O responsável do parque de rio Cacheu, Pá Djaló Carvalho Djatá, revelou que as ações do homem no parque são muito fortes e com maior índice na destruição da floresta para fins agrícolas ou para a exploração abusiva dos recursos do parque, tendo assegurado que a transformação de campos agrícolas em pomares de cajú e queimadas são as maiores ameaças ao parque natural de rio Cacheu e, não obstantes as normas proibirem a abertura de novos campos agrícolas e de novas tabancas no parque.
Djatá fez estas revelações na entrevista exclusiva ao Jornal O Democrata para falar do corte de tarrafes, das queimadas e da denúncia da invasão por pescadores estrangeiros ao parque do rio de Cacheu, tendo revelado ainda que todo o trabalho de reflorestação foi destruído. As novas espécies florestais foram consumidas pelo fogo. A caça clandestina constitui também uma ameaça ao parque e ao ecossistema.
O parque natural de tarrafes do rio Cacheu tem 88.615 hectares e devido a sua situação geográfica está constituído por duas zonas, norte e sul. Alberga no total 44 tabancas. A zona sul tem 15 tabancas e inclusive a sede, as estruturas que o compõem e a zona norte alberga maior número de tabancas, 29 no total.
“A nossa maior preocupação é que o rio é uma área protegida com braços e a lei recomenda que apenas motores de 15 cavalos devem ser utilizados, mas os estrangeiros utilizam canoas de 17 ou 18 metros, redes inapropriadas, motores de 40 cavalos e os peixes acabam fugindo. Nos braços secundários, não é permitido pescar com canoas a motor, apenas a remo. Motores de 15 cavalos podem ser utilizados nos canais principais, de Bolol até São Vicente” disse, para de seguida avançar que os pescadores estrangeiros utilizam canoas a motor de 15 cavalos nos canais secundários e terciários, que de acordo a sua explicação, aquelas zonas são centros de reprodução de peixes.
O Democrata (DO): Qual é a área total e a população residente no parque?

Pá Djaló Carvalho DJatá (PCD): O Parque tem duas zonas, norte e sul. Estamos na zona sul, onde está a sede principal do parque e as estruturas que o compõem, inclusive onde reside o diretor. São Domingos faz parte do norte. O parque tem duas zonas, devido à sua situação geográfica. Tem 44 tabancas. A zona sul tem 15 e norte 29 nove.
OD: Como é que está o processo de fiscalização do parque?
PCD: O processo de fiscalização do parque está parado. Os parques na Guiné-Bissau funcionam basicamente através de projetos. A pandemia da Covid-19 comprometeu todas as atividades de fiscalização do parque.
Neste momento o parque não tem apoio de nenhum projeto. Temos duas vedetas, uma para a fiscalização e a outra para o ecoturismo. Temos utilizado a do ecoturismo para as nossas atividades de fiscalização, mas ultimamente está avariada. Há dois anos que a equipa de fiscalização está sem meios para executar as suas tarefas. Como alternativa, temos recorrido a uma canoa da associação dos pescadores artesanais que o próprio parque financiou.
OD: O processo de fiscalização está parado. Neste momento qual é o nível de violação do ecossistema e a biosfera do rio Cacheu?
PCD: A conservação dos parques requer uma fiscalização responsável. Uma das atividades que deve ser encarada no parque é a fiscalização. Quando não se fiscaliza uma zona reservada, a ameaça torna-se cada vez maior. Dada às dificuldades que os técnicos do parque enfrentam, o processo de fiscalização iniciado há vários anos voltou a estaca zero e todos os aspetos que haviam sido melhorados, nomeadamente a lei de pescas para o setor de Cacheu, sobretudo o uso da rede “Tchás” estava controlado e os pescadores eram multados em caso de violação das regras.
Neste momento tudo está parado e a exploração dos recursos haliêuticos tornou-se abusiva, porque são acessíveis e os pescadores passaram a pescar sem respeitar as regras e a lei de pesca adotada para o rio Cacheu é constantemente violada. Na parte continental há uma exploração abusiva da floresta e dos recursos naturais existentes naquela zona.
