CINEASTA DA LUTA DE LIBERTAÇÃO DEFENDE UMA POLÍTICA DE CINEMA E A CRIAÇÃO DE ESCOLA DE ARTES NA GUINÉ-BISSAU

[ENTREVISTA_fevereiro_2021] O cineasta guineense, Sana Na N’hada, um dos primeiros cineastas da luta de libertação nacional, defendeu que a Guiné-Bissau aposte no cinema, por ser “uma indústria” e que a Guiné Bissau tenha uma política voltada a produção e realização de filmes.

Em entrevista ao semanário O Democrata, Sana Na N’hada desafiou o governo que, através do Ministério de Educação, crie uma escola de artes, e informou que tem em mangas um novo projeto para o final de 2021 em curso que irá retratar a luta de libertação, nomeadamente a forma como as pessoas deram as suas vidas para garantir a liberdade do país do jugo colonial e o que os guineenses estão a fazer hoje com a independência conquistada com sangue e suor dos combatentes.

Sana Na N’hada foi indicado por Amílcar Cabral para formar-se na área do cinema em Cuba, dado que precisava de formação para jovens em todas as áreas, em particular no cinema.

Explicou na mesma entrevista que, em toda a sua carreira  gravou perto de dez (10) filmes de diferentes metragens que podem ser encontrados na internet, sublinhando que o cinema não foi  escolha sua,  mas sim uma necessidade de luta determinada por Amílcar Cabral.

NA N’HADA: “FUTURO DO CINEMA GUINEENSE ENCONTRA-SE AINDA NOS MEUS OMBROS E NOS DE FLORA GOMES”

Na N’hada é um dos quatro cineastas guineenses que fundaram o Instituto Nacional de Cinema. E juntamente com Flora Gomes, o Zé Bolama e a Fina. A ideia era facilitar a produção de filmes, porque e segundo a sua explanação, carecia de meios para a realização de filmes.

 “Em 1965, o enfermeiro Simão Mendes ofereceu-me um estágio em enfermagem no hospital. Por causa da minha idade, não podia ser maqueiro nem socorrista no campo de batalha. Ocupei-me de medicamentos de 1965 a 1967” explicou para de seguida afirmar que foi escolhido “mais tarde” para fazer medicina em 1966.

“Foi nessa altura que houve o lendário ataque em Morés e Mendes foi morto a 19/02/1966. Fomos para Conacri para depois irmos estudar. Amílcar Cabral disse que alguns deveriam fazer a agricultura e mandou-me com os meus colegas fazer cinema em Cuba, justificou que medicina já tinha muita gente e precisava de pessoas formadas em outras áreas também”, revelou.

O Cineasta que foi também cofundador do Instituto Nacional do cinema em 1977, afirmou que até a presente data, nunca houve um governo que tivesse assinado um acordo com qualquer entidade do cinema estrangeiro nem Programas Estratégicos de Cooperação entre a Guiné-Bissau e Portugal no domínio do cinema.

“Se o governo tivesse assinado algum acordo com a Co-produção de Portugal ou com qualquer outro país, o Instituto do cinema guineense poderia estar a concorrer a fundos destinados a essa área para financiar a produção de filmes, como nos outros países,  como é o caso de Angola, Cabo-Verde, Moçambique que têm acordos de Co-produção com Portugal” explicou o cineasta, que entretanto, avançou que o futuro do cinema encontra-se ainda nos seus ombros e nos de Flora Gomes.

Sana Na N’hada disse na mesma entrevista que é preciso que a nova geração tenha muita paixão pelo cinema, sublinhando que, devido ao fator idade, um dia não terão mais força para dar a continuidade ao cinema e que é preciso passar o bastão de cineasta à juventude.

“Eu não sou um guionista, mas por falta de pessoas nessa área sou obrigado a esforçar-me para sê-lo. Mesmo tendo um guião todo bonito, procuro sempre um guionista para consultas. Eu sou um realizador e operador de câmara, não gostaria de trabalhar como operador de câmara, se existisse pessoas para ocuparem-se dessa parte”, frisou.

PIRATARIA NO SETOR DE CINEMA NÃO AJUDA O SEU CRESCIMENTO  NEM PERMITE VIVER DO CINEMA

Segundo o cineasta, a pirataria de filmes que se regista no país não ajuda no crescimento do cinema nem tão-pouco permite o desenvolvimento dos  intervenientes do setor viverem do próprio trabalho, e  afirmou que nunca teve a ambição de fazer cinema em Hollywood, a indústria privada de cinema nos Estados Unidos da América, defendendo que o seu interesse pelo cinema cinge-se essencialmente em narrar a história africana, em particular a do povo guineense, e que, em Hollywood, ele teria que trabalhar de acordo com o padrão americano.

“Os meus filmes estão a ser estudados nas universidades do Brasil e da América. Os meus filmes estão a servir de fonte em estudos e algumas pessoas vão ter a oportunidade de conhecer a história africana a esse nível. Estou a competir, mas não a produzir um filme de Cowboy’s mas sim filmes de pastoreio de gado”, explicou.    

Salientou que fazer filme na Guiné-Bissau é difícil, porque “o cineasta tem que desdobrar-se para conseguir  financiamento no estrangeiro, já que a nível nacional é quase impossível”.

Nesse sentido, destacou que um fundo deveria ser disponibilizado no Orçamento Geral de Estado para o setor do cinema, tendo revelado que fizeram lutas com Fina, Zé Bolama e Flora Gomes para conseguir isso dos sucessivos governos, mas sem sucesso, e afirmou que, enquanto não  houver uma verba destinada para  o setor, não existirá cinema no país.  

Apesar das dificuldades que o cinema enfrenta na Guiné-Bissau, o produtor e realizador acredita que ainda se pode mudar o cenário para o futuro mas que é preciso ser perseverante e perspicaz para contar a história e mudar o setor.   

Questionado sobre os benefícios que um investimento na área de cinema poderia trazer para a Guiné-Bissau, o cineasta respondeu que seria preciso saber qual o tipo de cinema que o país tem, como é hoje e o que se perspetiva.

O cineasta confessou que em Cuba estudaram muita prática e pouca teoria do cinema, depois de regressarem ao país, Amílcar Cabral mandou-lhes fazer um estágio de aperfeiçoamento no Senegal, para depois, por iniciativa própria, regressarem ao mato para filmar a luta de libertação.

Contou que as primeiras filmagens foram sobre a vida da população nas zonas libertadas e a participação de Amílcar Cabral na semana de informação em Conacri realizada pelo PAIGC. Explicou que naquela altura o que filmava tinha a ver com dores profundas, a canseira, as mortes e a raiva que via nos olhos dos combatentes e lembrou que filmou guerrilheiros  feridos, sangue e cadáveres.

Contou que no início de luta estava a estudar e sua mãe achou mais seguro irem para o mato até a luta terminar, mas ninguém imaginou que a luta duraria tanto tempo e alí mesmo no mato, frequentou a escola, no aquartelamento da guerrilha que mais tarde foi atacado pelas tropas portuguesas.

Recordou que Caetano Semedo, um dos chefes naquela altura, tirou-lhe das mãos da sua mãe e levou-o para a base militar, mas não pegou em armas, porque era menor.

Por: Djamila da Silva

Foto: Marcelo Na Ritche

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