Entrevista: ZÉ MANEL APONTA AS DIFICULDADES FINANCEIRAS COMO CAUSAS DA IMPOSSIBILIDADE DA REACTIVAÇÃO DE ORQUESTRAS NO PAÍS

O conceituado músico nacional, Zé Manel Fortes, afirmou durante uma entrevista para a rubrica “Grande Entrevista” do nosso semanário, que as dificuldades económicas e financeiras é que impossibilitam a reactivação das orquestras no país. De acordo com a explicação do músico, actualmente as circunstâncias são outras e muito diferentes do tempo passado em que se preocupavam apenas em cantar.

Neste particular, informou que há uma enorme vontade da parte dos próprios músicos de reactivar as orquestras, mas a maior dificuldade tem a ver com a situação financeira. No entanto, lembrou que no passado recente o Grupo “Africa Livre” tomou a iniciativa de juntar os seus antigos elementos para a produção de um álbum e até conseguiram promover aqui vários concertos, mas que até agora não conseguiram gravar.

O músico e igualmente um dos elementos do Grupo Super “Mama Djombo” aproveitou a entrevista para esclarecer as razões da participação de alguns elementos do grupo no disco desta conceituada orquestra recentemente gravado. Deixou ainda bem claro que a Orquestra Super “Mama Djombo” não é do Zé Manel e muito menos do Atchutchi, mas sim de todos os elementos que constituem o grupo desde a sua fundação, por isso ninguém tem o direito de expulsar ninguém.

O Democrata (OD): Quando e como entrou no mundo da música?

Zé Manuel Fortes (ZMF): Tudo começou  no escutismo. Fazia parte dos elementos do grupo. Éramos solicitados para tocar nos eventos realizados pela igreja. Mais tarde acabamos por tirar a banda para fora e com o intuito de atrair músicos de maiores qualidades, porque não tínhamos tocadores de viola e outros “ingredientes”. Precisávamos de outras pessoas que não fossem do escutismo e por isso tiramos o conjunto para fora da igreja.

Depois baptizamo-lo com o nome de “Sete Guinéus”, porque era no período da colonialização. Foi essa a razão porque escolhemos esse nome para o grupo. Éramos convidados para tocar nas festas de baptizados, casamentos e aniversários.

Na altura eu tinha mais ou menos oito anos e outros elementos do grupo tinham 11 a 14 anos, como o caso de Luís Taborda que tinha maior idade no grupo. Éramos um grupo de meninos que gostava muito da música.

OD: Como explica o seu estilo musical?

ZMF: É um estilo musical da Guiné-Bissau produzido na base da realidade, do dia-a-dia do nosso país. Sempre tento inspirar-me ou aproveitar alguma coisa do estilo tradicional do país através de instrumentos musicais, para fazer o meu trabalho. Gosto de incluir diferentes estilos como a dança de tambor e a “Tina” para abanar os meus discos.

OD: Zé Manel faz parte dos primeiros músicos do grupo Super “Mama Djombo”. Na altura havia muitos e bons grupos… Que leitura faz daqueles tempos e de hoje, em termos de organização e performance dos grupos musicais na Guiné?

ZMF: As carências e as dificuldades que o país enfrenta são a razão principal do desaparecimento dos grupos. Isso criou dificuldades na eficácia dos grupos existentes e que ainda resistem. Apesar de todas as dificuldades, é bom dizer que houve um desenvolvimento do sector da cultura em relação aos outros sectores.

O desenvolvimento da cultura foi graças aos trabalhos feitos, no começo, por grupos musicais, sobretudo o “Cobiana” e depois o “Super Mama Djombo”. Havia no total mais de 30 orquestras musicais naquela altura, mas seis resistiram, designadamente a “Cobiana, Mama Djombo, Kapa Negra, Africa Livre, Nkassa Cobra e o Mini Banco” que mais tarde veio a transformar-se no “Tabanka Djaz”. Estavam minimamente organizados.

O Micas Cabral começou naquele grupo, quando era mais novo. Aliás, começou com a mesma idade do Manecas Costa, que se encontrava no grupo “Africa Livre”. Na altura não havia individualismo e tudo era a nível do grupo.

Quem queria cantar tinha que fazer parte de um grupo musical, ou então, deixava de cantar. O grupo ajudava muito a pessoa a ganhar mais maturidade e experiência de cantar, como também de usar diferentes instrumentos musicais. O grupo era uma escola, onde se apreendia um pouco de tudo. Vejam só o Jovem Binhan, que soube aproveitar a sua integração no grupo “Mama Djombo”, onde conseguiu sair muito bem e hoje se tornou num grande músico, considerado e admirado por todos.

OD: Actualmente existem apenas dois grupos, designadamente Mama Djombo e Tabanka Djaz. Isso tem a ver com o quê: às dificuldades de que tanto se falou, que impossibilitam a organização dos grupos?…

ZMF: É verdade, agora existem apenas o “Grupo Tabanka Djaz” e o “Mama Djombo”, mas o certo é que a “Tabanca Djaz” está muito mais activo em relação ao “Mama Djombo”. Lembro que no ano 2007 tivemos uma grande ajuda da Islândia, através de um médico daquele país que se encontrava na Guiné-Bissau. O apoio que recebemos na altura deu-nos a oportunidade de fazer voltar o Grupo “Mama Djombo” aos palcos.

