Ausência de fiscais: PRODUTORES EXIGEM CUMPRIMENTO DO PREÇO BASE PARA A COMPRA DA CASTANHA DE CAJÚ

[REPORTAGEM_abril_2022] Os camponeses do setor de Bissorã, região de Oio no norte da Guiné-Bissau, exigiram aos comerciantes o cumprimento do preço da castanha de cajú fixado pelo governo, como também exortarem o ministério do Comércio a colocação de fiscais no terreno para controlar os comerciantes.

A preocupação dos camponeses das diferentes aldeias daquele setor foi manifestada ao repórter do semanário O Democrata, que esteve naquela zona, no final de abril de 2022, para se inteirar da situação da comercialização da castanha de cajú. 

Os agricultores abordados não gostaram do posicionamento do governo e exigiram rigor a todos os níveis, ou seja, que o preço da compra ao agricultor da castanha de cajú de 375 francos CFA/kg fixados fosse respeitado.

Queixaram-se muito da ausência dos agentes de fiscalização da comercialização encarregados de controlar o cumprimento de preço base, julgam que essa ausência promove a corrupção como também os comerciantes estão aproveitar-se da situação para comprar a castanha a 300 francos cfa/kg. 

O Democrata constatou nas tabancas percorridas que os comerciantes estão a trocar o maior produto estratégico do país de forma injusta, que os comerciantes dão 50 quilogramas de arroz aos camponeses e em troca recebem 60 quilogramas da castanha de caju. 

“TROCAR 60 QUILOGRAMAS DE CAJÚ POR 50 DE ARROZ É UM ROUBO” – USSUMANE CAMARÁ

Embora o processo de comercialização de castanha de cajú não esteja ainda nos seus momentos mais fortes em algumas tabancas como nos anos anteriores, as autoridades diligenciaram alguns postos, para facilitar a pesagem da castanha aos produtores que querem pesar ou fazer troca direta do produto por arroz.

Nas tabancas por onde passou o repórter de o Democrata, nomeadamente Caual de  cima e Caual de baixo, a três  quilómetros de Bissorã, Candjungudo, três quilómetros de Bissorã, Maque, a 11 quilómetros de Bissorã, NConfondam, Canico, Sambato ambos a 13 quilómetros de Bissorã, o repórter encontrou poucas viaturas a carregar ou transportar  a castanha.

Os populares entrevistados pediram ao governo que aplique a lei e que obrigue os comerciantes a praticarem o preço fixado, e que impeça que troquem 60 quilogramas de caju por 50 quilograma de arroz. 

Ussumane Camará, um homem aparentemente de 60 anos de aldeia de  Caual, explicou que a campanha de comercialização da castanha iniciou em abril e o preço que tem sido praticado até agora naquela zona é de 300 francos.

“Os comerciantes e intermediários aplicam preços sem respeitar o preço base fixado pelo governo. Somos obrigados a aceitar a regra de jogo, porque estamos cansados” disse Ussumane Camará, acrescentando que num país onde os comerciantes não são controlados e exigidos para respeitar as normas, quem paga com o desmando é a população, é isso que está a acontecer neste momento entre os comerciantes e produtores de cajú.

“Trabalhámos muito, fizemos vários investimentos na limpeza e preparação dos pomares, depois disso vem um senhor poderoso que dita as regras e fixa um preço aos produtores e as autoridades ficam de braços cruzados sem reagir, nem sequer querem saber se a população vive ou se o preço de base fixado está a ser respeitado. É triste e lamentável! Como é possível viver num país em que os comerciantes não são controlados e multados, quando cometem crime?”, questionou.

Camará disse que o preço da castanha de cajú que está a ser praticado não pode ajudar os produtores a cobrir os investimentos feitos na limpeza de pomares.

“Trocar 60 quilogramas de castanha de cajú por 50 de arroz é um roubo que os comerciantes e compradores estão a fazer, assim o Estado deveria intervir para acabar com o roubo”, salientou.

“Desde o início do processo de comercialização da castanha, nunca me cruzei com um fiscal do ministério do comércio nesta tabanca. O Estado deve proteger a sua população, sobretudo no período de campanha de comercialização de cajú para que possa ter rendimento, já que não beneficia de nada do Estado”, afirmou.

Camará lançou um apelo ao executivo no sentido de intervir o mais rápido possível para pôr cobro à situação, caso contrário os populares daquela tabanca não vão conseguir suportar a época das chuvas.

“Temos apenas um posto onde se faz a pesagem da castanha a 300 francos CFA, o que prova que não está a ser  respeitado  o valor estipulado pelo governo”, disse.

“SOMOS OBRIGADOS A VENDER A NOSSA CASTANHA ATÉ 200 FRANCOS CFA PARA SOBRIVIVERMOS” – LASSANA CAMARÁ

Dandan Mané, agricultor local, disse acreditar que é possível respeitar o preço base, se o governo colocar fiscais no terreno.

“As autoridades da Guiné-Bissau não podem continuar a permitir que os comerciantes de cajú façam o que lhes apetece para prejudicar produtores. O Estado é a única entidade que dita as regras. Como é possível o governo fixar o preço base de 375 franco CFA por quilograma e os comerciantes desafiarem tudo?”, questionou.

