Editorial: GUINÉ-BISSAU: INIMIGOS DE ONTEM, “AMIGOS FINGIDOS” DE HOJE

A repetição de conspirações e máfias é uma marca do nosso país. Desde a independência, a nossa história tem sido de repetida telenovela de conspirações, reinvenções de episódios, mas sobretudo de reedição de erros e golpes. Na luta pela conservação do poder, todos os meios são válidos, todas as alianças são autorizadas. Os factos históricos ainda dignos de registo na memória coletiva nos nossos concidadãos  sustentam a tese editorialista em epígrafe.

O recente regresso do ex-Primeiro-ministro e antigo líder do PAIGC, Carlos Gomes Júnior (Cadogo) é uma autêntica reprodução da história política da Guiné-Bissau e testemunha a incrível capacidade dos políticos guineenses em celebrar alianças circunstanciais. De conspirações em conspirações, de pactos em acordos secretos, a vida política guineense é uma arena de contínua máfia, melhor laboratório de traições.

Em nome do poder, tudo é válido, tudo é validado e tudo descartado. O regresso em 7 de Abril de 2005 do General Presidente João Bernado Vieira “Nino”, combatente da liberdade de pátria, foi mais que um episódio. Foi um filme de longa metragem. Concebido por homens e mulheres eternamente em conflito com seus rivais políticos. A liderança no PAIGC, na altura, não podia ser intimidada senão mediante uma figura intimidante! Essa figura era Kabi Na Fantchamna. Os arquitetos do plano do seu retorno, além dos apoios  político e popular, recorreram, ao patrocínio dos militares. Para isso, e para tentar justificar aos guineenses, chegou-se a evocar a reconciliação nacional como motivação principal do retorno a casa do General Presidente. Na verdade, agenda era outra. Era contornar o turbulento Primeiro-ministro e chefe do PAIGC cujas decisões eram uma ameaça para muitos. Igualmente em braço de ferro com a liderança militar do país, Cadogo rapidamente tornou-se um inimigo comum.

Alinhados os interesses, afinadas as agendas, o regresso foi anunciado ao público. Grande satisfação numa boa franja da sociedade que  já se vinha  a nutrir nostalgia do ex-carismático guerrilheiro do PAIGC. Contudo, uma significante parte dos guineenses ficou estupefata e perplexa. Na altura, pairou a mistura entre incertezas e tensões sócio-políticas. Kabi não era um simples político, muito menos um cidadão comum. Entre especulações e comentários, João Bernardo Vieira, pisou novamente o solo pátrio depois de um exilo forjado de seis anos em Portugal, proveniente de Conakry num helicóptero que aterrou no Estádio Nacional 24 de Setembro.

Foi uma retumbante vitória dos organizadores do regresso contra a vontade do governo liderado por Carlos Gomes Júnior. O objetivo estava bem definido: baralhar o jogo político e alterar a liderança no PAIGC. Os posteriores episódios do filme são do conhecimento de todos, até de um modesto cidadão guineense.

A semelhança deste filme, o povo guineense é, de novo, colocado no lugar do expetador. A longa crise política oficializada em 2015 [embora com antecedentes agravados no Congresso de Cacheu] com a demissão de Domingos Simões Pereira do cargo do Primeiro-ministro, entrou numa nova fase com o regresso de Carlos Gomes Júnior ao país na semana passada. As alianças de circunstâncias voltaram a falar mais alto. A agenda não é a reconciliação nacional, mais da luta política entre dois dos atores do impasse político parlamentar do país: O grupo dos 15 deputados expulsos do PAIGC e a direção do partido. É  nessa puxa-puxa que nasceu as sementes do “riba casa” de Cadogo. Ele não voltou para sentar-se em casa. Longe disso. Voltou para procurar o poder e isso passa por um baralhar do próximo embate no congresso dos libertadores.

O primeiro denominador comum entre o regresso de Nino e o de Cadogo é agenda de recuperação do poder no meio de turbulência política. Aconteceu em Abril de 2005 e voltou acontecer em Janeiro de 2018. O segundo denominador comum é a coincidência de anos de exilo em Portugal (6 anos). Uma mera coincidência ou colisão de destinos entre os dois homens? O terceiro denominador é a repetição da história. Os inimigos políticos que combaterem o Nino durante da guerra civil de 1998 foram os mesmos que protagonizaram o seu regresso. Igualmente, os arquitetos da vinda de Cadogo são os mesmos que patrocinaram a sua queda em 2012. O quarto e último denominador é que a grande maioria dos atores do filme são da mesma casa: PAIGC!

O tempo contará ao martirizado povo guineense o passo seguinte da interminável novela de retrocessos! Se calhar será quinto denominador comum: todas as alianças de circunstâncias são de curta duração e suas rupturas são perigosas! É tempo de se promover uma verdadeira reconciliação nacional ao invés de calculismos e agendas ocultadas visando salvaguardar interesses de grupos!

 

 

 

Por:  Redação

 

3 thoughts on “Editorial: GUINÉ-BISSAU: INIMIGOS DE ONTEM, “AMIGOS FINGIDOS” DE HOJE

  1. Essa narrativa (Editorial) seria mais completa se se tivesse evocado também a presença sempre do PRS em como aliado muito relevante de uma das partes. Um outro “denominador comum”. Em 2005, aliado a Nino; e agora, 2018, aliado a CADOGO(?), via o “grupo dos 15” + o nosso So Presi, Dr. JOMAV? Certo ou falso? A ver vamos. A nossa dinâmica das “coisas” já está à porta, para pôr a verdade “seko kan”, num horizonte temporal, adivinho, bem perto, à ribalta.

    Obrigado.
    Por uma Guiné-Bissau de HOMEM NOVO (Mulheres e Homens), íntegro, idôneo e, pensador com a sua própria cabeça.
    Que reine o bom senso.
    Amizade.
    A. Keita

  2. Uma boa retrospetiva, que nos faz relembrar a história Político-partidário do nosso país. Estamos assistindo atentamente o desenrolar dos fatos, até onde vai desembocar.

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