Eu nem sequer acreditei que era verdade, mas foi um sonho que se concretizou em realidade. Fazer voltar o grupo aos palcos, com jovens artistas de grande talento. E confesso que esse apoio da Islândia ajudou e muito o nosso grupo a reviver, porque sabíamos que era muito difícil devido à falta de meios para suportar os custos do trabalho.

Voltando a questão, é bom tomar em conta as dificuldades do país, porque na verdade impossibilitam o funcionamento dos grupos. É preciso muita coisa para fazer um grupo funcionar. Não é apenas a questão da organização. Veja uma orquestra como “Mama Djombo” era preciso que o Estado assumisse ou concedesse os apoios necessários para o seu funcionamento.

Não quero dizer que o Estado deve assumir o Grupo “Mama Djombo”, mas deve haver sempre um apoio da parte do Estado para um grupo deste género, que está fazer o trabalho para a promoção da cultura da Guiné-Bissau.

Não é apenas o Grupo “Mama Djombo” que merece ser apoiado neste aspecto. O Estado deve criar um fundo para apoiar todos os grupos ou artistas que deixaram marcas do seu trabalho. O apoio concedido pelo governo permitiria que os grupos ou artistas se estabilizassem para poderem continuar o seu trabalho com toda a serenidade e ganhar o espaço no mercado nacional e internacional.

Há um aspecto muito interessante que devo realçar aqui. Naquela altura, éramos estudantes e tínhamos todo o tempo do mundo para a música. Actualmente a situação é outra e cada qual tem as suas responsabilidades. Agora fazemos da música o nosso ganha-pão do dia-a-dia e meio da  nossa sobrevivência.

Agora mesmo, trazer para Bissau os outros elementos do “Mama Djombo” que estão no exterior é um grande problema. Isso tem a ver com as dificuldades que estamos a referir. Imagina só que se quiséssemos trazer o Malam, o Serifo, o Tundo e o Herculano à Bissau para preparar um álbum em conjunto. Seria difícil para nós, porque não temos recursos financeiros para isso.

OD: As dificuldades que tanto mencionou são a causa das fragmentações das orquestras nacionais?

ZMF: Com certeza. Atualmente o mercado é outra coisa…e precisa-se de muito apoio até que se consiga estabilizar o mercado. Em todos os países, os governos concedem apoios aos músicos ou grupos musicais para fazerem os seus trabalhos, porque é um trabalho da promoção da cultura do país.

OD: A orquestra “Mama Djombo” produziu recentemente um álbum musical sem a participação daquele que era outrora o seu vocalista principal, Malam Mané. Porquê?

ZMF: Infelizmente não foi possível devido a algumas situações. É bom que as pessoas  fiquem a saber que tentamos trazer o Malam para participar nos ensaios para a gravação do álbum. Estávamos a ensaiar em Bissau, então ele tinha que vir a Bissau para participar nos ensaios, mas não conseguimos.

É bom explicar que não se pode levar a pessoa para gravar um álbum sem que esta tenha participado nos ensaios das músicas a serem gravadas, porque pode-se complicar tudo.

Atchutchi e eu tentamos, mas infelizmente não conseguimos. Também tentamos convidar o Tundo e não conseguimos. A verdade é que cada um já tem a sua responsabilidade familiar, pelo que é difícil deslocar uma pessoa do país onde vive.

OD: Em relação ao Lamine, o que aconteceu?

ZMF: O Lamine está em Bissau e convidamo-lo para participar no trabalho, mas sempre está afastado eu em particular não sei porque. Eu tive uma conversa com ele, na qual pedi-lhe para que se aproximasse do grupo. O “Mama Djombo” não é meu nem é do Atchutchi que apenas é o chefe de conjunto.

Quero esclarecer que o grupo pertence a todos os seus elementos, sobretudo os que querem continuar. Agora integramos novos elementos, jovens, que conseguiram reerguer o grupo, então temos que os considerar devido o trabalho que fizeram. Se o grupo está a ser chamado hoje é por causa desses jovens que decidiram juntar-se a nós e que conseguiram fazer um bom trabalho.

O Atchutchi, como chefe, tem decisões chaves que toma para o bem do grupo. “Mama Djombo” é um conjunto onde reina a democracia. Votamos para aplicação de qualquer medida ou decisão.

Agora, se eles quiserem fazer parte, a verdade é que têm que fazer um mínimo de esforço para tal. É bom relembrar às pessoas que ninguém foi impedido de voltar e quem quiser pode voltar ao grupo. Se Lamine quiser voltar ao grupo, ele pode voltar e ninguém vai impedi-lo. O Atchutchi e eu não somos nós que autorizamos o regresso de qualquer elemento do grupo.

Eles continuam como elementos do grupo. Mesmo o Baba Kanuté. Não posso proibir ninguém de voltar ao grupo, porque sou um elemento do grupo como qualquer um deles. O Miguel, o Atchutchi e eu estamos aqui, e se os nossos colegas quiserem voltar, não temos autoridade para lhes proibir o regresso.

Estamos aqui todos e inclusive o Sene, que é um dos vocalistas. Até já conheceu os rapazes que decidiram aderir ao grupo. Se quiserem voltar é claro que podem voltar sem problemas nenhuns. Não devem ficar a espera que eu os convide, o que não farei porque o grupo não é meu.

OD: Podia explicar um pouco da história de sua fricção com o músico Tino Trimo no seio do actual “Mama Djombo”?

