BARACK OBAMA EM CUBA PARA “MOSTRAR QUE HÁ UMA MUDANÇA EM QUE SE PODE ACREDITAR”

O Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, acabou de aterrar em Havana, e iniciar uma visita oficial a Cuba cuja importância política e significado histórico provavelmente só encontra paralelo na ida de Richard Nixon à China, em 1972, ou o discurso de Ronald Reagan na porta de Brandenburgo, em 1987 – dois momentos de “esperança” e “mudança” no equilíbrio de blocos que definiu o mundo antes da queda do muro de Berlim.

A viagem ao terreno do antigo inimigo já não constitui um risco político para a sua Administração: em final de mandato, Obama, o homem que simboliza a “esperança” e a “mudança em que se pode acreditar”, escreve o seu nome na História como o Presidente dos EUA que definitivamente enterrou o paradigma da Guerra Fria na política externa americana e nas relações internacionais.

No caso de Cuba, mas também, por exemplo, no da Birmânia ou, mais importante ainda, no do Irão, o modelo que pressupôs e alimentou décadas de hostilidade, sanções e isolamento revelou-se um fracasso. O antagonismo deixou de interessar “porque não resulta”, constatou o pragmático Obama, quando anunciou o restabelecimento da ligação diplomática entre os dois países, no final de 2014.

O Presidente chega a Havana sabendo que o seu sucessor na Casa Branca, seja quem for, poderá de uma penada desfazer a sua doutrina política de normalização para a estabilização – é precisamente essa viragem que espera consolidar e tornar irreversível após a visita. Barack Obama “vai fazer tudo o que for possível” para que esse seja o seu legado: “A esperança é que, dentro de dez anos, Cuba seja um país democrático e livre”, diz ao PÚBLICO Peter Schechter, director do centro Adrienne Arsht para a América Latina do Atlantic Council. “Se numa década for esse o resultado da política de Obama, é uma herança extraordinária”, considera.

O líder norte-americano aterrou neste domingo à noite, acompanhado por uma larga comitiva de legisladores e empresários do seu país, numa indicação clara da dupla ambição política e económica da viagem (consigo viaja também a mulher, Michele, as duas filhas e a sogra). Durante estes dois dias, Obama sabe que está a falar para dois públicos bem distintos, que tem de satisfazer: os norte-americanos, especialmente os políticos que estão renitentes à reviravolta nas relações com a ilha; e os cubanos, que tudo esperam do Presidente dos EUA. A uns e a outros tem para “vender” o mesmo slogan da esperança, convertida numa espécie de aura pessoal que Obama projecta.

Ninguém espera que, em dois dias, Barack Obama consiga, por acto mágico, promover uma mudança de rumo em Cuba. Um modo de vida cristalizado em mais de 50 anos não se extingue em 48 horas. O Presidente não vem para encostar o regime à parede – o seu objectivo é criar condições para que companhias americanas possam fazer negócio e investir na ilha, mesmo se a acção do Congresso relativamente ao fim do embargo comercial não é tão lesta quanto a sua Administração deseja e o Governo de Havana reclama.

Numa tentativa de refrear os ânimos e temperar as expectativas em Cuba, o regime publicou um editorial em que reafirmava a “adesão incondicional [do Governo] aos seus ideais revolucionários e anti-imperialistas” e garantia a sua firme resistência à intervenção externa. “Nunca nos deixaremos pressionar no que diz respeito aos nossos assuntos internos: esse foi um direito que conquistamos com grandes sacrifícios”, lembrava o Granma, jornal oficial do Partido Comunista cubano.

Schechter não duvida que o Governo cubano vai apresentar a visita presidencial como um grande feito do país e do regime: “É uma leitura errada, mas, do ponto de vista dos irmãos Castro, que têm 54 anos de poder com os EUA a tentar expulsá-los e uma política de agressão e isolamento, quem mudou de política foi Washington e não Havana. É claro que eles vão proclamar vitória”, considera.

No entanto, o Governo sabe que muitas das propostas com que Obama chega configuram, na sua essência, uma “contra-revolução”. A Administração americana acredita que a aceleração do processo de abertura diplomática e liberalização económica, e a intensificação das trocas comerciais e dos contactos pessoais resultará inevitavelmente – mais cedo do que mais tarde – na transformação da natureza do regime. A mudança não chegará por decreto ou intervenção política, mas por efeito económico: há uma semana, foram dados mais passos nesse sentido, com a eliminação de regulamentos e restrições vigentes para permitir a abertura de mais sectores às trocas bilaterais e ao investimento, as transferências financeiras, as viagens turísticase até a retoma do serviço regular de correio para a ilha.


In público

 

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