Há uma desmatação abusiva da floresta para fins comerciais, sobretudo de Cibi que está na sua fase de extinção e o corte das árvores vivas para transformar em carvão, porque não estamos presentes. Portanto, a ameaça ao parque é iminente.
OD: Que materiais são necessários colocar à disposição do Parque para consumar o processo de fiscalização, tanto na parte continental como na zona costeira?
PCD: Para zona insular, vamos precisar de motores para a fiscalização, combustível, um fundo de maneio e força de segurança para processos de fiscalização, subsídios de alimentação para os elementos da guarda do parque e as forças de segurança. A nossa equipa de fiscalização integra também alguns pescadores. Participam nas operações porque estão interessados em acompanhar todas as atividades para confirmar as informações de maus tratos que recebem dos seus associados, bem como o comportamento dos associados contra os guardas do parque. Na zona continental, precisamos de novas motorizadas.
Só uma está à disposição dos guardas. Precisamos de materiais suficientes para fazer face aos desafios e realizar o nosso trabalho de forma cabal, porque as nossas missões não são programadas, acontecem em função das denúncias que recebemos ou informações que nos chegam dos nossos elementos.
OD: Como está a relação entre fiscalizadores e os pescadores do rio de Cacheu?
PCD: A nossa relação às vezes é boa e às vezes é má, porque quando os pescadores são multados e são lhes confiscados os produtos, os guardas são vistos como inimigos. De forma global, a nossa relação é boa, mas varia em função do momento. Muitas vezes recebemos ameaças de morte, mas estamos determinados em continuar a fazer o nosso trabalho e fazer com que a lei seja cumprida, mesmo que o nosso trabalho nos custe a viva. Numa dada altura nem frequentávamos lugares de diversão.
OD: Os recursos humanos disponíveis são suficientes ou é preciso formar mais pessoas nessa área?
PCD: Os recursos humanos não são suficientes! O parque natural de tarrafes do rio Cacheu tem 88.615 hectares. Na zona sul, estão cinco guardas e em São Domingos oito. Para fazer a cobertura a essa grande extensão territorial, fazemos um esforço enorme, portanto há necessidade de o número de efetivos do parque ser aumentado para permitir que façamos um trabalho eficaz.
OD: Quais são as entidades envolvidas na fiscalização do parque?
PCD: A população do parque e as instituições do Estado. Existem três modelos: centrista (sem população), ecocentrista (com a população) e o privado. A Guiné-Bissau adotou o sistema ecocentrista. O Senegal está a adotar o modelo centrista, neste momento, apenas as forças de segurança residem no parque para controlá-lo, fazer estudos e seguimento das espécies existentes e a Guiné-Bissau decidiu criar parques e deixar a população viver neles, respeitando as regras estabelecidas pela instituição que gere as áreas protegidas.
E as pessoas que gerem as áreas protegidas devem ser civis, por isso criou-se o Instituto da Biodiversidade das Áreas Protegidas (IBAP).
No modelo guineense, foi criado um conselho de gestão que integra todas as tabancas que fazem parte do parque. Cada tabanca faz-se representar por um elemento. Esse representante, membros do conselho de gestão, é que fazem todos os trabalhos programáticos. Nós somos apenas executores das leis ou normas que essas tabacas elaboram.
Realizam duas reuniões internas (comunidades do parque e algumas instituições do setor de Cacheu) e duas gerais (integram outras instituições centrais, nomeadamente ministério do ambiente, do turismo, das pescas e da floresta).
OD: Como é que está a situação de desmatação de tarrafes no rio Cacheu?
PCD: Nos últimos tempos o fenómeno reduziu bastante, graças às campanhas de sensibilização, reuniões e educação ambiental com as comunidades. A nível da África Ocidental, o parque do rio Cacheu é o parque que tem maior bloco contínuo de tarrafes. Tem grande número de braços que permitem a entrada de grande número de peixes para desovar.