ZM: Tino Trimo está no “Mama Djombo”, ou seja, ele voltou ao grupo. É verdade que houve um pequeno problema, mas decidimos sentar e conversar a fim de ultrapassar a situação e graças a Deus conseguimos. Ele já voltou para o grupo.

O problema tinha a ver comigo, mas como sempre fazemos, conseguimos ultrapassar o problema através do diálogo. “Mama Djombo” é uma família, então pode haver um problema, mas sabemos que havemos de resolvê-lo.

OD: Actualmente regista-se mais  artistas individuais. Cada um procura fazer o seu próprio trabalho. Para já não há condições para reactivar os grupos e fazê-los funcionar activamente como os Tabanka Djaz?

ZMF: “Mama Djombo” e “Africa Livre” tentaram reactivar-se. Foram realizados vários espectáculos do Grupo “Africa Livre”, que estava a preparar-se para produzir um disco. Há uma vontade enorme das pessoas para trazer de volta aquela memória do passado, a actuação de orquestras, mas o problema continua a ser a mesma coisa, isto é, dificuldade económicas e financeiras.

Sei que o “Nkassa Cobra” também quer organizar-se para produzir um trabalho, apesar da morte do Nené Tuti, querem fazê-lo. Todos vivemos aquela nostalgia dos tempos passados, mas as dificuldades impossibilitam-nos de realizar os projetos.

Saí da Guiné em 1983 e três anos depois acabou a orquestra “Mama Djombo”, porque não conseguiram entender-se.

OD: A sua saída do país tem a ver com uma represália política?

ZMF: Não. Saí da Guiné para ir estudar no exterior. Tudo aquilo que se diz, na tentativa de interpretar aquela música (Zé Manel bu kana fica sim, suma lã di polon na bentu), não tem nada a ver com a minha saída do país.

A música refere outro acontecimento… No pós-independência havia uma iniciativa de jovens e estudantes de irem receber os combatentes na zona libertada, para entrar juntamente com eles para a cidade de Bissau.

Quando soubemos que batiam nas pessoas, resolvi fugir juntamente com outras pessoas e fomos directamente para Dacar (Senegal). O que aconteceu é que os meus colegas não sabiam do nosso paradeiro, isso fez-lhes cantar essa música.

OD: Quantos álbuns a solo já editou no mercado e qual deles teve maior sucesso e que o projectou internacionalmente?

ZMF: Tenho quatro discos editados no mercado. O primeiro álbum, “Tustumunhos di Aonti” é um trabalho em que tento retratar a situação política e a formação duma classe dirigente repressiva na Guiné-Bissau. O álbum foi preparado em Bissau e contou com a participação do Manecas e outros músicos, mas foi produzido em Lisboa (Portugal), em 1982.

O primeiro álbum que produzi nos Estados Unidos de América, foi o “Maron di Mar”, em 2001, com a Editora Cobiana Records. Foi um sucesso e foi nomeado para o melhor álbum no certame “All African Kora Music Awards” na África do Sul, e para o melhor álbum no “Just Plain Folks Music Awards” nos E.U.A.

O meu terceiro álbum e o segundo produzidos nos Estados Unidos de América em 2004, foi o “African Citizen – Cidadão Africano”, produzido pela Editora M10. A música que dá título ao álbum fala da cidadania africana, mas transmite uma mensagem mais globalFiz apelo à unidade africana, à paz e à estabilidade em todos os continentes.

Quero ainda explicar que o disco “African Citizen” foi galardoado com dois prémios, designadamente o melhor álbum e a melhor canção do ano, na categoria de música africana. O evento foi organizado pelo “Just Plain Folks Music”.

O quarto álbum foi editado em Agosto de 2006. “Povo Adormecido” é constituído por variedades de músicas cantadas em inglês, francês, português e kriol.

OD: O Zé Manel teve méritos a nível internacional, sobretudo nos Estados Unidos, onde viveu durante um tempo, prémio “Kora” na África de Sul. Podia explicar melhor como aconteceu tudo isso?

ZMF: O prémio “Kora” é atribuído por uma grande organização na África de Sul. O músico edita o trabalho para diferentes mercados como o europeu, o africano e e o americano e se eles ouvirem o trabalho, mandam pedir o disco através do seu “Manager” ou através do próprio músico

O que funciona mais é quando eles ouvem o trabalho nos media. Se o disco for excelente, é enviado para a avaliação ou selecção junto dos especialistas.

OD: Além do prémio “Kora”, houve ganhos monetários?

ZMF: Ganhos monetários propriamente dito não, mas o artista consegue ganhar uma promoção que o permite vender o disco. A promoção que o artista recebe custa muito dinheiro e certamente sozinho seria difícil de suportar. Por isso os artistas tentam trabalhar para receber o prémio “kora” e beneficiar desta promoção, que os pode colocar  nas capas de revistas e magazines a nível dos grandes mercados do mundo.

Os artistas ganham com “direito de autor” na América e na Europa, pelo tempo que a música tocar na rádio e na televisão. Os artistas ganham ainda com a participação nos grandes concertos. O artista é promovido pelos media através das músicas passadas nas rádios e na televisão. Isso faz com que os empresários e homens da cultura ganhem confiança para convidar o artista à tomar parte numa actividade.

A promoção promove a venda do disco do artista e consequentemente ganhar o disco de Ouro e outros prémios. Esses prémios não o tornam no melhor para sempre, porque pode voltar a fazer outro trabalho que não tem sucesso como o primeiro. Essa situação muitas vezes acaba por fazer o artista desaparecer. Então é preciso muito cuidado e uma boa preparação na composição do disco.

