Opinião: HÁ UM CAMINHO PARA GUINÉ-BISSAU

Estar presente ouvindo, olhando e refletindo sobre aquilo que atualmente , se vive na Guiné-Bissau, acaba por nos levar   a perguntar se no interior do nosso povo  existem intelectuais ? E, se existe algum caminho traçado que pudesse indicar uma direção a seguir em busca do desenvolvimento para o referido povo? Se intelectuais existem; e se um caminho também existe, porquê de tantas confusões e imbróglios que dão, ao contrário, mais provas de imbecilidade  do que a inteligência e racionalidade?

Para encontrar respostas a tantas perguntas, somos obrigados a recorrer, ao percurso histórico da Guiné-Bissau, lembrando-se, sobretudo, que hoje estamos num período histórico da Guiné-Bissau, marcado pelo dia 23 de Janeiro, dedicado à memória dos Antigos Combatentes da liberdade da Pátria Guineense e Cabo-verdiana, da dominação Colonial portuguesa. Para falarmos do percurso histórico da Guiné-Bissau, limitamo-nos ao período dito <<moderno>> da história do povo Guineense. Período sem nenhuma dúvida, iniciado pelo grande líder Amílcar Lopes Cabral, cujas idéias modelaram a forma, as perspectivas, os instrumentos, a filosofia política e social da luta de libertação. Como, ao mesmo tempo, elas orientaram, passo a passo, degraus em degraus, as diferentes fases dessa luta gloriosa. A razão porque, muito perto da vitoria final, desse heróico acontecimento, que surpreendeu o mundo inteiro, os seus inimigos internos do PAIGC, um dos instrumentos da luta fundados por ele, aliados às forças externas eliminaram-no, fisicamente. Aliás, foi assim que, Amílcar Lopes Cabral deu a sua vida para a libertação do povo guineense e cabo-verdiano. Dando, ao mesmo tempo, o dia memorial aos antigos combatentes da liberdade da pátria. Sem esquecer as razões e os objetivos que moveram, quer as forças internas, quer as forças externas, a aliar-se para cometerem referido crime.

As forças internas que viam Amílcar Cabral como obstáculo, à sua participação no poder de Estado, cuja proclamação estava sendo preparada por ele, com a sua eliminação física pensavam poder acaparar-se desse poder de forma a limitá-lo ao serviço dos seus interesses pessoais.

Quanto as forças externas, a liquidação do intelectual cujas idéias se assentavam sobre as qualidades especiais de auto-disciplina e autonegação, que caracterizaram o Amílcar Cabral ao longo do percurso da luta de libertação, era vista como uma vitória benéfica a um dos blocos, tratando-se do período da “guerra fria” entre dois blocos, entre os quais, certos analistas de um dos blocos atribuíram, erradamente, o líder carismático, as intenções de “colaboração” com o bloco inimigo. Essas forças passaram a temer Amílcar, sobretudo, a sua capacidade de fazer gerar, de forma permanente, idéias poderosas, que podiam, uma vez na cabeça de países  independentes, fazendo parte da zona, ocidental Africana, transformar-se-ia em sério obstáculo, para o desenvolvimento normal dos seus interesses capitalistas.

Aliás, foram  essas suas qualidades de autodisciplina, ou seja, de abnegação consciente  para dedicar-se a causa do povo espezinhado, que o significado fez do Amílcar Cabral um símbolo incontestável de grande valor  e colocou-o como um exemplo  a seguir, quer no percurso da luta de libertação, quer no período pós-independência, que ele designou de execução do “programa maior”, para todos aqueles, que buscam servir, seriamente, o nosso povo. Por outro lado, é preciso reconhecer que, Amílcar Cabral deixou claro que, com a independência  do país , Bissau não iria ser a capital política, e nem o sistema político constituído iria ter ministros e governadores- porque não se iria copiar ou imitar as coisas  de gênero, com um risco  eminente de estimular a existência de uma pequena burguesia autocrática pronta a tudo fazer para tornar-se uma burguesia impiedosa pronta a subjugar e a explorar, de novo, o povo guineense. Em conseqüência, Amílcar afirmou um sentido de desenvolvimento colocando, no primeiro plano, o desenvolvimento do meio rural e agrícola, para fazer a justiça  e impulsionar a solidificação da classe camponesa majoritária que na sua aliança com a classe  operária pudessem  manter uma verdadeira unidade do país, e permitir  a realização de um desenvolvimento sustentável do povo guineense.