No último estudo realizado pelo ministério das pescas, concluiu-se que o rio Cacheu contribui em boa parte da percentagem da receita do ministério das pescas, graças às licenças de pesca de camarão.
Outro fator que reduziu o fenómeno tem a ver com a fuga de jovens de campo para cidade e as etnias que vivem essencialmente da lavoura de bolanhas não têm, neste momento, a capacidade física para continuar a desmatação para a produção do arroz ou manter as bolanhas desmatadas. Neste momento, a nossa equipa está a trabalhar mais na recuperação das bolanhas abandonadas e consequente repovoamento.
OD- O nível de conservação do parque do rio de Cacheu é bom, grave ou péssimo?
PCD: Anteriormente era muito bom. Tínhamos mais meios e fazíamos o nosso trabalho de fiscalização muito bem. Fazíamos seguimento ecológico de espécies e a contagem normal das aves, porque tínhamos projetos que apoiavam as nossas ações. Neste momento, a conservação está normal, porque continuamos a trabalhar aos poucos e com os meios disponíveis. O maior problema tem a ver com a fiscalização. O repovoamento e a reflorestação decorrem normalmente, apenas a fiscalização está parada.
OD: A invasão de pescadores estrangeiros ao rio continua ou é uma prática que já foi controlada?
PCD: Esse fenómeno quase estava controlado. Fizemos apreensão de várias canoas. Nos períodos de repouso biológico, fazem-se ao rio à noite. Neste momento que a fiscalização está parada, voltaram a invadir o nosso rio, segundo as informações que recebemos dos nossos pescadores.
A nossa maior preocupação é que o rio é uma área protegida com braços e a lei recomenda que apenas motores de 15 cavalos devem ser utilizados, mas os estrangeiros utilizam canoas de 17 ou 18 metros, redes inapropriadas, motores de 40 cavalos e os peixes acabam fugindo.
Nos braços secundários, não é permitido pescar com canoas a motor, apenas a remo. Motores de 15 cavalos podem ser utilizados nos canais principais, de Bolol até São Vicente. As informações que temos é que neste momento, os pescadores estão a utilizar canoas a motor de 15 cavalos nos canais secundários e terciários. Essas zonas são centros de reprodução de peixe.
OD: A ação do homem no parque é devastadora ou há uso racional do parque?
PCD: A ação do homem no parque é forte, com maior índice na desmatação da floresta para fins agrícolas ou a exploração abusiva dos recursos no parque. A transformação de campos agrícolas em pomares de cajú é uma grande ameaça, não obstante o regulamento interno proibir a abertura de novos campos agrícolas e de novas tabancas no parque.
Outra ameaça são as queimadas e todos os trabalhos de reflorestação de novas especiais florestais foram consumidos pelo fogo. A caça clandestina constitui também uma ameaça ao parque e ao ecossistema.
Os animais em ameaça de extinção são: o porco espinho, o javali, as gazelas e o lobo. Outra ameaça ao parque tem a ver com os exploradores de madeiras que constituem uma ameaça à floresta. Temos feito várias diligências para capturá-los, mas não conseguimos.
Não sei precisar quem emite as licenças para essas pessoas, também duvido que tenham licenças para fazer corte de árvores nas áreas protegidas. É bom que todos tenham consciência que não se deve emitir licenças às pessoas para fazer cortes de árvores ou desmatação das espécies que existem nas áreas protegidas. Se calhar vão lá de forma clandestina e sem licenças.
OD: Os períodos biológicos são constantemente violados ou há cumprimento rigoroso das regras estabelecidas?
PCD: No primeiro ano da implementação, houve resistência dos pescadores e havia muitas contradições, mas o ministério das pescas, a direção do parque e o IBAP trabalharam arduamente para fazer funcionar o regulamente e as leis sobre o parque e no final do período biológico todo o mundo congratulou-se com os resultados alcançados.