OD: “Maron di Mar”, pode explicar um pouco sobre esse tema musical?

ZMF: `Maron di Mar” é uma canção de nostalgia de muito tempo fora do país. É muito difícil ficar fora da sua vivência, fora do seu mundo. Agora estou mais à vontade, porque estou na minha terra e com os meus familiares, meus amigos e compartilho tudo o que tenho com eles.

Estou na minha casa e aqui tenho um Estúdio de Gravação que me permite fazer o meu trabalho com toda a facilidade. Aqui consigo convidar músicos nacionais para tocarem comigo qualquer estilo da música nacional e conseguem fazê-lo sem nenhum problema, porque é a sua cultura, é algo que conhecem muito bem e podem tocar sem problemas.

Imagina se fosse nos Estados Unidos… Ali seria difícil, dado que levaria tempo. Um músico americano levaria algumas horas ou dias para se adaptar ao estilo musical que quer tocar. Há os que chegam e pedem apenas que lhes seja explicado os detalhes. Só depois conseguem fazer tudo. O meu saxofonista, por exemplo, ele é espectacular e a única coisa que pede é ouvir o estilo solicitado. Depois ele toca com muita perfeição.

Foi ele quem tocou o saxofone na música “Tchico Té”. Ele é incrível. É um músico de alto calibre. Muitas pessoas perguntam-me se foi ele quem participou naquela música e quando respondo que sim, então chovem perguntas para saber como consegui convencê-lo para trabalhar comigo.

Não fiz nada para mobilizá-lo. A única coisa que fiz foi que apenas mandei-lhe o trabalho e ele ouviu tudo, depois respondeu que estava disponível e que trabalharia comigo na gravação do disco.

OD: O que motivou a sua decisão de voltar a Bissau para fixar residência enquanto músico, considerando as condições de trabalho e o mercado de espectáculos muito reduzido no país, comparativamente aos Estados Unidos?

ZMF: Confesso que na verdade foi o isolamento que me fez voltar a Guiné. Eu sentia que estava isolado e longe do meu mundo, ou seja, estive fora do meu mundo. Aliás, expliquei há bocado que aqui tenho tudo, família, amigos e tudo.

A verdade é que os Estados Unidos de América é um país onde eu fiz uma parte da minha vida. Consegui grandes sucessos lá, é verdade. Mesmo assim eu sentia que me faltava uma coisa, razão pela qual decidi voltar ao meu país.

Estive nos Estados Unidos e sempre que produzia um álbum, viajava para Bissau para a promoção do disco. É verdade que há muitas dificuldades neste país, em termos de condições para fazer o meu trabalho, mas a maior verdade é que aqui é o meu país e sinto-me bem aqui. Salif Keita teve tudo em França, mas chegou o dia em que ele não pôde mais viver em Paris e decidiu voltar ao Mali.

Pediu apenas que lhe fosse montado um estúdio de gravação no Mali e se não pudessem, ele mesmo fá-lo-ia e não trabalharia mais com eles. Os franceses saíram a correr e montaram-lhe um estúdio de gravação no seu país. Isso demostra que mesmo com todo o sucesso fora, se chegar a hora de voltar, é difícil resistir.

Eu vivi mais de 20 anos nos Estados Unidos e não me faltava nada. Tinha um lugar para dar concertos e ganhava muito bem. Dava aulas na universidade e sempre recebia convites para concertos, onde consiguia ganhar alguma coisa. Mas a única coisa que posso dizer aqui é que já tinha chegado a minha hora de voltar ao meu país, por isso voltei e agora estou cá feliz, ao lado dos meus amigos.

OD: Que contribuição tem dado em termos de orientações aos artistas da nova geração que optaram por cantar estilos variados, sobretudo Hip-Hop, Zuk e Kizomba?

ZMF: Trabalhei com vários jovens artistas da nova geração. Lembro-me que fiz um trabalho com o jovem Rimen, o grupo “RRP e com muitos outros. É verdade que quero ajudar e muito, mas o certo é que para ser músico é preciso que a pessoa tenha o “don” para o mesmo. Não se pode levantar um dia e sair para ir cantar, sem que se saiba cantar.

Ou seja uma pessoa não pode ir ao Estúdio de Gravação só porque quer cantar. É preciso que a pessoa saiba mesmo cantar e que tenha uma preparação em música. Se essa pessoa não sabe nada da música é claro que não posso perder todo o meu tempo com ela. Se alguém pretende inscrever-se na nossa escola para apreender a tocar algum instrumento musical ou mesmo aprender cantar, sim nós disponibilizaremos o nosso tempo para ensiná-la.

Para já há duas escolas de música no país. A nossa escola da música denominada de “Escola de Música Cobiana”. Etchon também tem uma escola de música que se chama “Instituto José Carlos Schwarz”. Estabelecemos uma comunicação no sentido de facilitar as coisas, porque através da comunicação trocamos informações sobre a forma como podemos lidar com determinadas situações.

É importante frequentar uma escola de música para apreendermos cantar ou tocar qualquer instrumento musical. Eliseu, Ivan entre outros músicos frequentaram a escola de música para apreender a tocar. É verdade que há aqueles que conseguiram apreender sózinhos sem passar pela escola, mas mesmo assim resolveram passar para conhecer a base ou melhor a técnica.

