algumas pessoas criticaram-me porque canto alguns temas musicais em crioulo, mas respondi que estou no “Sila Bá” – Grande Caminho e nele vou continuar a caminhar.
Mas preciso que as pessoas aceitem o afromandinga aqui no país, porque no passado, o estilo afro não era aceite na Guiné-Bissau.
Nós somos Djidius, as pessoas têm que nos compreender, somos promotores de pessoas, aconselhamo-las, porque quando estamos a promover alguém, estamos a construir uma sociedade saudável. Esta é a política com a qual, nós Djidius conseguimos construir o nosso continente. Afromandinga é o primeiro estilo que existe em África, como indica o próprio nome. Mas com a chegada da escravatura, surgiram outros estilos oriundos de afromandinga, por exemplo, afroa-americano, afro-latino e afro-cubano. Mas os Djidius são os protagonistas de toda a cultura que o mundo tem hoje, imagine só o piano e xilofone que nasceram do balafón e demais instrumentos inspirados nas ferramentas musicais afro como flauta e Djimbé.
OD: Como vê a música afro no panorama musical da Guiné-Bissau?
SK: Está muito bem, mas falta fazer crescer as pessoas, porque os jovens sentem-se mais influenciados pelas músicas ocidentais ou americanas, em vez de apostar nos estilos e modelos nacionais. O afro-mandinga tem uma forçã enorme dentro das palavras, deu origem a muitas palavras do nosso crioulo.
Mandinga é uma língua que influenciou quase todas as línguas africanas devido aos regulados muito fortes que haviam na época, no caso da Guiné-Bissau, temos a história do Império de Gabú e sua capital – Kansalá. A evolução das culturas de Gâmbia e do Senegal têm grande influência do histórico império de Mama Djanké Waly. Tudo isso levou-me a pensar que há necessidade de um trabalho, por isso, estou batendo as portas para tornar numa realidade o projecto da escola de música que permita que os jovens abracem aquilo que é nosso.
OD: Como é que avalia o momento atual da música moderna guineense?
SK: Temos músicos muito curiosos, porque a maioria não tem especialidade, mesmo assim conseguimos colocar a nossa Guiné-Bissau no panorama musical mundial. Mas na verdade, precisamos de um trabalho profundo para identificação daquilo que é nosso a nível mundial.
Os rapazes ou a nova geração são inteligentes, mas não é da forma como estão a trabalhar é que gostaria de vê-los. Quero vê-los a regressarem um pouco ao passado, valorizando os nossos estilos tradicionais como outros países da África lusófona fizeram, o exemplo de Angola que sabe enfatizar estilos tradicionais como o Kizomba que chama atenção a qualquer um que o oiça.
Temos estilos aqui que, basta trabalhados um pouco, vamos liderar o cenário musical, porque hoje em Portugal ou França nenhum artista dos PALOP grava um disco sem solicitar a participação de um músico guineense no seu álbum, seja para tocar ou para pôr a voz num tema musical. Temos capacidade para tudo basta ter a vontade e dedicação.
OD: O estilo “Afro-Mandinga” não é muito cantado pelos músicos nacionais, como também não é tão apreciado. Isso deve-se ao quê, na sua opinião?
SK: Afro-Mandinga é um estilo mãe, em qualquer cerimónia, se estiver lá um músico afro, ele desperta a atenção de todos, porque mesmo que alguém não compreenda a língua em que está a ser cantada, sente-se mais importante pela nossa África.
OD: Alguns críticos consideram Sambala Kanuté como um “Djidiu” e não músico. Então, sente-se como um Djidiu ou um músico?
SK: Sambala é Djidiu, mas na realidade é dentro dos Djidius que nascem os músicos, ou seja, na tentativa de imitar os Djidius nasceram os músicos.
OD: Além do seu último disco, já está a trabalhar num novo álbum? Conta-nos um pouco da surpresa que os fãs de Kanuté terão no próximo CD.
SK: Os meus fãs podem esperar uma grande surpresa, ainda não concluí as minhas pesquisas, mas já estou acima dos sessenta por cento (60%) da pesquisa e acredito que o meu próximo disco mexerá com todas as pessoas.
O exemplo disso é o estilo afro-kussundé que fará parte do novo álbum, também a fusão entre afromandinga e a música da étnia pepel, manjaca, gumbé e demais fusões com diferentes modelos da cultura tradicional guineense. Pretendo fazer um trabalho imortal.
OD: Como será esse seu projecto de escola de música?
SK: Esse projecto será como um muséu cultural, porque terá muitos componentes culturais onde as pessoas poderão aprender a cultura, preservando as nossas raízes tradicionais. Quero criar um centro cultural de onde saiam historiadores, cantores, músicos, artistas e jornalistas. Porque o jornalismo nasceu dos Djidius.
Quem entrar no futuro muséu que pretendo instalar sairá como um homem de cultura. E esse homem pode ser futuro Presidente da República, Primeiro-ministro, ministro da cultura ou assumir qualquer responsabilidade no país, porque ninguém pode assumir altas funções numa nação sem ter a cultura nas mãos, ser um inspirador.