A partir daí, todo o mundo tem colaborado na fiscalização e na implementação do período biológico. Infelizmente, este ano não conseguimos e os pescadores violaram todas as regras, porque não temos meios materiais e financeiros para permitir que não fosse violado. Temos que trabalhar muito na conservação dos recursos do nosso rio.
Existem pescadores, porque temos peixes, mas se não conservarmos os recursos que existem no nosso rio, as primeiras vítimas serão as pessoas que fazem dessa atividade uma fonte de rendimento. Temos que permitir a entrada de peixes na zona de desova.
O período de grande captura de peixes é depois do repouso biológico. O pescado precisa de repouso de silêncio. É uma atividade anual, havendo ou não condições para fiscalização, os pescadores devem respeitar as regras.
A grande quantidade de peixe que vai para o oceano é reproduzida no rio Cacheu. Os acordos que a Guiné-Bissau assina com a União Europeia e outros parceiros no setor das pescas integram grande quantidade dos recursos pesqueiros de Cacheu, porque é um dos setores do modelo do período de repouso biológico na Guiné-Bissau.
Em 2021 ficamos satisfeitos quando o governo decidiu decretar o período de repouso biológico na pesca industrial, mas um mês era pouco. Propomos que fosse alargado para três meses ou duas vezes por ano. Nas áreas protegidas, o governo deve estabelecer moratórias para impedir o corte abusivo de árvores, porque os resultados dos acordos com a União Europeia e outros parceiros vêm dos recursos que saem dos braços do rio Cacheu.
Em relação à poluição no rio Cacheu, a maior preocupação está ligada a dois barcos atracados no porto de Cacheu há mais de seis anos. Os dois barcos estão a constituir um grande perigo não só para o porto como para o próprio rio. Um dos barcos está a fundar-se aos poucos e o óleo está a poluir o rio. Esse assunto é de conhecimento das autoridades, inclusive várias vezes fizemos denúncias enquanto ativistas.
OD: Que medidas devem ser tomadas para travar a erosão no rio de Cacheu?
PCD: Uma das medidas é continuar o processo de repovoamento de mangal nas zonas ameaçadas, já que o país não tem condições para construir muros para travar a erosão, acabar com destruição nas zonas de tarrafes para a plantação de pomares de cajú. Porque essa atitude pode entupir os rios e quando rios perdem profundidade, as espécies fogem dessa zona.
OD: Qual tem sido a atuação do Instituto da Biodiversidade e das Áreas Protegidas?
PCD: O IBAP é a entidade que fiscaliza todas as atividades nas áreas protegidas, participa nas programações. Não podemos atribuir toda a culpa ao IBAP. A pandemia da Covid-19 comprometeu a capacidade de todas as instituições e o IBAP é uma das vítimas dessa pandemia, porque vive através dos parceiros internacionais.
OD: Que apelo faz às autoridades nacionais sobre a situação do parque natural do rio Cacheu?
PCD: Se os governantes afirmam sistematicamente que 26,3 % do nosso território são áreas protegidas, o governo da Guiné-Bissau tem de começar a injetar dinheiro nas áreas protegidas à semelhança de outros países. No Senegal, por exemplo, o orçamento geral de Estado toma em consideração as áreas protegidas.
Não podemos continuar a depender apenas dos parceiros internacionais. É fundamental que o próximo orçamento de Estado tome em consideração as áreas protegidas, para sustentá-las. As forças de segurança devem ser integradas na fiscalização dos parques para garantir que quem utiliza as zonas protegidas tenha alguma cautela na sua utilização ou exploração dos seus recursos. Não se pode combater a exploração abusiva dos recursos florestais apenas com canetas e blocos de notas. É preciso criar as condições para enfrentar os infratores. Como se pode enfrentar quem tem arma ou motosserra? Trabalhamos em meio a muitos riscos. É fundamental valorizar a vida dos guarda parques na Guiné-Bissau.
Por: Filomeno Sambú
Fotos: Solidariedade de Fernando Djemé



