OD: Há vozes que criticam a nova geração que aposta mais nos estilos musicais “Hip-Hop, Zuk e Kizomba”, em detrimento dos estilos nacionais, nomeadamente Gumbé, Tina e Siko. Para os referidos críticos, os jovens estão a promover mais outras culturas musicais. Quer fazer um comentário sobre isso…

ZMF: Primeiramente gostaria de perguntar o seguinte: o que é que o ministério da Cultura faz para a promoção dos estilos musicais da Guiné-Bissau? Os Estados Unidos de América não têm o ministério da Cultura, mas têm apenas um representante da Cultura na “Casa Branca”.

Lembro-me que no período da governação do falecido Presidente da República, Luís Cabral, o seu governo mandara buscar três pares de instrumentos musicais, que foram distribuídos da seguinte forma: Um para o Grupo “Cobiana”, um para o “Super Mama Djombo” e um ficou na Casa de Cultura. Naquela altura era a Casa da Cultura que mandava buscar livros a partir da Europa. Qualquer que fosse o livro que a pessoa queria, bastava ir à Casa da Cultura e dar o título.

Em duas semanas o livro chegava ao país. A Casa da Cultura funcionava junto da direcção-geral da Cultura. O que é que a direcção da cultura está fazer hoje? Juntou-se a cultura aos desportos. São dois sectores muito vastos razão pela qual deveriam ser separados. Cabo Verde tem o ministério de Cultura e o Senegal também. Cultura, Desportos e Juventude de facto são sectores muito vastos, por isso eu acho que não podem ser juntados num único pelouro.

Quem na verdade pretende trabalhar não vai juntar a cultura e o desporto no mesmo pelouro. Só assim é que podem ganhar força para trabalhar.

O meu primeiro disco “Tustumunhos de Aonti” foi gravado através do empréstimo do Estado da Guiné-Bissau. A Direcção-geral da Cultura serviu como testemunha (fiador). O governo autorizou o banco para que me concedesse um cheque de mais de 700 mil Escudos (moeda portuguesa na altura), na altura, a nossa moeda era o “Peso”.

Aquele valor dava para comprar um apartamento de três quartos de luxo em Portugal. Na altura eu tinha 22 anos de idade e fui à Lisboa com um grupo de músicos para gravar o meu disco. Fiz um contrato simples com o governo, onde eu detinha 60 por cento da venda do disco e o governo tinha 40 por cento. O disco foi vendido na Casa de Cultura e o governo vendeu os discos todos, depois tirou os seus 40 por cento e deu-me a minha parte.

Isso foi no período da governação de General Nino Vieira (primeiros tempos do mandato). A iniciativa começou comigo, mas correu muito bem. O governo conseguiu devolver o banco o dinheiro emprestado para a produção do disco.

O governo tomou a iniciativa de apoiar os músicos, mas sinceramente não sei o que aconteceu. Lembro-me que fui estudar no estrangeiro com mais cinco pessoas, mas deixei a venda do disco a cargo do governo, depois enviaram-me o meu dinheiro. Não sei o que é que matou aquela iniciativa.

A verdade é que os artistas precisam de apoios deste género para a produção de discos, mas também é preciso fazer um bom trabalho que permita a venda no estrangeiro e talvez com isso se possa ganhar alguma coisa. O artista não pode ganhar nada com a venda do disco aqui na Guiné, por isso é preciso fazer um bom trabalho para que se poder vender-se no exterior.

OD: Há possibilidade de retomar o referido projecto neste momento?

ZMF: Sim, há possibilidade de retomar esse projecto e sem nenhum problema. Eu creio que o governo está mesmo em condições de avançar com o projecto e a única coisa que é preciso fazer é definir os critérios muito bem, isto é, ser claro nas condições que os artistas ou grupos musicais devem reunir para poderem beneficiar do projecto.

OD: Se um dia lhe confiarem a pasta do ministério da Cultura ou uma estrutura encarregue da promoção da música guineense, quais seriam as suas prioridades e estratégias a curto, médio e longo prazo?

ZMF: A minha primeira prioridade seria concertar com os parceiros para a criação de um salão de concertos de grande nível e construir salões de concertos nas regiões, de forma a conceder aos músicos condições necessárias que os permitam realizar grandes concertos e ganhar alguma coisa.

Outro projecto de grande ambição que poderia ser considerado de longo prazo seria desenvolver uma estratégia sobre a forma de entrar e explorar o mercado da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), onde estamos inseridos. Já estamos noutros mercados, mas temos dificuldades de os explorar.

Entendemos que é preciso criar ou desenvolver estratégias para explorar os referidos mercados. Lembro que no passado eram os grupos musicais guineenses que lideravam nesses mercados, deixávamos a nossa marca por todos os países onde passávamos. É possível reconquistar esses mercados com um trabalho sério, através do nosso estilo musical.

Através dessas duas portas (CEDEAO E PALOP), seria possível alargar a nossa música para a totalidade do nosso continente, como também para o mundo. Para isso seria preciso uma intervenção séria do governo através da definição de uma política séria para a promoção da cultura guineense no mundo.

Para a consolidação de tudo isso seria preciso a criação de uma boa escola de música. O governo criaria as condições e buscaria professores de músicas noutros países para ensinar os nossos jovens. Reactivaria as aulas de música nos liceus como no período colonial, de forma a cativar mais talentos. Promoveria festivais nas regiões e tudo isso seria a procura de novos talentos, que poderiam vir a servir mais o nosso país.