Portanto, ter um Presidente que não tem inspiração é um Chefe de Estado nulo, ter um Primeiro-ministro que não se inspira, é ter um líder do governo nulo. Mas na Guiné-Bissau estamos com falta de uma cultura de inspiração, por isso, continuamos a ter guerras desnecessárias. É o motivo pelo qual vamos criar uma estrutura na minha futura instituição para tirar o stress às pessoas e torná-las originais.
Temos muito trabalho para fazer, porque há presos que podemos encontrar nas prisões de Bafatá e de Bissau e ficarmos com pena deles, mas temos prisioneiros perigosos que são as pessoas que se cruzam connosco, ou seja, fora das prisões, que têm mais problemas porque suas cabeças estão bloqueadas, devido a diversos problemas sem saida, porque no local onde se divertem ninguém tem ideias para lhes ajudar a superar o seu stress. E a sua volta só se fala do futebol (Ronaldo e Messi), da política… não é mau, mas as vezes é necessário procurar quem nos fala de como a nossa vida é na realidade.
OD: Que significado tem o Korá para Sambalá?
SK: Korá é um instrumento poderoso, que tem sons calmantes e curadores, também ajuda qualquer homem no poder. Nós crescemos e vimos o Korá como um instrumento dos Djidius e da Guiné-Bissau, mas tem raízes muito ampla e tem muita força no nosso continente.
OD: Pode resumir-nos a história de surgimento de Korá e a sua prática no país?
SK: O Korá nasceu na Guiné-Bissau, na era dos regulados, ou seja, no Império de Gabú. Mas depois da queda do reinado de Mama Djanké Waly, houve regressos. Muitos Djidius voltaram para o Senegal, Mali, Casamansa. Sendo o Korá sua ferramenta que emergiu no nosso solo, a questão que se coloca é saber quantas cordas tinha na sua criação. Será que chegou aos países vizinhos com seis ou vinte e quatro cordas? É preciso fazer uma pesquisa profunda para apurar com quantas cordas saiu de Kansalá para chegar as 24 que tem hoje.
OD: Há um grupo afro chamado “Super Kamarimba” de Tabató, sabe da sua existência? Que comentário faz dessa banda que vem valorizando a área da afro music?
SK: Os elementos do grupo Super Kamarimba são meus irmãos, acima de tudo somos todos Djidius. Temos uma luta em comum que passa pelo cimentar do estilo afro-mandinga na Guiné-Bissau.
OD: O estilo afro é original para Guiné-Bissau, se viajarmos até história de Kansalá. Será que sente-se que afro é menos valorizado em relação a outros estilos?
SK: Na minha opinião, o afro-mandinga é o estilo mais divulgado e aceite na Guiné-Bissau, mas sem apoios para o seu crescimento. O sinal da sua aceitação é a sua presença em todas as cerimónias oficiais.
Acredito na juventude, na afirmação da nossa cultura, porque o nosso xadrés cultural é muito grande. Para que isso aconteça, basta que a nova geração tenha a vontade de investigar e fazer as fusões dos ritmos das diferentes etnias que tornam a nossa cultura muito rica.
OD: O que é que Sambalá faz além da música?
SK: Sou animador na Rádio Bombolom há dez anos. Aconselho as pessoas através de histórias, por isso, considero-me como um historiador nato. Fui vencedor de Histórias e Contos num festival mundial de Histórias e Contos em Espanha, onde participou também o jornalista guineense Valdir Araújo.
OD: Como é viver de música num país como a Guiné-Bissau, onde o povo não tem poder de compra?
SK: Viver da música na Guiné-Bissau é como viver no deserto. Imagine a dimensão do nome de um cantor, mas as nossas condições financeiras são péssimas. Neste momento tenho uma viatura que recebi das mãos de Braima Camará (Bá Quecuto), mas ele não me pode dar tudo, mas se Deus quiser nunca passarei vergonha.
Dantes não havia patrocinadores, porque as pessoas resumiam-se a oferecer aos músicos cinquenta mil francos CFA ou 100 mil. No meu caso, graças a Deus, conto com apoios do mestre Causo Baldé e Bá Quecuto na minha sobrevivência e nas minhas gravações.
Mas enquanto não for implementada a lei do mecenato, talvez nossos filhos é que poderão vir a viver de música. No Senegal, foi essa lei que facilitou o crescimento dos músicos como Youssou N’Dour.
Quando veio tocar aqui em Bissau na Discoteca Malila, utilizou os meus intrumentos para o seu show.
Só a lei do mecenato poderá incentivar os empresários a abraçarem os projectos musicais, sabendo que no final poderão ganhar não só com o artista, mas também terão descontos no fisco.
OD: Que comentário faz da intervenção do Estado, ou melhor, do Governo na cultura?
SK: A Guiné- Bissau tem uma cultura diversa. Mas, mesmo quando criticamos construtivamente somos odiados logo. Como homem de cultura, morrerei pobre, mas direi sempre a verdade. O Estado não assumiu ainda a sua responsabilidade em ajudar a cultura, porque quando um músico nacional grava o Estado deveria comprar, pelo menos, metade do total dos disco, ajudando na sua promoção para que possa gerar seu próprio fundo e não ficar a espera de nada do Estado da próxima vez que produzir, ou seja, tornar-se-á independente.
Por: Sene Camará
Fotos: Marcelo N’canha Na Ritche

