É verdade que, com o país independente, Luís Cabral, eleito presidente da república, apesar de ter ficado com medo terrível depois do assassinato do seu irmão, tentou trilhar pelo caminho, traçado por  este, pondo em prática algumas  das sua idéias. É  o caso, por exemplo, do governo de comissários de Estado, da prioridade do meio rural e agrícola, a importância à descentralização, ao ensino, à saúde, etc.

Mas hoje, atento ao cerne de percurso histórico da Guiné-Bissau, constata-se que nem tudo correu bem. Se não, como explicar o aparecimento de dirigentes políticos com atitude de verdadeiros patetas rígidos, ingênuos, sedentos de poder e dinheiro? – fatores que se transformaram em essência da sua paixão, uma verdadeira forma de prostituição física-espiritual, inserida, politicamente, na administração pública com a independência, há anos para cá, na ausência de uma inteligência que possa presidi-la e à qual possa obedecer. Em consequência, esta forma de paixão, torna-se obstáculo sério a todo o esforço de transmissão de valores à cúpula da referida administração política, que atua sem controlo e, conduz ao fracasso, se não, ao desastre que hoje se vive no país. O que, sem dúvida, demonstra que aconteceu qualquer coisa, de muito sério no percurso da nossa história. Se não, como explicar a atitude política de certos dirigentes, da nossa praça pública que, sozinhos, em situação de paz, não produzem nada útil, por isso, são obrigados a correr à busca de “grandes magos”, ultrapassando todos os limites do “culto da personalidade”? Para além de tentarem, em seguida, convencer a população guineense a confiar nesses seus “magos” de caráter criminoso, como os únicos dirigentes capacitados a conduzi-la ao bom porto. Quando ao contrário, esta tem uma viva consciência daquilo que esses “magos” são, de fato, capazes de fazer: roubar, ameaçar, matar, dividir, corromper com “sacos” de dinheiro etc. Em resposta à última das questões postas, recordamos, da experiência de um dos  fundadores da nossa ciência sociológica, Max Weber, confrontado com a realidade sócio-política que o povo Americano vivia, caracterizada pelo capitalismo moderno, onde dominava a ganância e obsessão com o dinheiro e a riqueza, isto é, com os aspectos do materialismo moderno. Na sua análise da situação, concluiu que houve um comportamento desviante ou seja uma “busca religiosa deslocada” parafrasear  Jacob Needleman (1991), em direção aos referidos aspectos materiais da vida, a tal ponto que esse desvio ou deslocação das idéias do cristianismo protestante fomentou, decisivamente, o desenvolvimento do capitalismo moderno.

Relativamente ao caso da realidade guineense, analisada no percurso histórico que o nosso povo conheceu, tendo, sobretudo em conta, que o PAIGC é um dos instrumentos políticos que Amílcar Cabral criou. E porque os seus atuais dirigentes pretendem orientá-lo, como partido, na continuidade das idéias do líder, afirmamos apoiando-se nas idéias do Needleman (1992) para concluir que: As idéias tal como aquelas de Amílcar, são uma força estimulante na sua forma completa e no contexto próprio – não quando utilizadas ou compreendidas, apenas um aspecto delas – porque tornam-se um soporífero ou até uma influência destrutiva. Porque as idéias mais nobres e mais poderosas podem constituir o veneno mais poderoso para espírito e a alma das pessoas, tal como atualmente se verifica com responsáveis políticos da nossa praça pública, atores das crises insolúveis que destroem  a unidade, a economia  e a paz do povo guineense.

 

 

Por: Professor Filipe Benício Namada, PhD

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