É preciso uma revolução cultural na Guiné-Bissau, de uma forma muito bem pensada e que permita a sobrevivência dos homens da cultura, artistas, escritores, homens de arte plástica e outros. É urgente uma revolução cultural no nosso país, porque só assim é que esses homens conseguirão sobreviver, ou então correm o risco de deixar essa actividade.

Outra coisa muito importante que deve ser encarrada com toda a seriedade é a criação de uma lei sobre direitos de autor, que será controlada muito bem. Há muito tempo que o nosso irmão Guilherme Sá Filipe está nesta história de direito de autor, mas infelizmente não tem apoio.

É urgente a aplicação da lei do direito de autor na Guiné, mas para aplicação do mesmo é necessária a intervenção do governo. Os homens da cultura conseguiriam sobreviver com a aplicação do direito de autor, que os permitiria ganhar alguma coisa dos seus trabalhos.

OD: Que apreciação faz da música guineense no espaço PALOP, em termos de qualidade de produção e consumo?

ZMF: Sabes que essas coisas têm mais a ver com o país. No tempo passado, ou seja, nas décadas 70 e 80, era a Guiné-Bissau que comandava a nível do espaço dos PALOP’s em termos de música. O “Grupo Super Mama Djombo” é quem comandava nos PALOP’s e comandávamos até em Abidjan (Costa de Marfim).

Liderávamos o espaço PALOP e tínhamos uma presença muito forte no espaço da CEDEAO. Isso foi naquela altura, mas agora estamos numa era e a situação já é outra. E veja só uma coisa, todos os países da africa lusófona têm um espaço cultural na RTP/Africa e o nosso espaço está lá sem ser preenchido.

O que é que a cultura está fazer para o preenchimento deste espaço? Nós queríamos preencher esse espaço há alguns tempos atrás, mas fomos a delegação da RDP/Africa em Bissau e contaram-nos o que era preciso fazer para preenchê-lo.

Uma das condições é que precisávamos ter quatro vídeos produzidos, prontos para a divulgação e uma outra coisa tinha a ver com a falta do espaço para a produção dos vídeos, bem como dos equipamentos de trabalho (câmaras de filmagem). Se fosse a cultura a apresentar a proposta ou o projecto para o preenchimento do espaço, limitar-se-iam a ouvir e no fim comprometer-se-iam…

Para isso a direcção da cultura tem que estar a frente, porque o espaço é reservado para a promoção da cultura guineense. O governo deve criar condições necessárias para apoiar projectos desenvolvidos para aquele espaço cultural guineense, na estação televisiva portuguêsa (RTP/Africa).

É através deste espaço que se consegue vender a imagem ou a cultura de um país. Angola acabou por dominar hoje o espaço cultural no mundo da juventude, através do seu estilo musical “Kizomba”, e conseguiu isso através de um investimento forte do governo na promoção daquele estilo musical.

Os americanos (EUA) dominaram o mundo com o estilo “Hip-Hop”. Aí é que se vê a super potência de um país. No período do regime de Presidente Luís Cabral dominávamos toda essa nossa zona (CEDEAO) e o espaço PALOP com o nosso estilo “Gumbé”.

Uma vez fomos tocar no Senegal e foi o músico Youssou Ndour que abriu o nosso concerto com a sua banda musical. Íamos tocar em Cabo Verde com rosto para cima e saíamos da mesma forma, mas hoje não podemos. Os músicos destes países é que dominam agora, conseguiram inverter a situação graças aos apoios recebidos dos seus governantes.

E mesmo com essas dificuldades em termos de falta de apoio da parte do governo, conseguimos sempre produzir trabalhos que competem ou superam os trabalhos dos outros no mercado. Não me canso de dizer aqui que toda esta situação que estamos a enfrentar agora, tem a ver com a falta de seriedade dos nossos governantes.

Este país perdeu a sua postura. Quando um país perde a sua postura, a cultura sai como o maior perdedor e torna-se pequeno perante os outros.

OD: O que é preciso fazer para tirar o país desta situação, e recuperar a sua postura?

ZMF: A Guiné-Bissau tem que se erguer como o país para recuperar o espaço que outrora ocupava no domínio da cultura. Angola ergueu-se como país e conseguiu transmitir a sua cultura ao mundo. Agora não se pode obrigar os jovens técnicos das rádios a passarem músicas da Guiné-Bissau e deixar as dos outros países.

Naquela altura não se obrigava ninguém passar a música do “Super Mama Djombo” ou de outros grupos nas rádios. O trabalho é muito bom e toda a gente queria ouvi-lo. Isso é que se deve fazer agora. A verdade é que estamos com a dificuldade em fazer um bom trabalho, por isso é que estamos a precisar de apoio do governo.

Temos músicos que podem disputar com qualquer músico, quer cabo-verdiano ou de um outro país da CPLP. Manda o Jovem Binham para um concerto musical no exterior e verá como vai cativar o público, porque ele tem talento e sabe cantar. Mas depois do concerto não podemos ser comparados, em termos do nível de vida que cada um leva, porque eles têm o suporte do Estado

A única coisa que os músicos guineenses precisam é do apoio da parte do governo, para fazer um bom trabalho. Isso tudo tem a ver com a falta de apoio que já não existe neste país, porque falando a verdade já não temos estado. Veja os ministérios, em que condições estão a funcionar. Mesmo sendo cego, dá para perceber as más condições de trabalho das instituições públicas.