“Os comerciantes saem de Bissau para comprar a castanha de cajú a 300 francos CFA e as autoridades não reagem. Temos dificuldades, e o governo não se preocupa com a população”, disse.

Dandan Mané criticou os políticos e disse que no momento de campanhas eleitorais fazem promessas à população, mas quando assumem a gestão do país, nem sequer se lembram da população.

“Fazem muitas promessas, mas não cumprem nada. Quantas vezes prometeram reabilitar estradas que ligam as diferentes aldeias ao setor de  Bissorã”?,  disse.

“Nunca as autoridades apoiaram essa tabanca. Temos deputados, mas nunca visitam os eleitores. Não é justo eleger uma pessoa e depois abandonar a comunidade. Não queremos nada do governo, entregamos a nossa vida a Deus”, criticou.

Na aldeia de Candjungudo, Lassana Camará revelou que a castanha de caju está a ser comercializada a 300 francos CFA, violando de maneira “grosseira” o preço de referência fixado pelo governo.

“Neste momento, na minha casa, estou a enfrentar muitas dificuldades. Não posso deixar a castanha dentro. Tenho que vendê-la a um preço miserável de 300 francos CFA”, afirmou.

Camará informou que desde o início da campanha a comunidade local não recebeu visita de nenhum fiscal do  ministério do comércio.

“Os comerciantes é que ditam as regras, sobretudo na minha tabanca. Tenho mais de 30 membros de família que apanham diariamente a castanha nos meus pomares. Um saco de 50 quilogramas de arroz não consegue durar dez dias. Os produtos essenciais estão muito caros. Nessa situação somos obrigados a vender a nossa castanha até por 200 francos CFA para sobriviver”, disse.

Durante a viagem por  motorizada, devido à ausência dos transportes, o repórter encontrou um jovem de 37 anos na tabanca de Maque, a 11 quilómetros da cidade Bissorã.

Suleimane Cissé decidiu abandonar a sua atividade de empreendedorismo em Bissorã para a apanha da castanha de cajú nos pomares dos pais e cuidar assim do pai que está doente.

Responsabilizou os governantes pela situação que os produtores de cajú enfrentam neste momento.  

“A campanha de comercialização da castanha de cajú não pode correr bem na Guiné-Bissau, porque os governantes são cúmplices na especulação de preço e a maioria deles são comerciantes ou associam-se com os compradores. Como é possível um comerciante estrangeiro ditar as regras ou condicionar os preços dos produtos num país ao preço que quer pagar pelo produto estratégico e as autoridades não reagem. Por exemplo, no Senegal, isto não acontece porque os governantes pensam no povo”, indicou.

Cissé disse  que decidiu parar a sua atividade de empreendedorismo para ir ajudar os seus pais e irmãos para poder pagar os estados dos irmãos, filhos,  construir a casa do seu pai e comprar arroz para sustentar a família.

“Já lançamos gritos de socorro várias vezes no período da comercialização da castanha de cajú, mas nunca tivemos resposta das autoridades, por isso decidimos ficar em silêncio,  aceitar  as regras impostas pelos comerciantes no terreno para que possamos sobreviver e resolver os pequenos problemas que enfrentamos”, lamentou.

Para Malam Camará, habitante de Sambato, uma das aldeias de Bissorã, a campanha de comercialização de cajú está a correr mal, porque os prejudicados no processo são os produtores que batalham dia e noite para preparar os pomares, mas não rendem nada.

Malam Camará revelou que no início da campanha, os comerciantes compravam a castanha  ao preço de 250 e 300 francos CFA por quilograma e trocavam de 75 quilogramas de caju por 50 quilogramas de arroz.

Condenou esse comportamento e disse que Estado não pode aceitar ou admitir essa situação que está a matar a população camponesa.

“Os comerciantes sempre querem ganhar mais. É chegada a altura de proteger a população e  o estado deve começar a atuar através das leis. Somos vulneráveis! Não podemos fazer nada contra os comerciantes, portanto vamos aguentar”, frisou

Malam Camará referiu que o Estado guineense faz muito dinheiro na exportação da castanha de cajú, mas nunca investiu nas pessoas que se dedicam à produção de pomares, neste caso, agricultores.

“O povo da Guiné-Bissau passa muita dificuldade. Produz cajú, batata, mancarra, mandioca, banana, mas nunca colhe os resultados. Será algum azar que está a assolar o povo guineense ou os dirigentes  é que não estão preparados?” , questionou.

Nas tabancas de Canfondam, Canico, Bissadjel e Unfaru, o repórter de O Democrata encontrou crianças e algumas mulheres que confirmaram que a castanha de cajú está a ser comprada a 300 francos CFA por quilograma. 

Outra situação verificada pelo repórter de O Democrata tem a ver com a pouca produtividade dos pomares em diferentes localidades, dificuldades de acesso às tabancas e a falta de transportes.


Por: Aguinaldo Ampa

Foto: A.A

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