Há 40 anos que este país se encontra numa instabilidade governativa e o que acha que pode ser mudado nesta instabilidade? Quando um país se encontra numa instabilidade governativa e política, não se esperar nada dele. Quando um país se encontra nesta situação, os primeiros a fugir são as aves, depois os artistas que emigram.

OD: Tem um Estúdio de Gravação que se chama “Cobiana Record”. Como é que funciona o seu Estúdio?

ZMF: Fiz um Estúdio de Gravação, em parte, para facilitar o meu trabalho, porque não posso viver sem um estúdio de música. Este é o meu local do serviço é aqui que fico e às vezes acabo por dormir. O Estúdio não é apenas para facilitar o meu trabalho, mas também a iniciativa visa apoiar músicos guineenses nos seus trabalhos de promoção da cultura nacional.

Ajuda não significa que vamos deixar as pessoas gravar gratuitamente, porque temos contas para pagar. Pagamos a renda da casa e a corrente eléctrica, por isso adoptamos um preço normal para a gravação da música.

Por exemplo, no Senegal cobra-se uma soma de 175 mil francos cfa por cada música. Eu não posso aplicar o mesmo preço aqui, tendo em conta a nossa situação financeira. Por isso no mínimo que cobro para a gravação de uma música 50 mil francos cfa.

Cobrar um artista 50 mil francos cfa por dia para a gravação em Estúdio é a oferta noutros países. Aliás, se fosse no Senegal, o meu estúdio estaria repleto de pessoas até fora dos muros. Aqui, mesmo por esse valor de 50 mil francos cfa, as pessoas têm dificuldade em conseguir pagar. Muitas vezes acabo por pedir um valor muito pequeno, de forma a permitir que o artista consiga gravar o seu trabalho.

Acabo por deixar outros músicos sem pagar a conta da gravação dos seus trabalhos. Foi neste estúdio que trabalhamos o álbum de Jovem Binham até conseguirmos terminar.

OD: A internet revolucionou hoje o nosso trabalho, como também é um canal de distribuição e interacção que é aproveitado pelos músicos. Como tem aproveitado essa oportunidade, enquanto músico?

ZMF: Não se pode aproveitar nada na internet aqui na Guiné-Bissau. Primeiro a linha da internet usada não é da Guiné e isso é ridículo.  Talvez se o famoso projeto de cabo submarino em Bissau se concretizar, bem como a instalação de uma rede em fibra óptica em todo o país?

A internet que temos hoje é dos anos 80 (passa expressão). A nossa linha trabalha com muitas dificuldades, nem sequer permite baixar os arquivos. A linha da internet que temos ajuda-nos pouco no nosso trabalho, mas infelizmente está longe das expectativas.

OD: Zé Manel é director executivo da ONG Cobiana que tem organizado as edições anuais do Festival de Bubaque. Já lá vão sete (07) edições. Nos últimos três anos teve apoio da união europeia. Que balanço faz desse evento?

ZMF: Tivemos grandes dificuldades no ano passado e corremos o risco de não realizar o festival, mas o governo acabou por apoiar-nos. A subvenção que recebemos da União Europeia para os três anos de realização de festival não chegou para cobrir as despesas do último festival e mais outras actividades, por isso recorremos ao apoio do governo. O dinheiro do festival da União Europeia acabou este ano. Já não temos nada para o próximo festival.

OD: Habitualmente, de quanto costuma ser o orçamento para a realização do festival de Bubaque?

ZMF: O orçamento total do ano passado foi de 88 milhões de francos cfa. Se quisermos a promoção do Festival de Bubaque, sobretudo para que seja conhecido no mundo e isso não pode ser feito apenas com os músicos nacionais, terá de ser com músicos internacionais cujas deslocações ficam muito caras.

O Governo de Cabo Verde investe entre 150 a 200 milhões de francos cfa para a realização de cada festival. Eu não compreendo a razão pela qual o nosso governo não investe 150 a 200 milhões de francos cfa para a realização do festival, e depois de tudo pedir as contas junto da Comissão Organizadora.

O Festival de Bubaque e os artistas de grandes nomes, reconhecidos a nível internacional, podem promover a Guiné-Bissau. Os custos para trazer os grandes artistas são altos, e não vamos pô-los em botes para irem à Bubaque. Somos obrigados a custear os bilhetes de avionetas para transportá-los, mas também os bilhetes de avionetas são extremamente carros. Rondam os 60 mil francos cfa para ida e outros tantos para o regresso.

O dinheiro que recebemos da parte do governo não chegou para pagar todas as despesas. Então resolvemos pagar aos músicos 50% e faltam ainda pagar outros 50. Decidimos que no próximo, se o governo não assumir todo o orçamento, não haverá festival nenhum.

OD: Qual é o critério de selecção dos artistas que participam no festival, sobretudo a nível interno?

ZMF: Há uma comissão encarregue disso tudo e não é o Zé Manel quem faz as escolhas. A comissão analisa uma lista de nomes nacionais e internacionais. Uma das coisas que é tida em conta é os artistas nacionais que tenham participado no ano anterior e não participam no festival seguinte.

OD: Há vozes que criticam que não se pode organizar o Festival de Bubaque nessa localidade sem a presença do músico Justino Delgado. Quer fazer um comentário sobre isso?

ZMF: A nossa gente devia ter um pouco da sensibilidade. A arrogância é uma coisa que não vale, portanto devemos evitá-la. O Festival é uma atividade autónoma, ou melhor, privada em que a Comissão tem a autoridade de convidar os músicos que quer convidar.

O público é livre de dizer o que quiser, porque em nenhuma parte do mundo a Comissão Organizadora de um evento cultural é obrigada a convidar o mesmo artista todo o ano. Quem é ele o tal artista? Será que ele é que é o dono do festival?

Participei apenas duas vezes no festival de Bubaque para cantar. Estou a dirigir a organização encarregue de realizar o festival, mas isso não me dá o direito de listar o meu nome todos os anos para cantar. Muitas vezes a Comissão pede que cante, mas recuso sempre o convite a fim de dar oportunidade a outros artistas. Poderia “mexer pauzinhos” para colocar o meu nome na lista dos artistas convidados.

Embora a nossa terra seja uma trapalhada, é bom que fique claro que ninguém tem o direito sobre a Comissão Organizadora do Festival de Bubaque ao ponto de mandá-la convidar um determinado artista todos os anos. Nem agora e muito menos no futuro, não há ninguém que possa mandar convidar um artista.

OD: Qual é o critério usado para o pagamento aos artistas convidados tanto nacionais como internacionais?

ZMF: Os artistas seleccionados negoceiam previamente com a Comissão. Cada artista ou banda indica a Comissão o cachet para a sua actuação no festival, a Comissão depois analisa o valor apresentado tendo em conta o seu orçamento.

OD: Zé Manel é um artista de renome internacional de grande sucesso e reconhecido a nível do nosso continente e no mundo. Quem é o seu artista preferido na Guiné-Bissau?

ZMF: O meu artista preferido já morreu. Ele chamava-se, Infamara Mané. Foi um artista que cantava nas matas, durante a luta de libertação nacional. Para mim, Infamara Mané é um artista doutra sensibilidade. Também gosto de cantor Pepel, Openha Cá. Estou neste lado, mas Infamara está do outro. Ele tocava uma viola de três cordas “Toncoron”.

OD: Como é que sente as músicas de Infamara Mané que muitas vezes passam a sua mensagem na língua Mandinga?

ZMF: As músicas dele são doutro mundo, é uma coisa que não tem a comparação! Há um verso de uma das suas músicas que ele cantara em crioulo, onde dizia assim: N bai kampu di bola, katchur dudu bin murdin. Npassa nbai na sipital, n tchiga na sipital Dutur Noronha falan… Sinceramente Infamara Mané é uma outra sensibilidade, não tem comparação.

OD: Tem apoiado musicalmente os políticos nas campanhas eleitorais no país. Porquê?

ZMF: Apoiei o candidato independente Paulo Gomes, mas também lembro-me que já apoiei o Carlos Gomes Júnior. Decidi apoiar Paulo Gomes porque entendi que ele pode dar muita coisa à Guiné-Bissau. Em toda parte do mundo e mesmo nos Estados Unidos da América, os artistas manifestam apoios aos candidatos aos cargos políticos. Só que nos Estados Unidos de América já é doutra forma, porque ali os artistas (músicos e homens de cinema) aparecem nas televisões para manifestar os seus apoios a determinados candidatos e isso influencia os seus fãs a apoiar o mesmo candidato. Os artistas até disponibilizam apoios financeiros para os candidatos.

OD: Relativamente ao seu apoio aos candidatos Carlos Gomes Júnior em 2012 e Paulo Gomes, em 2014, conseguiu algum ganho em termos monetários?

ZMF: Sim há ganhos monetários, mas não me lembro o montante. Com o Paulo Gomes foi um trabalho muito complexo, porque ele não é conhecido no país, razão pela qual exigiu muito trabalho. Paulo incumbiu-me a missão de organizar a sua campanha, ou seja, o meu trabalho era seleccionar os artistas para produzir músicas para a campanha dele.

OD: O que Zé Manel fez na vida, além da música?

ZMF: Eu fiz uma formação de curso médio na área de canto. Além da música, eu fiz “Yoga” que é uma actividade espiritual, mas não tem nada com a religião.

OD: “O Democrata” sabe que Zé Manel está a preparar mais um álbum para o mercado. O público pode esperar músicas de intervenção, como sempre? Será para quando o produto final?

ZMF: É verdade que estou a trabalhar neste momento no novo álbum. Se tudo correr como previsto, o produto final estará no mercado em Novembro ou Dezembro do ano em curso. Não sei se será interventivo ou não, porque eu faço apenas as músicas para o público e acho que cabe a eles analisar.

O álbum poderá conter cerca de 11 faixas músicas, mas tudo vai depender das pessoas que irão seleccionar as músicas. Gosto de trabalhar de uma forma muito simples. Faço muitas músicas e mando a um grupo de pessoas amigas para analisarem e depois escolherem algumas para a gravação final.

OD: Um olhar sobre a actual situação política que o país enfrenta, enquanto cidadão.

ZMF: A situação política do nosso país está muito péssima. Há uma certa arrogância política a nível do homem político guineense, que acaba por dificultar o país. Os políticos não estão a trabalhar para o país, porque não pensam no desenvolvimento do país. Infelizmente não sabem que não é a política que os une, mas sim o país.

 

 

 

Por: Assana Sambú

Foto: Marcelo N’Canha Na Ritche        

 

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